No deserto, com Mister Chuva.

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thetransarabia.com – Lawrence da Arábia

2013-06-21 13.04.17Como uma miragem no deserto, os beduínos vão passando. E desaparecem, para sempre. São uma tribo em extinção. O deserto se tornou fértil: em se plantando, nascem oásis; e em se perfurando, jorra petróleo.

Restam uns 60 mil beduínos em Israel. Mais da metade ainda vaga sob o sol do deserto do Negus com seus camelos e tendas. Mas outros 40% já encontraram endereço fixo em cidades, enterrando a vida nômade nas dunas de areia. Trocaram a poesia por água encanada, esgoto, emprego e lazer. E foram bem-vindos.

Muita poesia: “O beduíno tem o ar, os ventos, o sol, a luz, os espaços abertos e um imenso vazio” – escreveu o arqueólogo, militar, espião e escritor inglês Tomas Edward Lawrence (1888-1935), o lendário Lawrence da Arábia, no livro Os Sete Pilares da Sabedoria. Continuando: “Ele não vê na natureza fecundidade nem esforço humano: simplesmente o céu acima e, abaixo, a terra imaculada. Assim ele se aproxima inconscientemente de seu Deus”.

El Badwi, beduíno em árabe, é sinônimo de estepe e de começo. Então, o mundo começa nas estepes do deserto. Os judeus também acreditam que no deserto esteja a Casa de Deus. Onde também moram o silêncio, o vento, o calor e o vazio.

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Subindo o Monte Sinai

Tive um guia beduíno para escalar os 2.265 metros até a “Porta do Céu”, o Jbel Mussa, o monte em que Moisés, cego e já com mais de 100 anos, teria recebido de Deus os dez mandamentos. Ia à frente, com um galão de água, pouco antes que o deserto do Sinai voltasse à soberania egípcia pelo acordo de paz com Israel. Chamava-se Chuva. Vestia um longo casacão preto e a tradicional keffiah, o pano branco assentado na cabeça por um cordão preto. Ele me falou de um amigo que namorou uma turista americana, num oásis à beira mar, “o hotel de Mil e Uma estrelas”. Daí nasceu um filho, alguns meses depois, em Nova York. A mãe queria o pai por perto, e lhe enviou uma passagem aérea. Provocou uma polêmica ecológico-diplomática: pode-se transplantar um beduíno das dunas de Ras Muhammad (a praia Cabeça de Maomé) para Wall Street, o Village, a Broadway?

Chuva era realmente uma raridade do deserto. Ele não sabia o fim da história de seu amigo. Só o começo: “Era uma vez um beduíno que foi para Manhattan…” Ele também repetia uma piada apropriada ao local, apreendida com turistas. “Quando chegou ao topo da montanha, e Deus lhe perguntou para onde queria levar seu povo, Moisés, que estava gago, tentou responder: “Ca…ca…ca…” Canaã, como foi completado, precipitadamente. Na verdade, os judeus queriam ir para o Ca…ca…Canadá. Ou a Ca…ca…Califórnia.

Muitos beduínos não são árabes, como os Qashqai, no Irã; os Tuareg, no Sahara; e os Turcomanos do Norte da Síria e do Iraque. Os únicos negros estão no Sudão. Todos têm um denominador comum: vagueam pelos desertos, guiados por instinto e tradição. Vivem em tendas e criam camelos. O Political Dictionary of the Arab World calcula que restem entre sete e oito milhões de beduínos espalhados pelo mundo árabe e Israel. Mas estão batendo em retirada. Cada vez mais encontram à frente mais desertos férteis, proibidos para pastagem. Já não podem mais formar aqueles bandos perigosos que assaltavam as ricas caravanas. Hoje, se não assistirem a TV mundial CNN podem acabar no fogo cruzado de uma guerra entre dois países vizinhos. Já sobreviveram a muitas. Já estiveram sob domínio otomano, inglês e israelense nos desertos da Judea e Samaria bíblicas.

2013-06-22 04.49.22O mercado de camelos, os navios do deserto, não está mais em expansão. Então, dá maior retorno criar bodes e carneiros. Como o rebanho prefere ficar ruminando numa encosta de ralo verde do que na amarela de pura areia, os beduínos vão abandonando a vida nômade. Assentam-se na periferia das cidades. Alguns até se elegeram deputados no parlamento israelense. Em Amã, na Jordânia, os beduínos formam a elite do exército real, a famosa Legião Árabe. As tendas provisórias se perpetuam em casas e depósitos. Os governos estimulam a transição. Um dia fizeram uma experiência da qual Chuva participou. Deram-lhe uma casa projetada por arquitetos que estudaram os costumes de sua tribo. Bem que ele se esforçou por se adaptar. Mas uma noite não resistiu: montou uma tenda diante da casa, e foi morar nela. Outros gostam, perpetuam o teto.

Os chefes de família e os mais velhos beduínos elegem um líder espiritual, o Sheik. Sua autoridade penetra a vida pessoal e familiar de todos numa tribo. Mas ele não chega a ser um juiz de pequenas causas. Os próprios índios do deserto devem resolver os problemas sozinhos, a partir de certas regras estabelecidas ao longo de séculos. Assassinatos e estupros demandam uma sulha – uma compensação. Ou vingança. As guerras intertribais há muito que estão pacificadas. Mas a lei do deserto vigora entre beduínos que se mudaram para cidades. A mulher infiel, por exemplo, ainda é assassinada.

2013-06-22 09.25.20Os beduínos deixaram de ser o elo de ligação entre povos separados por desertos. A TV é instantânea, e os aviões, mais práticos. Os oásis são acessíveis por linhas regulares de ônibus com ar condicionado. As famílias das capitais árabes já não mandam seus filhos para aprender com os gurus do deserto. Aprendiam as matérias primas da personalidade beduína, como a virilidade, coragem e resistência, temperadas pela hospitalidade, honra e lealdade familiar. Hoje os discípulos preferem aprender economia e computação nas dunas do saber dos Estados Unidos.

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O paraíso: a praia de Ras Muhammed (Cabeça de Maomé)

Dahab, outra praia no Sinai.

Dahab, outra praia no Sinai.

