Capas do impeachment

O sempre criativo Correio Braziliense inspirou-se na “carta fora do baralho” com que Dilma se equiparou. Lembrou o tempo em que os EUA tinham um “baralho” a eliminar no Iraque. Depois da bela capa que rompeu o padrão gráfico do Estadão, no domingo, a de segunda é de novo um poster. Difícil superar o próprio sucesso, day after. O Hoje em Dia agigantou o número 367, o de votos contra a presidente Dilma, que aparece com a faixa. Interessante. O Jornal de Santa Catarina fez uma bela capa, tão minimalista e com espaços brancos quanto a Gazeta do Povo no domingo. Mas ficará sherlock para muitos leitores, tão abstrata, assim à primeira vista, se antes não for lido o texto que a explica. Fala “Em Transformação”, ilustrada por um casulo. Nada mais, nem foto da sessão da Câmara ou de povo nas ruas. Ousado, sim. Mas sou de uma escola de diagramação em que visual que requer explicação textual não será bem sucedido. A Folha e o Liberal empataram na manchete de uma única palavra: IMPEACHMENT. O Notícias do Dia, de Florianópolis, usou um recurso guardado para momentos históricos: uniu capa e contracapa, com uma foto enorme.

O The New York Times e Washington Post deram manchete com Dilma, mas daquelas envergonhadas, uma coluna do lado direito, tipologia pequena. Manchetes grandes sobre o Brasil saíram em três jornais argentinos. E também no México e na Nicarágua.

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O CHEF DA PRESIDÊNCIA

O marqueteiro João Santana é um exímio chef na cozinha.

Provei de uma moqueca que ele fez. Mais que isso, eu o vi prepará-la,

VivaSenior.com.br

ensinando: “não se pode machucar os ingredientes”.
imgkid.com

Revendo o bufê servido na campanha de Dilma

Rousseff, hoje, dia de denúncia

oficial das pedaladas fiscais escondidas do

eleitorado, concluo que o chef da Presidência

machucou, e muito, os ingredientes.  Que exagerou no tempero.

E que está provocando uma indigestão nacional.

Requentei e atualizei um artigo que circulou restrito num jornal  

que não existe mais, e aqui o ofereço.

Bom apetite.

Vídeo da campanha de João Santana para Dilma

Vídeo da campanha de João Santana para Dilma: prato vazio.

A recomendação do chef João Santana, ao assumir a cozinha lá de casa, no final dos anos 80 do século passado: “Não podemos machucar os ingredientes”. Cortou uma, duas, quatro cebolas com tanta perícia que nem elas, nem nós, choramos. Picou tomates carinhosamente. Tratou os temperos com devoção. Levou o peixe ao fogo com delicadeza e até certa culpa pelo calor que o transformaria, meia hora depois, numa moqueca baiana. No final, um prato agradecido por tanto cuidado e respeito — ao que retribuiu, delicioso.

Brusco salto para 2014. Para papar a sétima eleição da série interrompida com a derrota de seu candidato no Panamá, em maio, o marqueteiro João Santana convenceu a presidente Dilma Rousseff a torturar e espancar os ingredientes que ameaçavam o primeiro turno de seu refogado predileto — a reeleição. E tome, Marina! Tome, Aécio! E tomemos, nós!

Temperou o banquete eleitoral com o terrorismo da fome ante pratos vazios, desemprego, banditismo de meninos de rua desamparados e fantasmas renascendo de um passado assombrado, numa sequência de filmes de horror publicitário nunca antes vista nestepaiz. A rival Marina foi desidratada, desconstruída e afogada em banho-maria. O rival Aécio, salpicado na blogosfera com cheiro de pó, fritado em fogo lento à manteiga Aviação, embarcada no aeroporto aberto perto de sua fazenda de Cláudio, em Minas, e servido com o consagrado molho de “privataria tucana”.

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Cena de La Grande Bouffe (A Comilança), filme franco-italiano de 1973.

