Dia apocalítico

Um

Templo de Jerusalém: duas vezes destruído, no mesmo mês Av, no espaço de 656 anos.

Papa reza no que restou dos templos: o Muro das Lamentações.

Papa reza no que restou dos templos: o Muro das Lamentações.

O dia das maiores tragédias na história do povo judeu, entre o pôr do sol do sábado ao de domingo, 25 e 26/7 neste ano, e a guerra apocalítica de Gogue e Magogue contra Israel, anunciada pelo profeta Ezequiel em seu livro do Velho Testamento, estão próximos.

“Muito próximos” – há quem o diga.

Av é o quinto mês lunar do calendário judaico, o 11 do ano laico; e Tishá b’Av, 9 de Av, o dia mais triste do judaísmo — dia de jejum até de água e luto fechado, como se algum parente estivesse morto. No calendário gregoriano, a combinação forma uma surpresa extra ao lembrar os atentados aéreos contra os Estados Unidos há 14 anos: o 9/11.

Tishá b’Av é precedido por Três Semanas de pesar e lamentações pela destruição dos dois templos de Jerusalém e o exílio do povo judeu. A lamentar neste ano de 5775 (equivalente ao 2015, até 13/9, ano novo judaico) foi a conclusão do acordo entre os EUA e mais cinco potências com o Irã, porque Israel não se convenceu das boas intenções iranianas. Ao contrário: está em pé de guerra.

Adoração ao bezerro de ouro

Adoração ao bezerro de ouro

O primeiro trágico Av foi o da morte de Aarão, aos 123 anos, no alto do monte Hor, perto de Petra, na Jordânia. Ele era o irmão mais velho de Moisés. Enquanto um estava demorando a voltar com o que seria os Dez Mandamentos, o outro não proibiu que seu povo, impaciente no deserto, passasse a adorar um bezerro de ouro. Adveio o castigo divino: Deus decretou que a geração do Êxodo morreria sem pisar a Terra Prometida. E assim se fez: só seus filhos foram para Canaã.

O primeiro Templo de Jerusalém, construído pelo rei Salomão, foi destruído pelos babilônios de Nabucodonosor em Tishá b’Av do ano 586 AC.; e 656 anos depois, em 70 AC., de novo num 9 de Av, os romanos de Tito arrasaram o segundo Templo de Jerusalém, erguido por decreto de Cyrus, o rei da Pérsia.

A revolta dos judeus contra Roma foi liquidada no Tishá b’Av de 135 AC.. Seu líder Simón bar Kochba e toda uma geração de líderes religiosos, inclusive o célebre rabino Akiva, foram executados.

As calamidades continuam em Tishá b’Av:

1095: o papa Beato Urbano II proclama a Primeira Cruzada na Terra Santa;

1290: judeus expulsos da Inglaterra pelo rei Eduardo I.

1492 (2/8): judeus expulsos da Espanha pelo rei Fernando;

1555 (26/7): papa Paulo IV confina os judeus no primeiro gueto de Roma;

1914 (1/8): Alemanha declara guerra à Rússia. Começa a Primeira Guerra Mundial;

1942 (8 de Av): inauguração do campo nazista de extermínio de Treblinka; e

1994 (10 de Av): atentado terrorista mata 85 judeus na Argentina.

Só tragédias? Não. Tishá b’Av também é vivido por muitos judeus como renascimento, 3.500 anos depois de Moisés quebrar as Tábuas da Lei, com os 10 mandamentos, ao descer do Monte Sinai. São sobreviventes de ruinas e perseguições, guardiões da memória viva de um povo vítima de genocídios. Derrotados, triunfaram. Mas estão agora diante de nova ameaça. As peças da terrível profecia de Ezequiel 38-39, a Guerra de Gogue e Magogue contra Israel, vão se encaixando como ao final de um quebra-cabeças.

Gogue e Magogue

A peça agora encaixada foi o Irã. Reabilitado ao mundo pelos EUA e mais cinco potências, em 14/7, com um acordo feito para retardar a produção de sua bomba atômica, o bíblico povo persa invadiu as Três Semanas das tragédias judaicas que culminam no Tishá B’Av, iniciadas em 17 de Tamuz, o domingo 5/7, dia em que os romanos derrubaram as muralhas de Jerusalém, no ano 70 da Era Cristã, e partiram para a destruição do Segundo Templo, encerrada em 9 de Av. Nos novos tempos, a Terra teve seu primeiro encontro com o último planeta então desconhecido do sistema solar, Plutão.

São 21 dias aflitivos, conhecidos por “entre os apertos”. Os judeus ortodoxos os vivem sem se casar, ouvir música, dançar, cortar cabelo, barbear-se, viajar a turismo, vestir roupa nova, comer frutas fora de estação e envolver-se em situações perigosas. Tempo de reflexão. Mas como esquecer o maior dos perigos, o Irã?