“Cada indivíduo nômade”, explicou Lawrence da Arábia, “tem sua própria religião, sem transmissão oral nem tradição, mas instintiva”. O beduíno reza à entrada da tenda. No deserto não há mesquitas, nem o canto do muezim do alto dos minaretes convocando os fiéis para as orações. O Corão leva em conta a aspereza do deserto. E as abluções e outros rituais de purificação com água podem ser feitos com areia.

Os supersticiosos beduínos acreditam no djinn – um espírito do mal que ataca os recém nascidos, aterroriza as caravanas, e pode baixar em certas pessoas, como, no espiritismo, com Zé Arigó e Chico Xavier. Contra ele, recorrem aos walj – os santos; aos sherif – os descendentes da família do Profeta; aos madjzbur – místicos comparáveis aos pais de santo; e aos faqir (não confundir com os fakirs hindus) – miseráveis com poderes sobrenaturais, curandeiros e exorcistas. Muitos ainda se valem de amuletos e de talismãs mágicos. A tribo dos Tiyaha, no Negus, ficou famosa por uma terapia culinária. Contra reumatismo, nada melhor que um naco de carne de abutre, um primo do urubu brasileiro. Contra impotência, coelhinhos.images

Os beduínos em extinção, os senhores dos desertos, ainda são visíveis pelo Negus, quase 2/3 do território de Israel. Surgem à beira de estradas, com seus rebanhos, roupas penduradas, crianças brincando. Parecem ciganos. E vão se adaptando tanto que já fabricam artesanato para vender a quem quer conhecê-los. Vale a pena vê-los antes que acabem. Todas quintas-feiras, a partir de seis da manhã, os beduínos se reúnem ao lado da estação rodoviária de Beersheba para vender carne, tapetes, roupas e joalheria. Só que já chegaram à Idade dos T-shirts. E também vendem aparelhos eletrônicos.

Os oásis do deserto são hoje grandes hotéis de cadeias internacionais. Oferecem hidroterapia com água do Mar Morto, quartos com vistas espetaculares, cozinha típica, passeios organizados, conexão mundial via satélite, até mesmo os jornais do dia. Uma bolha de ar condicionado no meio do nada povoado de lembranças bíblicas. Beersheba é a cidade dos Sete Poços do Velho Testamento. Os judeus a cruzaram em busca da Terra Prometida, perdidos durante 40 anos. Os restos da fortaleza de Massada, construída por Herodoto, “o Grande”, em 43 Antes de Cristo, tornaram-se o símbolo do moderno estado de Israel: “Não cairá outra vez”, repete-se hoje. Cercada pelos romanos em 70 AC, seus 967 habitantes preferiram o suicídio à rendição. Pela vizinhança, outras atrações: as grutas de Qumram, onde foram descobertos os pergaminhos do Mar Morto, e as reservas naturais e os kibutzim que vão colorindo de verde o deserto. E tem a placa de Sodoma, na estrada, onde casais adoram posar para fotos, selfies, bundas à mostra, como se tivessem sido convidados para a última bacanal. Eilat, no Mar Vermelho, a fronteira com o Sinai egípcio, foi adotada como o Caribe dos Nórdicos. Charters trazem refugiados do inverno, brancos de neve. Do outro lado, a Jordânia, com Petra, e a Arábia Saudita.

LAW1Os beduínos se espalham pelas colinas verdejantes da Galiléia até a mistura de sal e calor dos mares Morto e Vermelho. De carro, esse mergulho da água quente salgada para o frescor do doce rio Jordão pode ser feito em três horas. E se alguma caravana de beduínos cruzar à frente, atenção, esfregue bem os olhos: pode ser uma miragem.

Veja também: Sinai

Dia apocalítico

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Templo de Jerusalém: duas vezes destruído, no mesmo mês Av, no espaço de 656 anos.

Papa reza no que restou dos templos: o Muro das Lamentações.

Papa reza no que restou dos templos: o Muro das Lamentações.

O dia das maiores tragédias na história do povo judeu, entre o pôr do sol do sábado ao de domingo, 25 e 26/7 neste ano, e a guerra apocalítica de Gogue e Magogue contra Israel, anunciada pelo profeta Ezequiel em seu livro do Velho Testamento, estão próximos.

“Muito próximos” – há quem o diga.

Av é o quinto mês lunar do calendário judaico, o 11 do ano laico; e Tishá b’Av, 9 de Av, o dia mais triste do judaísmo — dia de jejum até de água e luto fechado, como se algum parente estivesse morto. No calendário gregoriano, a combinação forma uma surpresa extra ao lembrar os atentados aéreos contra os Estados Unidos há 14 anos: o 9/11.

Tishá b’Av é precedido por Três Semanas de pesar e lamentações pela destruição dos dois templos de Jerusalém e o exílio do povo judeu. A lamentar neste ano de 5775 (equivalente ao 2015, até 13/9, ano novo judaico) foi a conclusão do acordo entre os EUA e mais cinco potências com o Irã, porque Israel não se convenceu das boas intenções iranianas. Ao contrário: está em pé de guerra.

Adoração ao bezerro de ouro

Adoração ao bezerro de ouro

O primeiro trágico Av foi o da morte de Aarão, aos 123 anos, no alto do monte Hor, perto de Petra, na Jordânia. Ele era o irmão mais velho de Moisés. Enquanto um estava demorando a voltar com o que seria os Dez Mandamentos, o outro não proibiu que seu povo, impaciente no deserto, passasse a adorar um bezerro de ouro. Adveio o castigo divino: Deus decretou que a geração do Êxodo morreria sem pisar a Terra Prometida. E assim se fez: só seus filhos foram para Canaã.

O primeiro Templo de Jerusalém, construído pelo rei Salomão, foi destruído pelos babilônios de Nabucodonosor em Tishá b’Av do ano 586 AC.; e 656 anos depois, em 70 AC., de novo num 9 de Av, os romanos de Tito arrasaram o segundo Templo de Jerusalém, erguido por decreto de Cyrus, o rei da Pérsia.

A revolta dos judeus contra Roma foi liquidada no Tishá b’Av de 135 AC.. Seu líder Simón bar Kochba e toda uma geração de líderes religiosos, inclusive o célebre rabino Akiva, foram executados.

As calamidades continuam em Tishá b’Av:

1095: o papa Beato Urbano II proclama a Primeira Cruzada na Terra Santa;

1290: judeus expulsos da Inglaterra pelo rei Eduardo I.