Dilma? Irretocável, qual bolo de noiva! Gerentona, mãe do PAC, incorruptível, a senhora Muda Mais Brasil, poste aceso pelo companheiro ex-presidente, Dama de Ferro na administração da Petrobras, benfeitora de Cuba, protetora dos degoladores do califado islâmico em formação na Síria e Iraque, chefa de um grupo político acima de qualquer suspeita e já considerada reeleita até 2018 por clamor popular, antes mesmo da eleição.

Entre chef e marqueteiro, entre incapaz de torturar uma berinjela e comandante de um pelotão de fuzilamento de reputações, João Santana fez outras escalas na vida. Foi bicho-grilo empenhado, turista em viagens de ácido e cogumelos alucinógenos ao interior de si mesmo. Foi músico no tropicalismo dos anos 70, amigo de Caetano e Gil.

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Dilma e João Santana (www.cristianolima.com)

Chamavam-no Patinhas e ele tinha o cabelo black power. Ao jornalista Luiz Maklouf Carvalho ele se definiu como “um dos últimos socialistas românticos e um dos primeiros socialistas cibernéticos – ao mesmo tempo utópico e descrente, ao mesmo tempo sério e debochado”.

Contou também que “aprendeu hipnotismo em dez lições” e praticou “até com levitação”; e que “hoje é adepto da quiromancia”. Seu pai espiritual “é ainda” o suíço-baiano Anton Walter Smeták (1913-84), violoncelista, compositor, escritor e escultor – o guru dos tropicalistas: “Ensinou-me a virar os olhos para dentro da cabeça e o ouvido para dentro do silêncio da alma” (Época, versão Kindle, 2014).

Quando nos conhecemos morávamos perto um do outro – ele em Washington, DC, e eu em Bethesda, Maryland, ligados por metrô. Patinhas passava um ano sabático nos Estados Unidos, com a quinta ou sexta de suas mulheres, que hoje totalizam oito – e, prometido, não serão mais.

Era então um jornalista famoso no Brasil. Tinha sido dele o golpe mortal desferido contra o presidente Fernando Collor. Derrubou-o ao descobrir o motorista Francisco Eriberto Freire França, testemunha-chave no processo de impeachment: ele entregava dinheiro em pacotes do tesoureiro PC Farias em domicílios brasilienses e ainda se encarregava de providenciar bodes, galinhas “e o escambau” para rituais de magia negra na Casa da Dinda. Aquele famoso Fiat Elba da primeira-dama Rosana foi compra dele.

De diretor da sucursal de Brasília da revista IstoÉ, Patinhas promoveu-se a marqueteiro político, associando-se ao “mago” Duda Mendonça, que foi quem elegeu Lula pela primeira vez. De repórter investigativo das falcatruas de todo-poderosos passou à defesa de todo-poderosos contra a imprensa. Uma reviravolta e tanto. A mesma do carinho com hortaliças ao bombardeio impiedoso da verde Marina. De bicho-grilo a sombra da presidenta do Brasil. Marketing, para ele, é a adaptação de um produto ao gosto do consumidor, assado de chef, enquanto a publicidade cuida de vender.

Tucano de nascimento, pois que nasceu em Tucano, a cerca de 200 quilômetros de Salvador, João Santana já trabalhou para o falecido Hugo Chávez, da Venezuela, e José Eduardo dos Santos, de Angola. Ele “perdeu a sensibilidade para as questões fundamentais do Estado do Direito”, criticou-o Alberto Dines, jornalista observador da imprensa, num artigo em que lamentou a perda de ótimos repórteres investigativos para o marketing.

A ABOBADA DILMA COZINHEIRAO poder de Patinhas é imenso. Como se fosse massinha, moldou Dilma segundo sua percepção das pesquisas de opinião pública diárias que mandava fazer. Escreve os discursos mais importantes. Criou as marcas PAC; Minha Casa Minha Vida; o Brasil de Todos; o País sem Fome… Ele dá o rumo, determina a agenda e escolhe o inimigo.

Aí mora o perigo. Talvez Marina não devesse ter sido picada, refogada e queimada no fogo alto de Dilma. Talvez não devesse ter servido ao eleitorado um bufê de inverdades com salada de alho e bugalhos. O chef Santana machucou os ingredientes. Salpicou pimenta baiana ardida até na sobremesa, sonhos. E mais de 51 milhões de brasileiros estão com indigestão.