Lembranças do Golã

Assim estava o Golã em 1968

Em 11 de março de 1982, atendi o telefone, em Tel-Aviv, e era Jânio Quadros. Ele tinha ido conversar com Muamar Kadafi, na Líbia, e na escala em Lisboa, voltando ao Brasil, um diplomata o aconselhou: “Você não pode visitar um país árabe, no Oriente Médio, e não passar por Israel”. Então, aqui estava ele.
Já conhecia o ex-presidente. Tinha sido enviado ao exílio com ele em Corumbá, no Mato Grosso. Eu, repórter; ele, punido. Agora era um reencontro: Jânio queria conhecer as colinas do Golã. E lá fomos nós no meu carro.
Duas horas de viagem, Jânio teve tempo apenas de me falar de Kadafi, antes de cair no sono. Não viu a Galiléia, quase primaveril. Nem o lago Tiberíades. Parei num café para acordá-lo porque já íamos subir para o topo do Golã ocupado por Israel na Guerra dos Seis Dias, em 1967.
Morei um tempo bem perto do Golã, no kibutz Dafna. Fins de semana, amarrava cervejas e as colocava para gelar na corredeira do rio Dan, que descia das geleiras sírio-líbano-israelenses do Monte Hermon. Subimos uns dois mil metros, até um lugarejo chamado Banias. Um córrego passava por baixo do restaurante em que sentamos. Já sem ressaca, Jânio me pareceu extasiado com a paisagem. Lá em baixo, o Mar da Galiléia, o vale do rio Jordão; no planalto, uns 30 quilômetros adiante, Damasco, a capital da Síria, estava visível.


Golã, 1968, arquivo pessoal

Um ano antes, em 1981, Israel tinha anexado o Golã, com lei aprovada no Parlamento. Um ato isolado, não reconhecido pela ONU. Mas para devolvê-lo, em troca de acordo de paz, como aconteceu com o Sinai, a maioria dos 120 deputados terá que ser a favor. Nas encostas, israelenses começaram a produzir um vinho ótimo, que muitos países jamais importaram porque originário de território ocupado. Os habitantes das colinas são drusos, muitos dos quais amigos de Israel, alguns tão amigos que servem o exército israelense. Os que não são amigos, também não são inimigos de pegar em armas, ao contrário dos palestinos na Cisjordânia e em Gaza. Um druso armado sempre me acompanhava quando arava a terra ao lado de Gaza, no kibutz Reim, no deserto do Neguev.
Levei Jânio a um posto de observação de soldados israelenses. Não havia ainda rebeldes sírios, guerrilheiros do Hezbollah e guardas iranianos que só chegaram com a guerra civil síria, agora nos estertores, depois de sete anos e quase meio milhão de mortes. Ali reinava o silêncio; o perigo era apenas uma lembrança de quando os sírios disparavam nos kibutzim israelenses na planície. Ao estudar a topografia e a distância, Jânio exclamou:
-Mas daqui, com uma passarinheira, acerto qualquer um lá embaixo!
Jânio voltou para o Brasil no dia seguinte. Hoje, 37 anos depois, o presidente Donald Trump reconheceu o direito de Israel às colinas do Golã. Um presente eleitoral para Bibi Netanyahu, que quer se reeleger mais uma vez, em 9 de abril. Outro reforço eleitoral será dado pelo presidente Bolsonaro, que visita Israel no fim deste mês. 

O terrorista sem nome

Premiê Jacinda Ardern

A primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, está dando um exemplo ao não citar o nome do atirador que massacrou 50 pessoas em duas mesquitas na cidade de Christchurch:

– Ele é um terrorista. Um criminoso. Ele é um extremista. Mas ele, enquanto falo, não será nomeado – disse Ardern num discurso no Parlamento.

O atirador não terá o que mais o mobilizou: ser conhecido, ou reconhecido, chamar a atenção.

Os dois atiradores da escola em Suzano queriam superar o ataque em Columbine há 20 anos, com 15 mortos, incluindo os dois atacantes. Aí está uma prova da influência causada pela espalhafatosa cobertura de jornais e tevês a atentados terroristas. O terror é reinventado sempre mais para conquistar atenção e ocupar espaços na mídia. O assassino neozelandês apresentou sua façanha ao vivo, online, e distribuiu os links antes de apertar o gatilho.

– Eu imploro a vocês – continuou a premiê Ardern aos membros do Parlamento: -Falem os nomes dos que morreram, no lugar do nome de quem os matou. Ele pode ter querido notoriedade, mas nós, na Nova Zelândia, não lhe daremos nada. Nem mesmo o seu nome.

Transmissão ao vivo do massacre nas mesquitas

Como a mídia deveria reagir a atentados? Não noticiá-los me parece muito difícil. É notícia. Em Utrecht, na Holanda, depois de um atirador matar três pessoas dentro de um bonde, a polícia divulgou mensagens on-line pedindo que a população ficasse em suas casas. Advertia: há um terrorista à solta. Pelo tuíte, os desdobramentos do atentado eram atualizados às centenas, a cada segundo. Não há como interromper o fluxo das notícias na internet. O Facebook levou tempo para retirar do ar a transmissão do massacre nas mesquitas.

Utrecht (foto EFE)

Os provedores neozelandeses pediram ao Facebook, Twitter e Google que participem da discussão do governo da premiê Ardern sobre como negar acesso a conteúdo criado por assassinos.

O Estado Islâmico (EI) divulgou vídeos da degola de prisioneiros e até criou uma revista de boa qualidade gráfica para manter vivo o seu esforço de recrutamento de mais jihadistas. Perdido o Califado que construía na Síria, o EI não morreu. O porta-voz dele ressurgiu agora, depois de seis meses de silêncio, para clamar por retaliação aos mortos da Nova Zelândia.

“As cenas do massacre nas duas mesquitas devem despertar aqueles que foram enganados e incitar os apoiadores do Califado a vingar por sua religião” – disse Abu Hassan al-Muhajir, num áudio de 44 minutos. Para ele, o atirador seria um prolongamento da campanha contra o EI.