1492 (2/8): judeus expulsos da Espanha pelo rei Fernando;

1555 (26/7): papa Paulo IV confina os judeus no primeiro gueto de Roma;

1914 (1/8): Alemanha declara guerra à Rússia. Começa a Primeira Guerra Mundial;

1942 (8 de Av): inauguração do campo nazista de extermínio de Treblinka; e

1994 (10 de Av): atentado terrorista mata 85 judeus na Argentina.

Só tragédias? Não. Tishá b’Av também é vivido por muitos judeus como renascimento, 3.500 anos depois de Moisés quebrar as Tábuas da Lei, com os 10 mandamentos, ao descer do Monte Sinai. São sobreviventes de ruinas e perseguições, guardiões da memória viva de um povo vítima de genocídios. Derrotados, triunfaram. Mas estão agora diante de nova ameaça. As peças da terrível profecia de Ezequiel 38-39, a Guerra de Gogue e Magogue contra Israel, vão se encaixando como ao final de um quebra-cabeças.

Gogue e Magogue

A peça agora encaixada foi o Irã. Reabilitado ao mundo pelos EUA e mais cinco potências, em 14/7, com um acordo feito para retardar a produção de sua bomba atômica, o bíblico povo persa invadiu as Três Semanas das tragédias judaicas que culminam no Tishá B’Av, iniciadas em 17 de Tamuz, o domingo 5/7, dia em que os romanos derrubaram as muralhas de Jerusalém, no ano 70 da Era Cristã, e partiram para a destruição do Segundo Templo, encerrada em 9 de Av. Nos novos tempos, a Terra teve seu primeiro encontro com o último planeta então desconhecido do sistema solar, Plutão.

São 21 dias aflitivos, conhecidos por “entre os apertos”. Os judeus ortodoxos os vivem sem se casar, ouvir música, dançar, cortar cabelo, barbear-se, viajar a turismo, vestir roupa nova, comer frutas fora de estação e envolver-se em situações perigosas. Tempo de reflexão. Mas como esquecer o maior dos perigos, o Irã?

Israel é definido como “país de uma bomba só” porque basta apenas uma, detonada em Tel-Aviv, para desaparecer do mapa. Restariam-lhe cinco submarinos nucleares que submergeriam para retaliar. Ouça o que disse o ex-presidente do Irã, Ali Akbar Hashemi Rafsanjani — e tenha a dimensão do terror em que vivem os israelenses:

“Bem-vinda uma guerra nuclear com Israel. Ela pode matar 15 milhões de pessoas, mas ainda restarão dois bilhões de muçulmanos na Terra, enquanto não haverá mais nenhum judeu onde existiu Israel”.

Apenas 1529 palavras no livro de Ezequiel, capítulos 38 e 39, anunciam e descrevem a guerra devastadora que paira sobre a Terra Santa. Já renderam milhões de outras palavras que as tentaram decifrar, em muitas línguas e em várias religiões. Volta e meia alguém as retoma para anunciar: o fim está próximo. É o que está acontecendo.

A profecia


Profeta Ezequiel

Profeta Ezequiel

38.1   Veio a mim a palavra do SENHOR, dizendo:

38.2   Filho do homem, volve o rosto contra Gogue, da terra de Magogue, príncipe de Rôs, de Meseque e Tubal; profetiza contra ele

38.3   e dize: Assim diz o SENHOR Deus: Eis que eu sou contra ti, ó Gogue, príncipe de Rôs, de Meseque e Tubal.

38.4   Far-te-ei que te volvas, porei anzóis no teu queixo e te levarei a ti e todo o teu exército, cavalos e cavaleiros, todos vestidos de armamento completo, grande multidão, com pavês e escudo, empunhando todos a espada;

38.5   persas e etíopes e Pute com eles, todos com escudo e capacete;

38.6   Gômer e todas as suas tropas; a casa de Togarma, do lado do Norte, e todas as suas tropas, muitos povos contigo.

38.7   Prepara-te, sim, dispõe-te, tu e toda a multidão do teu povo que se reuniu a ti, e serve-lhe de guarda.

38.8   Depois de muitos dias, serás visitado; no fim dos anos, virás à terra que se recuperou da espada, ao povo que se congregou dentre muitos povos sobre os montes de Israel, que sempre estavam desolados; este povo foi tirado de entre os povos, e todos eles habitarão seguramente.

38.9   Então, subirás, virás como tempestade, far-te-ás como nuvem que cobre a terra, tu, e todas as tuas tropas, e muitos povos contigo.

38.10   Assim diz o SENHOR Deus: Naquele dia, terás imaginações no teu coração e conceberás mau desígnio;

38.11   e dirás: Subirei contra a terra das aldeias sem muros, virei contra os que estão em repouso, que vivem seguros, que habitam, todos, sem muros e não têm ferrolhos nem portas;

38.12   isso a fim de tomares o despojo, arrebatares a presa e levantares a mão contra as terras desertas que se acham habitadas e contra o povo que se congregou dentre as nações, o qual tem gado e bens e habita no meio da terra.

38.13   Sabá e Dedã, e os mercadores de Társis, e todos os seus governadores rapaces te dirão: Vens tu para tomar o despojo? Ajuntaste o teu bando para arrebatar a presa, para levar a prata e o ouro, para tomar o gado e as possessões, para saquear grandes despojos?

38.14   Portanto, ó filho do homem, profetiza e dize a Gogue: Assim diz o SENHOR Deus: Acaso, naquele dia, quando o meu povo de Israel habitar seguro, não o saberás tu?

38.15   Virás, pois, do teu lugar, dos lados do Norte, tu e muitos povos contigo, montados todos a cavalo, grande multidão e poderoso exército;

38.16   e subirás contra o meu povo de Israel, como nuvem, para cobrir a terra. Nos últimos dias, hei de trazer-te contra a minha terra, para que as nações me conheçam a mim, quando eu tiver vindicado a minha santidade em ti, ó Gogue, perante elas.

38.17   Assim diz o SENHOR Deus: Não és tu aquele de quem eu disse nos dias antigos, por intermédio dos meus servos, os profetas de Israel, os quais, então, profetizaram, durante anos, que te faria vir contra eles?

