
Triplo autorretrato
Berkshires, MA — O sonho americano é a exibição permanente no Museu Norman Rockwell, em Stockbridge – um sonho que ainda não acabou porque reflete ideais como a bondade, tolerância, democracia e liberdade, mesmo que suas imagens sejam antigas, datadas da metade do século passado.
“Só pintei a vida da maneira como eu gostaria que ela fosse”, explicou o sonhador Norman Rockwell, talvez o mais querido e popular dos pintores americanos. A revista The Saturday Evening Post vendia mais 50 a 70 mil exemplares quando era ele o artista de sua capa. Foram 321 capas em 47 anos, todas retratando típicos valores da vida americana.
Mas o sonhador Rockwell também teve pesadelos. “Por 47 anos eu pintei o melhor possível dos mundos – vovôs, cachorrinhos, coisas assim. Este tipo de material está morto agora, e acho que era tempo”. A ruptura se revelou em série nas capas de outra revista, a Look. Cenas de discriminação racial, como a de uma menininha negra com vestido branco sendo escoltada à escola por policiais, ou da luta pelos direitos civis nos Estados Unidos.

No Museu Rockwell estão o sonho e o pesadelo nas capas das revistas, mais 570 pinturas e desenhos, e ainda 100 mil itens incluindo cartas e documentos. O próprio ateliê de Stockbridge, a três quilômetros, veio inteirinho para dentro da réplica de sua casa que ficava na Rua Principal, a Route 7. Agora, suas janelas dão vista para o rio Housatonic, numa área de 146 mil m2 coberta de grama que parece ser cortada por manicure, tão certinha.
Sabe aquele menino de 10 anos com óculos de 12 graus e sapato ortopédico? Era ele, Norman Percevel Rockwell, nascido em Upper West Side Manhattan, NY, em 1894. Não tinha nada a ver com esportes, como os amigos, e ficava desenhando. Quando seu pai contava histórias, desenhava num caderno os personagens. Trocou a escola secundária pelas aulas de desenho e pintura da National Academy School, em Nova York. Para ganhar dinheiro, fazia bicos como figurante na Metropolitan Opera. Uma vez contracenou até com o célebre Enrico Caruso. Com 16 anos aviou a primeira encomenda profissional que lhe foi feita: quatro cartões de Natal. Aos 17 anos, ilustrou o primeiro livro. E passou a trabalhar, pelos 50 anos seguintes, na revista de escoteiros Boys Life. Aos 22 anos, a glória: a primeira capa do The Saturday Evening Post, a mais prestigiosa revista da época.
Desde então, Rockwell nunca mais ganhou menos do que US$ 40 mil por ano, mesmo durante a Grande Depressão. Era obcecado pela precisão. E sincero. No livro Minhas Aventuras como Ilustrador, ensinou como fazer um galo posar: “você o sacode para frente e pra trás; quando o deixar, ele ficará tranquilo por 4 a 5 minutos”. Para ilustrar os clássicos de Mark Twain, foi conhecer o cenário das histórias, a cidade de Hannibal, no Missouri. Voltou carregado de roupas de época, que vestia em vizinhos-modelos. Casou-se três vezes, e com a segunda das esposas, Mary Barstow, teve três filhos. Seu primeiro ateliê pegou fogo, em 1943, e nada lhe sobrou das preciosidades que havia acumulado em 28 anos. Do segundo tudo está hoje aqui, em Stockbridge, para onde ele se mudou em 1953 e onde morreu, em 1978, deixando no cavalete pinceladas de uma pintura inacabada.
O maior patrono do museu é o cineasta Steven Spielberg. Ele trouxe a Time Warner para mais esta sua superprodução, que custou US$ 9,2 milhões. Aqui estão os quadros mais famosos, como o Triplo Autorretrato e As Quatro Liberdades, uma série patriótica que arrecadou US$ 139,9 milhões para o esforço de guerra do presidente Roosevelt, e quase todas as capas da revista The Saturday Evening Post. É o panorama histórico de um século, do sonho ao pesadelo americano.