ETERNAS POLACAS

Belle

A rosa não se compara

A essa judia rara 

Criada no meu país

Rosa de amor sem espinhos

Diz que são meus seus carinhos

E eu sou um homem feliz

moreira

“JUDIA RARA”, DE MOREIRA DA SILVA, QUE VIVEU COM UMA POLACA.

um

As polacas estão ressuscitando. Párias em vida, abandonadas por 30 anos no gueto em que se enterraram judias, em Cubatão, elas começam a renascer dos túmulos restaurados até junho pela Sociedade Cemitério Israelita de São Paulo, já personagens de quatro livros; estrelas de três projetos teatrais; tema de monografia, tese e conferências; e fantasmas atormentando a comunidade judaica brasileira, dividida entre apenas reconhecê-las, ou enfim aceitá-las, ou enterrá-las para sempre.

As polacas do “povo da Bíblia” estavam confinadas ao Deuteronômio: “Não haverá dentre as filhas de Israel quem se prostitua no serviço do templo, nem dentre os filhos de Israel haverá quem o faça” (23:17). Elas agora parecem ressurgir em outro momento bíblico: “Toma a harpa, rodeia a cidade, ó prostituta, entregue ao esquecimento; toca bem, canta muitos cânticos, para que haja memória de ti” (Isaías 23:16).
Certidão – Um “aluvião de Messalinas” invadiu o Rio de Janeiro em 1872. “A horda de judias russas, alemãs e austríacas começou a aparecer na roda cortesã, nos teatros de última classe, nas ruas mais concorridas, mulheres de ademanes desembaraçados, rostos formosos, trajando com luxo e levando presa no olhar a atenção dos transeuntes que as observavam”, como registrou Os Cáftens, um folheto de Clímaco dos Reis, considerado pelo diretor do Museu Histórico em 1955, Gustavo Barroso, “a certidão de nascimento” da prostituição de porta aberta inaugurada pelas “famosas polacas”.

tresElas “paravam nas esquinas, nos corredores e jardins dos teatros, em toda parte e, com uma desenvoltura até então desconhecida, distribuíam bilhetes com seus nomes e moradias…” O Estado de 25 de julho de 1879, então A Província de São Paulo, publicou a notícia de que “duas alegres raparigas deliberaram dar algumas voltas na cidade em um elegante carrinho particular de passeio, tirado por um cavallo, e guiado por uma dellas, de nacionalidade russa, ao que ouvimos contar, e entendida naquellas façanhas hyppicas”.
Uma verdadeira “scena”, como acrescentou: “Assim fizeram, percorrendo galhardamente algumas ruas da cidade com grande espanto dos basbaques em geral, e dos urbanos em particular.” Nas ruas da Liberdade (“ironias do acaso!”), as duas foram presas e levadas ao chefe da polícia, que as libertou “provando que aqui no Brazil, como na Rússia, é permitido à mulher guiar um carro particular”.

OITO

Foto de Sílvio Luiz    

Os “biombos-alcouces” e “casinhas-bordéis” proliferaram rapidamente no começo do século no Rio e em São Paulo. “Neles, há um só quarto, uma só prostituta e um pequeno pátio, onde os homens que esperam formam fila”, descreveu o jornalista Robert Neumann, autor de um livro de investigação sobre o tráfico de brancas, 23 Mulheres, publicado no Brasil em 1941.

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Foto: www.scoopnest.com/

“Abre-se a porta e aparece a mulher, vestindo camisa de cores berrantes”, ele continua. “O freguês que foi despachado passa sem lhe dizer palavra; e o próximo entra, a porta se fecha.” Atônito, conclui: “Tão incrível é o número de fregueses recebidos num único dia que, antes de o revelar, necessário se faz dizer que ele foi confirmado pelas autoridades, pela sociedade judaica de socorros Ezras Noshim e pelos investigadores da Liga das Nações.” Historiadora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Margareth Rago “morreu de medo” ao penetrar no mundo misterioso das polacas e de seus rufiões para o livro Os Prazeres da Noite: Prostituição e Códigos da Sexualidade Feminina em São Paulo, 1890-1930(Paz e Terra, 1991). “Fui assustada por gente da comunidade judaica que não queria desenterrar o assunto.” Perguntavam-lhe:
“Mas por que você quer mexer com isso?” Ao saber agora das obras de restauro no cemitério de Cubatão, ela se mostra curiosa e irônica: “Redenção?” Rago foi muito além da “geografia do prazer” no submundo de São Paulo. Seguindo o rastro deixado há 50 anos no livro Le Chemin (O Caminho) de Buenos Aires, pelo poeta e famoso repórter Albert Londres, queimado como um arquivo num suspeito incêndio de um navio em 1932, ela identifica no Brasil os tentáculos dos poderosos “maquereaux”, os gigolôs franceses, e dos “polaks”, traficantes de judias das aldeias pobres do Leste Europeu.

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Jacob do Bandolim: filho da polaca Taquel Pick

Máfias – Quando perseguidos na Argentina, os rufiones refugiavam-se nas filiais paulista ou carioca, onde mantinham até “escolas de prostituição”. As máfias francesa e polaca importariam para a América do Sul cerca de 1.200 mulheres por ano, embarcadas nos portos de Gênova, Marselha, Anvers e Hamburgo.
Mas “é praticamente impossível estimar a quantidade de prostitutas que vieram traficadas da Europa”, conclui Rago. Como “também dificilmente saberemos quantas vieram por vontade própria, ou iludidas com promessas de casamento e perspectivas estimulantes de enriquecimento”. Nos bordéis distinguiam-se as estrangeiras, “embora as raras estatísticas disponíveis registrem uma porcentagem superior de brasileiras”. Madame O, de 80 anos, testemunhou a belle époque paulista como costureira francesa. E nunca encontrava brasileiras nos bordéis.

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“Por quê?”, perguntou-lhe Rago, numa entrevista em 1989. “Porque elas não eram disso no meu tempo”, respondeu. “Quando cheguei ao Brasil, não havia mulheres (brasileiras) não… tudo francesas e polacas, muitas.” Na música de João Bosco e Aldir Blanc, O Mestre-Sala dos Mares, de 1974, as mulatas já se tornam majoritárias:
…Foi saudado no porto Pelas mocinhas francesas Jovens polacas E por batalhões de mulatas. Está no Gênese (38:24): “Passados quase três meses, disseram a Judá: ‘Tamar, tua nora, se prostituiu e eis que está grávida da sua prostituição. Então disse Judá: ‘Tirai-a para fora, e seja ela queimada.” Está em Levítico (21:9): “E se a filha dum sacerdote se profanar, tornando-se prostituta, profana a seu pai; no fogo será queimada.” Os judeus brasileiros não queimaram as “curves” (prostitutas, em iídiche) de Santos, do Rio e de São Paulo. Mas lhes reservaram, “impuras”, o mesmo chão dos suicidas que ousam findar a vida dada, e então só tirada por Deus: junto aos muros dos cemitérios. “Die linke”, esquerdistas, marginalizadas, ou “as outras”, na tradução do jornalista Alberto Dines, as “curves” abriram seus próprios cemitérios, rezaram em sinagogas próprias e congregaram-se em sociedades de assistência mútua. Viveram e morreram judias. Mais do que esquecidas, expiaram. Abolidas, perpetuaram-se. Eternas polacas.

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DESTA SEGUNDA PÁGINA, NÃO TENHO O TEXTO. MAS ESPERO QUE, CLICANDO NELA, DÊ PARA AMPLIAR E LER.

 

 

 

 

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