38.18   Naquele dia, quando vier Gogue contra a terra de Israel, diz o SENHOR Deus, a minha indignação será mui grande.

38.19   Pois, no meu zelo, no brasume do meu furor, disse que, naquele dia, será fortemente sacudida a terra de Israel,

38.20   de tal sorte que os peixes do mar, e as aves do céu, e os animais do campo, e todos os répteis que se arrastam sobre a terra, e todos os homens que estão sobre a face da terra tremerão diante da minha presença; os montes serão deitados abaixo, os precipícios se desfarão, e todos os muros desabarão por terra.

38.21   Chamarei contra Gogue a espada em todos os meus montes, diz o SENHOR Deus; a espada de cada um se voltará contra o seu próximo.

38.22   Contenderei com ele por meio da peste e do sangue; chuva inundante, grandes pedras de saraiva, fogo e enxofre farei cair sobre ele, sobre as suas tropas e sobre os muitos povos que estiverem com ele.

38.23   Assim, eu me engrandecerei, vindicarei a minha santidade e me darei a conhecer aos olhos de muitas nações; e saberão que eu sou o SENHOR.

39.1   Tu, pois, ó filho do homem, profetiza ainda contra Gogue e dize: Assim diz o SENHOR Deus: Eis que eu sou contra ti, ó Gogue, príncipe de Rôs, de Meseque e Tubal.

39.2   Far-te-ei que te volvas e te conduzirei, far-te-ei subir dos lados do Norte e te trarei aos montes de Israel.

39.3   Tirarei o teu arco da tua mão esquerda e farei cair as tuas flechas da tua mão direita.

39.4   Nos montes de Israel, cairás, tu, e todas as tuas tropas, e os povos que estão contigo; a toda espécie de aves de rapina e aos animais do campo eu te darei, para que te devorem.

39.5   Cairás em campo aberto, porque eu falei, diz o SENHOR Deus.

39.6   Meterei fogo em Magogue e nos que habitam seguros nas terras do mar; e saberão que eu sou o SENHOR.

39.7   Farei conhecido o meu santo nome no meio do meu povo de Israel e nunca mais deixarei profanar o meu santo nome; e as nações saberão que eu sou o SENHOR, o Santo em Israel.

39.8   Eis que vem e se cumprirá, diz o SENHOR Deus; este é o dia de que tenho falado.

39.9   Os habitantes das cidades de Israel sairão e queimarão, de todo, as armas, os escudos, os paveses, os arcos, as flechas, os bastões de mão e as lanças; farão fogo com tudo isto por sete anos.

39.10   Não trarão lenha do campo, nem a cortarão dos bosques, mas com as armas acenderão fogo; saquearão aos que os saquearam e despojarão aos que os despojaram, diz o SENHOR Deus.

39.11   Naquele dia, darei ali a Gogue um lugar de sepultura em Israel, o vale dos Viajantes, ao oriente do mar; espantar-se-ão os que por ele passarem. Nele, sepultarão a Gogue e a todas as suas forças e lhe chamarão o vale das Forças de Gogue.

39.12   Durante sete meses, estará a casa de Israel a sepultá-los, para limpar a terra.

39.13   Sim, todo o povo da terra os sepultará; ser-lhes-á memorável o dia em que eu for glorificado, diz o SENHOR Deus.

39.14   Serão separados homens que, sem cessar, percorrerão a terra para sepultar os que entre os transeuntes tenham ficado nela, para a limpar; depois de sete meses, iniciarão a busca.

39.15   Ao percorrerem eles a terra, a qual atravessarão, em vendo algum deles o osso de algum homem, porá ao lado um sinal, até que os enterradores o sepultem no vale das Forças de Gogue.

39.16   Também o nome da cidade será o das Forças. Assim, limparão a terra.

39.17   Tu, pois, ó filho do homem, assim diz o SENHOR Deus: Dize às aves de toda espécie e a todos os animais do campo: Ajuntai-vos e vinde, ajuntai-vos de toda parte para o meu sacrifício, que eu oferecerei por vós, sacrifício grande nos montes de Israel; e comereis carne e bebereis sangue.

39.18   Comereis a carne dos poderosos e bebereis o sangue dos príncipes da terra, dos carneiros, dos cordeiros, dos bodes e dos novilhos, todos engordados em Basã.

39.19   Do meu sacrifício, que oferecerei por vós, comereis a gordura até vos fartardes e bebereis o sangue até vos embriagardes.

39.20   À minha mesa, vós vos fartareis de cavalos e de cavaleiros, de valentes e de todos os homens de guerra, diz o SENHOR Deus.

39.21   Manifestarei a minha glória entre as nações, e todas as nações verão o meu juízo, que eu tiver executado, e a minha mão, que sobre elas tiver descarregado.

39.22   Desse dia em diante, os da casa de Israel saberão que eu sou o SENHOR, seu Deus.

39.23   Saberão as nações que os da casa de Israel, por causa da sua iniqüidade, foram levados para o exílio, porque agiram perfidamente contra mim, e eu escondi deles o rosto, e os entreguei nas mãos de seus adversários, e todos eles caíram à espada.

39.24   Segundo a sua imundícia e as suas transgressões, assim me houve com eles e escondi deles o rosto.

39.25   Portanto, assim diz o SENHOR Deus: Agora, tornarei a mudar a sorte de Jacó e me compadecerei de toda a casa de Israel; terei zelo pelo meu santo nome.

39.26   Esquecerão a sua vergonha e toda a perfídia com que se rebelaram contra mim, quando eles habitarem seguros na sua terra, sem haver quem os espante,

39.27   quando eu tornar a trazê-los de entre os povos, e os houver ajuntado das terras de seus inimigos, e tiver vindicado neles a minha santidade perante muitas nações.

39.28   Saberão que eu sou o SENHOR, seu Deus, quando virem que eu os fiz ir para o cativeiro entre as nações, e os tornei a ajuntar para voltarem à sua terra, e que lá não deixarei a nenhum deles.

39.29   Já não esconderei deles o rosto, pois derramarei o meu Espírito sobre a casa de Israel, diz o SENHOR Deus.


mapa

Na geografia do Velho Testamento, Magog hoje seria a Rússia; Pérsia, o Irã; Meseque e Tubal, repúblicas da ex-União Soviética; Gômer, Europa do Leste e Alemanha; Togorma, Turquia; Cush, Sudão; e Pute, Líbia.

