Mister Fordwagen

 

Na balsa Guarujá-Santos, a pé, Henry Ford II e a mulher estavam se empapando na forte chuva de vento que desabara de repente. O melhor refúgio, até já oferecido, seria uma Kombi. Mas o poderoso dono da Ford, que veio ao Brasil lançar o primeiro Galaxie 500, entraria na concorrente Volkswagen? Façam suas apostas…

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Mister Henry Ford II refugiou-se dentro de uma Kombi.capa1

Pouco antes, o dono da Ford Motor Company, neto do criador do Modelo-T e da primeira linha de montagem de carros do mundo, estava a pé, uma pasta em cada mão, ao lado da mulher Maria Christina Austin Ford, e acuado por um garoto que vendia laranja.

“Ô moço: leva uma aí…” – ouvia o grandalhão e rosado Ford II.

Armava-se um temporal de verão. Raios riscavam o céu. O casal Ford tinha ido ao Guarujá passar o fim de semana de sua visita de cinco dias ao Brasil, no final de janeiro de 1966, convidado de honra da festa anual do Clube Samambaia. A italiana Maria Christina, no primeiro ano de Miss Ford, brilhou no baile com um palazzo-pijama azul. Só não dançou.

“Aqui é a Saint-Tropez da América do Sul!” – ela descobriu.

Mister Ford estava no Brasil a negócios: “Nossos 233 revendedores vão vender o mais moderno automóvel fabricado na América do Sul” – anunciou ao desembarcar de seu Jet Star, em São Paulo. Era o Galaxie, a novidade do Salão do Automóvel de 1967. “… E seu preço será razoável, um pouco mais caro que o Aero-Willys e o Simca”.

Mister Ford comentou que “o carro no Brasil é caro por falta de concorrência”. E deu, por exemplo, a própria produção de mais de dez tipos só de carros-passeio: o Lincoln, Mercury, Comet, Fairlane, Galaxie, Thunderbird, Mustang, Falcon, Taunus, Cortina, Cobra e Bordinat Cobra. Para circular em São Paulo com seus convidados ele mandou trazer três Galaxies-500 do ano, dois outros de 1964 e um de 65. Mas não levou nenhum deles para o Guarujá. Sua mulher tinha descido a serra com amigos, no começo da tarde. E ele a seguiu à noite, de carona. Ficaram no prédio de 11 apartamentos de Luís e Alice Campelo, na praia das Tartarugas.

-Se seu carro quebrar no Brasil, qual outro alugaria ou compraria? – perguntou um repórter. Mister Ford ponderou: “Isso é muito difícil de acontecer… mas, se… eu pegaria um nacional, de preferência o Volks, agora muito popular nos Estados Unidos”.

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Mister Ford inspecionou as fábricas do Ipiranga e São Bernardo do Campo, com 4.088 empregados. Foi recepcionado na casa do industrial Ermelino Matarazzo e na Hípica. Agora esperava com a mulher a balsa para Santos, deixado no cais de Guarujá por seus anfitriões. Suava andando impaciente de um lado ao outro da rua. Tinha 49 anos e era dono de uma fortuna que chegaria a 200 milhões de dólares.

“Ô moço: leva uma laranja!” – o garoto perseguia Mister Ford.

Estava duas horas atrasado: no Rio o esperavam o presidente Castelo Branco e três ministros. Um Galaxie o levaria do cais de Santos para o seu Jet Star, no aeroporto de Congonhas.

A balsa atracou no Guarujá e partiu para Santos já debaixo do temporal. Mister Ford e Maria Christina, com um vestido de bolinhas pretas e rosas, correram para baixo da marquise. Mas a tempestade era de vento. Estavam encharcados, apertados no meio dos passageiros, quando o relações públicas da Ford avistou um abrigo: era uma Kombi da Breda Turismo.

Mister Ford ria muito ao passar as mãos nos vidros embaçados da Kombi. E Miss Ford reclamava de seus documentos molhados. A travessia de dez minutos já tem 37 anos.

PS.: este texto rendeu um aparelho de som num concurso da Volkswagen