A faísca capaz de acender o apocalipse é um ataque de Israel a um aliado de Gogue — no caso, o Irã, ex-pérsia. O primeiro-ministro israelense Bibi Netanyahu o ameaça constantemente, desconfiado dos aiatolás que já armam grupos terroristas no Líbano e em Gaza em duas fronteiras de Israel. A seu favor, ele tem dois precedentes: em 1981, o premiê Menachem Beguin mandou sua força aérea destruir o reator nuclear Osirak perto de Bagdá, no Iraque — e quando ele próprio telefonou para dar a notícia a uma rádio em Tel-Aviv, o repórter desligou comentando: “Um louco ligou para dizer que bombardeamos a central nuclear de Saddam Hussein”.

Em 2007 houve outro ataque preventivo que destruiu uma usina atômica na Síria montada por norte-coreanos. Imperou o silêncio total, sírio e israelense, só rompido, quase um ano depois, com o vazamento de correspondência diplomática dos EUA pelo WikiLeaks. Curioso: Barack Obama, então senador, na época, deu o seu apoio ao direito de Israel a atacar para se defender.

Magog é introduzido no Gênesis 10:2 como neto de Noé. Seus descendentes acabaram se instalando ao “norte distante” de Israel, certamente a Rússia. As terras de Meseque e Tubal são identificadas como duas das ex-republicas soviéticas, então novamente conquistadas. A invasão da Geórgia, em 2008, que deu independência a Ossetia do Sul, e a da Ucrânia, em 2014, com a Crimeia trocando de soberania, serve como um prenúncio.

Na profecia de Ezequiel, Gogue só sairá da terra de Magogue para guerrear contra Israel depois de muita relutância. Tanto resistiu que Deus, ele próprio, o provocou ao confronto. A formidável aliança russa, incluindo turcos, sudaneses, líbios, etíopes e alemães, marcha então para a Terra Santa com “hábeis guerreiros”, escudos e capacetes, para punir os judeus pelo ataque aos persas.

Israel estará só na guerra, tendo perdido todos os antigos aliados. Os Estados Unidos só observam. Mas Deus vem ao socorro de seu povo. Ezequiel descreve o final:

E sucederá que, naquele dia, darei ali a Gogue um lugar de sepultura em Israel, o vale dos que passam ao oriente do mar; e pararão os que por ele passarem; e ali sepultarão a Gogue, e a toda a sua multidão, e lhe chamarão o vale da multidão de Gogue.

E a casa de Israel os enterrará durante sete meses, para purificar a terra.

(Ezequiel 39:11,12)

Veja também: Ah Jerusalém.

Link para Sinai

GOTAS DE SANGUE NO SERINGAL

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XAPURI, 27/02/1997  – Gotas de leite pingam da seringueira ferida. Até estancar vão encher três colheres de sopa – a dose diária. Em um mês de sangradouro, darão 1 quilo e 800 gramas. Cada quilo está valendo R$ 0,60, embora cotado a R$ 1,30. Com uma “estrada de 150 pés”, o seringueiro Manoel Barbosa de Brito faz R$ 13,50 por mês, na selva no fim do Brasil, quase Bolívia, a três horas de barco de Xapuri, no Acre. Seringais abandonados, cidades incham com os miseráveis ex-protetores da floresta em busca de trabalho inexistente. A herança do líder seringueiro Chico Mendes está se exaurindo, como uma seringueira seca, coberta de cicatrizes.

“Não quero flores no meu enterro, pois sei que vão arrancá-las da floresta”, pediu Chico Mendes numa palestra em São Paulo, 17 dias antes de ser assassinado por um tiro de escopeta que lhe abriu 48 perfurações no corpo. Mas flores lilases nasceram em seu túmulo. Arrancados da floresta, os seringueiros do Acre estão hoje em três ônibus a caminho de Brasília. Querem falar com o presidente Fernando Henrique Cardoso. E vão esperá-lo acampados diante do Palácio do Planalto na segunda e terça-feira.

xapuri-acre  O padroeiro de Xapuri lembra uma seringueira ferida. Da estátua de São Sebastião, no porto em que os Rios Acre e Xapuri se encontram, o sangue escorre como látex. Foi por acaso que o seringalista Antero Almeida da Silva encostou-se na estátua para lamuriar-se: “Já produzi num ano 143 toneladas de borracha, mas não ganhei nada.” Aos 57 anos, 31 no seringal, ele não ganhou nem mesmo um sucessor entre os dez filhos. “Nenhum quer ir para lá”, diz, apontando para além da confluência dos rios, onde brincam três botos-rosa. “Lá na mata, o quilo da borracha está a R$ 0,60.” Desembarcada no porto, a borracha pode valer R$ 0,80. “Só em 96 gastei R$ 2 mil com transporte de seringueiros doentes.” Para ele, “não dá para o Brasil competir com a borracha da Ásia”.

Os seringueiros da Amazônia produziram 4 mil toneladas de borracha em 96.

Outras 37 mil toneladas foram extraídas de seringais em Mato Grosso, São Paulo e Bahia. Com uma produção de 41 mil toneladas, o Brasil consome 145 mil toneladas. “E já fomos responsáveis por 100% da produção de borracha no mundo”, lembra o vice-presidente do Conselho Nacional de Seringueiros (CNS), Juarez Leitão dos Santos. A reviravolta é creditada a um inglês, Sir Henry Wickham. Em 1876, ele contrabandeou 70 mil sementes da seringueira Hevea brasiliensis, “a que dá o látex mais puro”. Levadas para a Malásia, Indonésia, Vietnã e Tailândia, hoje produzem borracha que vai custar US$ 2 o quilo, depois de beneficiada. A produção brasileira chega ao beneficiamento por três dólares.

FESTA NO SERINGAL, POR ÂNGELA GOMES

FESTA NO SERINGAL, POR ÂNGELA GOMES

“Todo mundo vem para a Amazônia saquear; ninguém para investir”, reclama Leitão dos Santos, caminhando sobre bolas de borracha defumada de uma praça dedicada aos seringueiros em Rio Branco, a 185 quilômetros de buracos e lama de Xapuri, centro da Reserva Extrativista Chico Mendes, espalhada por sete municípios, com 9.705 quilômetros quadrados. Ele ainda lembra um aspecto social muito importante: comprar da Malásia “é premiar um trabalho sob péssimas condições sociais”, enquanto “o correto seria investir nas 22 mil famílias que sobrevivem do extrativismo só no Acre”.

“Uma espingarda custava 20 quilos de borracha em 1948”, conta Leitão dos Santos. O auge da borracha passou com a Segunda Guerra Mundial. E a “degradação” veio com a borracha sintética. “Hoje não se compra uma espingarda por menos de 400 quilos”, ele acrescenta. Os soldados da borracha de um exército instituído pelo presidente Getúlio Vargas, como alternativa à convocação para a guerra, voltaram endinheirados às suas cidades, a maioria no Ceará. Restam alguns soldados aposentados em Xapuri. Vendem picolé de cupuaçu a R$ 0,10 pelas ruas. “Até o presidente Collor, trocava-se 1 quilo de borracha por 1 de carne, mas desde então viramos miseráveis”, conta Leitão dos Santos.

Alistada no exército da borracha aos 13 anos, em 1943, Lindaura Viana da Silva passou para a “reserva” em 1968. É a dona do Hotel Veneza, o único recomendável de Xapuri, com 20 quartos recendendo a mofo e várias paredes grafitadas por hóspedes, dispensando quadros. Grudada ao lado do seio esquerdo, quase à mostra, uma folha de capeba combate um tumor crescente e dolorido. Ela tem também uma receita caseira para a penúria que corrói a cidade que Chico Mendes tornou famosa mundialmente: “Não corta seringa tem que quebrar castanha.” Mas é o que fazem os seringueiros isolados na floresta. Só que ganham R$ 0,80 por lata com 18 quilos de castanha. Como a borracha, “o preço não compensa”.

seringueiro Numa palafita à margem do igarapé Riozinho, a uma hora por voadeira Rio Xapuri acima, Sebastião Diogo, de 58 anos, vai além: planta milho, arroz e banana.

“Com o seringal não dá nem para comprar sal”, rima e reclama. Por baixo da casa ciscam galinhas, patos e chafurdam leitões. A família pisa na lama descalça. E reza com vizinhos distantes, aos domingos, numa pequena capela levantada nos fundos. Padre Luiz vem num lento barco a motor. Daria um dia de viagem desde Xapuri, remando. A clareira até a floresta torna-se fechada e densa e lembra alguma obra do polonês Frans Krajberg, com árvores derrubadas e troncos calcinados.

Com R$ 13,50 por mês, o seringueiro Manoel Barbosa de Brito, de 58 anos, não poderia viver. Então, ele vai trocando, aos poucos, a borracha por arroz. A caminho do arrozal, ainda “risca” algumas “madeiras”, como diz. Faz um corte diagonal, em 1/3 da circunferência do tronco, e espera sangrar. O látex cai numa latinha que recolherá quando voltar, já anoitecendo. Tem 150 pés, numa “estrada” imaginária, sem ser contínua. Os troncos próximos mostram cicatrizes antigas. São árvores no auge da safra, entre 15 e 30 anos. Um filho de 10 anos, Marivaldo, vai junto “para aprender”. Também já está riscando. O próprio Chico Mendes às vezes o acompanhava. “Éramos muito amigos; vivo hoje, ele não permitiria que os preços caíssem a ponto de nos ameaçar.” Rio Xapuri abaixo, o seringueiro Francisco Roque, de 48 anos, também diz que “está faltando um líder como foi Chico Mendes”. E explica: “O homem sabia apertar os políticos em Brasília.” Mas ele lembra que “já houve tempos piores”, sem que lhe ocorram exemplos. Para safar-se da crise, diversificou a produção.

Tornou-se um modelo apresentado num programa nacional de tevê. No sítio que divide com o irmão e a avó de 80 anos, Judite, tem arroz, milho, banana, castanha, animais e 200 seringueiras. Planta até a palmeira aricuri para as folhas que servem de teto. E os urucuzeiros estão em flor, pontilhando a floresta de vermelho.

Roque vive num oásis dentro do caos, sob a proteção de São Sebastião, que zela em vários quadros do alpendre o mundo líquido de sangue, látex e rio caudaloso e barrento. O extremo oposto está na Sibéria, um bairro de Xapuri em que vivem Joana Batista de Oliveira e seus sete filhos – a família de Pelé, como é conhecido Antônio Marcelino Pereira, um seringueiro que fugiu da floresta para o desemprego na cidade. Ele só aparece aos sábados, vindo de biscates distantes.

“Aqui sofremos mais do que no seringal”, lamenta Joana, gêmeos de dois anos no colo. O quartinho em que dormem amontoados em redes foi dado por um compadre.

“É difícil ter comida.” Os filhos maiores não estudam nem trabalham.

“Estaríamos todos nus se não ganhássemos roupas.” E ela própria está fraquejando: “Comecei a sentir falta de ar e doidice na cabeça.” Crianças chorando, o quarto quente como sauna com o fogão a lenha queimando, ela não perde o humor: “Aqui só está faltando uma tevê.” E ri sozinha.

De Xapuri emana um humor mórbido. Ao lado do cemitério, na entrada da cidade, foi inaugurado um clube de dança batizado de Pé na Cova. Ainda há outros: Pau do Meio, Periquitão, Espoca Chato e Forró do Gavião. Baila-se a partir de quinta-feira até o domingo, todas as noites, como na época áurea do boom da borracha. “Tivemos o melhor carnaval dos últimos tempos”, dizem saudosos foliões. Prefeito há 50 dias, Júlio Barbosa de Aquino, o sucessor de Chico Mendes no Sindicato Rural de Xapuri, tem uma explicação: “Aqui tudo funciona como enfeite de boneca.”

RIO ACRE

RIO ACRE

Meus Murilos

MU(Este texto contém formatação incompatível com as limitações de um blog. Por isso, título e abertura, abaixo, foram escaneados. A partir daí, outras fontes citadas não aparecem, como no original, publicado no blog “amigosdomurilo”, criado após sua morte, em maio de 2007.)

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O tipo que marcou o nosso reencontro, na última fase da vida do Murilinho, foi o Gulliver, do holandês Gerard Unger, que também fez o Coranto, usado pelo jornal Valor. Pena que não o tenha agora para vestir este tributo. Então, vamos adiante mesmo com o Georgia, que é um dos meus preferidos atualmente.

 Havia tempo que não trabalhávamos juntos. Separamo-nos quando Mu passou para a publicidade, e eu continuei no JT/ Estadão/Eldorado, correspondente oito anos em Israel, seis em Washington e mais dois anos em Paris, então para a Época – quase 20 anos sem nos ver, falar ou escrever.

Foi o Murilo quem me tirou de Belo Horizonte, no final de 1965, para formar a equipe que fundaria o JT no começo de 1966, e também do Brasil, para o Oriente Médio, em 1977, quando o presidente egípcio Anuar Sadat visitou Jerusalém, iniciando o processo de paz com Israel, ainda hoje muito longe de ser concluído.

– Vai e espera a paz – ele me pediu.

Agora estávamos de volta ao JT para recriá-lo, sob a direção de Fernão Mesquita. Reencontrei Murilinho excitado com o trabalho, como nos primeiros tempos. Mas sua saúde estava fragilizada, desde um escorregão feio na neve, em Nova York. Quebrou uma perna. Ficou um tempo hospitalizado, até voltar a São Paulo. Já não carregava mais jornais e revistas debaixo do braço, a sua antiga marca registrada. E mancava. Saía da redação para sessões de fisioterapia. E parecia ainda mais encurvado que antes. Tomava uma cápsula dissolvida em água, e alguns outros comprimidos, mas não os apresentava nem os explicava a ninguém. Já não ria da hipocondria que costumava projetar nos amigos. Nem se vangloriava de sua terapia ortodoxa.

– O Samuel anda de farmácia em farmácia perguntando: chegou alguma novidade da Bayer? – era um de seus casos preferidos. Ele próprio tinha se revelado um hipocondríaco sofisticado ao perguntar ao “Dr. Lisboa”, na verdade apenas um jornalista: “Existe câncer no coração?” Uma vez, a bordo de seu Opala branco, todo branco por dentro, como as paredes e os sofás de sua sala na redação, atravessou a Rebouças distraído. Um carro o pegou. Perdeu a memória por quase um mês. E recomeçou a viver com muito medo da morte. Tornou-o público, em conversas com amigos.

imgres-3Mudou de assunto – não mais a morbidez que o perseguia. Quando não falava de jornalismo, contava da interminável reforma em seu apartamento. Interessava-se por qualquer obra em andamento. Queria saber de pisos, maçanetas, pias, azulejos. E dava palpites, tão informado quanto em sua outra incontestável especialidade, os aparelhos de som. Pedia-me para entrar em sites suecos, ele que ainda não sabia navegar na internet, para ficar apreciando válvulas. E se deleitava. Prometia que logo compraria um computador, só que antes queria ter certeza: Mac ou PC? Não tinha email. Ele gostava é de bilhetes em laudas, quanto mais comprometedores melhor. Colecionava-os. Uma vez me surpreendeu trazendo todos os meus pedidos de demissão, alguns amarelecidos pelo tempo.

A primeira missão que recebi no nosso reencontro foi a de descobrir qual era, afinal, aquele tipo usado no USA Today. A reforma do Murilo já estava andando quando voltei ao JT. Eu recuperava os anos de separação rapidamente. Muita coisa continuava igual. Redatores paparicados ontem, hoje desprezados. Tensão nas relações, nas reuniões e pelos corredores. Reclamações zangadas. Novo layout na redação para afastar quem tinha se tornado vizinho inconveniente da chefia. E a musa. Numa redação de Murilo havia que ter uma. Assim foi no Departamento de Pesquisa do JB. E no JT. Tudo temperado por muita fofoca, venenos inventados que criavam um clima no qual ele se sentia bem à vontade. Assédio moral? Não, isso não existia, mesmo que não o tratassem mais como um déspota, a “Rainha”, o célebre apelido que acabou ao se colorir a fase do puro branco.

Foi facílimo me desincumbir da primeira missão. Bastou um rápido telefonema para o Departamento de Arte do USA Today. “Gulliver”, respondeu quem atendeu. Nem nos apresentamos. Pus o nome do tipo no Google e cheguei a Gerard Unger, em Amsterdã. O negócio foi fechado alguns dias depois – e, se não me engano, por 25 mil dólares. Para se ter uma idéia, comprei uma fonte nova para o jornal que hoje dirijo – esta, Palatino Linotype, por apenas 90 dólares. A outra que ainda comprarei, Miller, está orçada abaixo de 500 dólares.

Que não se pense que o Murilo, ao ter o Gulliver em todos os computadores da redação, adotou-o assim, sem mais nem menos. Colocou-o em testes. Combinou inúmeras variações. Casamentos entre tipos diferentes. Encomendou centenas de provas. Queria estabelecer o espaçamento ideal entre as letras. E regras de uso. E eis que um dia, enfim, quando estávamos todos exaustos do laboratório gráfico, o Gulliver apareceu para os caros leitores do JT. O jornal se vestia de primeiro mundo numa roça que pouco ou nada o percebeu. Não houve cartas de leitores emocionados.

01Importante é que o Murilo estava contente. Agora vai, todos torcíamos. Nem mesmo o sumiço da lapiseira com que sempre desenhava a capa do jornal arrefeceu o seu ânimo. Substituiu-a por uma das comuns, amarelas, uma daquelas que a gente descobre ter sido clonada na China. Ficou de ótimo humor por alguns dias. Assobiava Mozart, e não porque estivesse morrendo de ódio, como antigamente, na primeira fase do JT. Era só ouvir Mozart, e todos saíamos de perto. Vivaldi também.

Murilo era um tipo de manias. Seria assim como a fonte Kristen, associada à instabilidade, mas também à criatividade, ao feminino, à rebeldia e à excitação, como concluiu um estudo de percepção de fontes divulgado recentemente nos principais blogs de designers nos Estados Unidos. Sempre foi também ritualista, metódico. Repetia os restaurantes de que gostava, se possível sentando na mesma mesa, atendido pelo mesmo garçom, comendo o mesmo prato. Nos primórdios do JT, era o Gigeto. Depois, o Giovani Bruno, onde nem precisava pedir.

Eu, por Murilinho.

Eu, por Murilinho.

Nessa época, ele bebia vinho, e vinho importado, para desespero dos repórteres que o acompanhavam e com quem ele dividia a conta. Para nós, bastaria um chope, ou uma caipirinha. Nos últimos tempos freqüentava o Spot. Comigo gostava de comer bacalhau no La Bourse, na Bolsa de Valores, no velho centrão, onde nos reencontrávamos as sextas-feiras, depois que ambos deixamos o JT. Quando ainda havia pregão, encontrávamos os corretores jogando numa mesa de fundo do restaurante. Ele ficava fascinado, vendo-os. Tinha muito de sua economia pessoal em jogo ali naquele prédio, movimentado talvez por aqueles jogadores.

Outra mania notável do Murilinho o levou a conhecer os expedientes dos jornais internacionais. Guardava como um tesouro a coleção completa da revista alemã Twen, do revolucionário Willy Fleckhaus, que idolatrava. Falava com desenvoltura de mudanças em redações em Nova York e Londres. Sabia das últimas do mundo editorial. Do redesenho no Financial Times, que ele aplaudiu. Do nascimento do Sun NY, pró-israelense, que achava apenas correto, “todo certinho”. (Nunca vi ninguém querer tanto ser judeu… Sabia o significado das principais festas judaicas. E perguntava quando estourava mais uma crise no Oriente Médio: “Como é que estamos?” – por nós, entenda-se, os israelenses. Pensei em escolher para este texto fontes hebraicas – Aharoni, David, Miriam, Guisha, Levenim… Mas nem todas têm caracteres ocidentais. Seria uma forma de homenagear essa faceta dele que remetia a Woody Allen.

Murilo e Mino Carta deram uma lição única ao jornalismo brasileiro com o JT. Na maioria dos jornais, até hoje, repórter e redator preenchem módulos pré-moldados pela diagramação. A realidade que se adapte aos formatos, ou se limite aos tamanhos disponíveis. No JT, não: cada página era uma. O editor a desenhava depois de ler o texto e ver as fotos, muitas vezes já tendo um título pronto. Eu aprendi a desenhar páginas como se escrevesse um texto. Mas dei muitas rabinadas, como eram chamados os meus erros. E fugia constantemente do padrão: ai já era um neilismo, em homenagem a Neil Ferreira, com quem eu almoçava às vezes num restaurante macrobiótico, no Largo do Arouche. Os dois trabalharam juntos na Folha e depois na DPZ, um com o D e o outro com o Z. Também fui rabininho, nos acertos. E rabinóia, se baixasse em mim a paranóia de que estava sendo perseguido, aliás normal em judeus.

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Mino não cultuava tanto o formalismo como o Murilo. Desenhava páginas também, e boas, mas era mais conteúdo. Sentava-se ao lado de repórteres com que topava travados em textos, pela madrugada, quando já ia embora, e ficava um pouquinho mais para socorrê-los. Um dia me pegou, procurando sem achar uma abertura, e me perguntou: “Mas qual foi a última coisa que aconteceu nesta sua matéria?” Depois, emendou: “Comece com ela…” Simples! Usei a ‘técnica’ para escrever num telex em Beirute que podia usar só por meia-hora por dia. Com uma agravante: telex não tem retorno, arrependimento. Escreveu, está escrito. Depois da primeira palavra, digita-se a segunda, então a terceira e assim até o final. Sem correções.

Murilo dava idéias ótimas de pauta, títulos certeiros e criava capas excepcionais. Mas pouco ou nada escrevia, além de legendas e olhinhos durante o fechamento. Ditava para o redator, na maioria das vezes. Na verdade, só li um texto dele, ótimo, publicado na revista Senhor: “A História das Histórias em Quadrinhos”. Vi em seu apartamento um belo piano de cauda. Também nunca o flagrei tocando. Amigos me disseram que tocava, sim, e até bem.

Os dois mestres brigaram uma noite no Gigeto, quando não trabalhavam mais juntos. Murilo levantou-se de sua mesa e foi cochichar em outra uma maldade sobre o Mino, e para – é claro! – o próprio Mino. Fofoca era irresistível para ele. Sucumbia à tentação sem medir conseqüências. Mesmo que o preço fosse alto. Acho que os dois nunca se reconciliaram. Nem na morte. Nós também brigamos uma única vez, neste reencontro no JT. Mas fizemos as pazes em seguida numa conversa no corredor, quando eu já ia embora.

Armava-se um vendaval no Grupo Estado. E nos separamos assim que ele desabou. Murilo foi o primeiro a ser abatido. Eu o vi saindo, encurvado e humilhado, e senti uma imensa tristeza. Lá ia o homem que tentava recriar o jornal de sucesso que criou décadas atrás. Partia sem volta. Para sempre. Quanta dor não terá sentido! Eu me antecipei, avisando que iria embora para dirigir o Diário do Comércio, publicado pela Associação Comercial de São Paulo. Era um novo desafio para mim. Não tinha aceitado o convite antes a pedido do Murilo. Agora sem ele, e indignado com o que lhe fizeram, era a única escolha. Mas me pediram que ficasse um pouco mais, tocando o jornal.

Murilo virou um poço de amargura. Escandalizava-se com o rumo popularesco dado ao JT, na contramão de tudo o que recomendava uma pesquisa feita ainda ao seu tempo. Numa sexta-feira de bacalhoada, que agora nos unia, paramos numa banca de jornal. Estava lá o jornal exposto. Não nos identificamos nenhum milímetro com o que vimos.

– Assim, o JT vai acabar – ele prognosticava. Mas agora eu acho que era ele, Murilo, que já estava morrendo. Suas visitas ao Diário do Comércio rareavam. Ele gostava de rever algumas das vítimas do vendaval no Estadão incorporados à minha equipe, ouvia meus impasses tipográficos sem opinar e nunca criticou o jornal, embora o recebesse toda manhã. Sumiu. Amigos comuns contavam: “ele comprou um Mac, finalmente”; “acabou a reforma infindável em seu apartamento”; “viajou para Lavras” (a sua cidade, em Minas); “o irmão morreu…”

Fui atrás do Murilo. Marcamos um bacalhau. Ele pediu: “convida a Tatiana”. Em cima da hora, nós já caminhando para o La Bourse, tocou meu celular: não estava bem, não viria. “Tudo que engulo embrulha meu estômago”. Na quinta-feira seguinte, voltou a chamar: “Não estou bem ainda. Acho que é um remédio que está me fazendo mal. Vamos tentar a próxima sexta”. E na próxima sexta eu é que liguei. Atendeu a filha, Carlota: – Papai acabou de morrer!

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A primeira capa do JT

A primeira capa do JT

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