Israel é definido como “país de uma bomba só” porque basta apenas uma, detonada em Tel-Aviv, para desaparecer do mapa. Restariam-lhe cinco submarinos nucleares que submergeriam para retaliar. Ouça o que disse o ex-presidente do Irã, Ali Akbar Hashemi Rafsanjani — e tenha a dimensão do terror em que vivem os israelenses:

“Bem-vinda uma guerra nuclear com Israel. Ela pode matar 15 milhões de pessoas, mas ainda restarão dois bilhões de muçulmanos na Terra, enquanto não haverá mais nenhum judeu onde existiu Israel”.

Apenas 1529 palavras no livro de Ezequiel, capítulos 38 e 39, anunciam e descrevem a guerra devastadora que paira sobre a Terra Santa. Já renderam milhões de outras palavras que as tentaram decifrar, em muitas línguas e em várias religiões. Volta e meia alguém as retoma para anunciar: o fim está próximo. É o que está acontecendo.

A profecia


Profeta Ezequiel

Profeta Ezequiel

38.1   Veio a mim a palavra do SENHOR, dizendo:

38.2   Filho do homem, volve o rosto contra Gogue, da terra de Magogue, príncipe de Rôs, de Meseque e Tubal; profetiza contra ele

38.3   e dize: Assim diz o SENHOR Deus: Eis que eu sou contra ti, ó Gogue, príncipe de Rôs, de Meseque e Tubal.

38.4   Far-te-ei que te volvas, porei anzóis no teu queixo e te levarei a ti e todo o teu exército, cavalos e cavaleiros, todos vestidos de armamento completo, grande multidão, com pavês e escudo, empunhando todos a espada;

38.5   persas e etíopes e Pute com eles, todos com escudo e capacete;

38.6   Gômer e todas as suas tropas; a casa de Togarma, do lado do Norte, e todas as suas tropas, muitos povos contigo.

38.7   Prepara-te, sim, dispõe-te, tu e toda a multidão do teu povo que se reuniu a ti, e serve-lhe de guarda.

38.8   Depois de muitos dias, serás visitado; no fim dos anos, virás à terra que se recuperou da espada, ao povo que se congregou dentre muitos povos sobre os montes de Israel, que sempre estavam desolados; este povo foi tirado de entre os povos, e todos eles habitarão seguramente.

38.9   Então, subirás, virás como tempestade, far-te-ás como nuvem que cobre a terra, tu, e todas as tuas tropas, e muitos povos contigo.

38.10   Assim diz o SENHOR Deus: Naquele dia, terás imaginações no teu coração e conceberás mau desígnio;

38.11   e dirás: Subirei contra a terra das aldeias sem muros, virei contra os que estão em repouso, que vivem seguros, que habitam, todos, sem muros e não têm ferrolhos nem portas;

38.12   isso a fim de tomares o despojo, arrebatares a presa e levantares a mão contra as terras desertas que se acham habitadas e contra o povo que se congregou dentre as nações, o qual tem gado e bens e habita no meio da terra.

38.13   Sabá e Dedã, e os mercadores de Társis, e todos os seus governadores rapaces te dirão: Vens tu para tomar o despojo? Ajuntaste o teu bando para arrebatar a presa, para levar a prata e o ouro, para tomar o gado e as possessões, para saquear grandes despojos?

38.14   Portanto, ó filho do homem, profetiza e dize a Gogue: Assim diz o SENHOR Deus: Acaso, naquele dia, quando o meu povo de Israel habitar seguro, não o saberás tu?

38.15   Virás, pois, do teu lugar, dos lados do Norte, tu e muitos povos contigo, montados todos a cavalo, grande multidão e poderoso exército;

38.16   e subirás contra o meu povo de Israel, como nuvem, para cobrir a terra. Nos últimos dias, hei de trazer-te contra a minha terra, para que as nações me conheçam a mim, quando eu tiver vindicado a minha santidade em ti, ó Gogue, perante elas.

38.17   Assim diz o SENHOR Deus: Não és tu aquele de quem eu disse nos dias antigos, por intermédio dos meus servos, os profetas de Israel, os quais, então, profetizaram, durante anos, que te faria vir contra eles?

38.18   Naquele dia, quando vier Gogue contra a terra de Israel, diz o SENHOR Deus, a minha indignação será mui grande.

38.19   Pois, no meu zelo, no brasume do meu furor, disse que, naquele dia, será fortemente sacudida a terra de Israel,

38.20   de tal sorte que os peixes do mar, e as aves do céu, e os animais do campo, e todos os répteis que se arrastam sobre a terra, e todos os homens que estão sobre a face da terra tremerão diante da minha presença; os montes serão deitados abaixo, os precipícios se desfarão, e todos os muros desabarão por terra.

38.21   Chamarei contra Gogue a espada em todos os meus montes, diz o SENHOR Deus; a espada de cada um se voltará contra o seu próximo.

38.22   Contenderei com ele por meio da peste e do sangue; chuva inundante, grandes pedras de saraiva, fogo e enxofre farei cair sobre ele, sobre as suas tropas e sobre os muitos povos que estiverem com ele.

38.23   Assim, eu me engrandecerei, vindicarei a minha santidade e me darei a conhecer aos olhos de muitas nações; e saberão que eu sou o SENHOR.

39.1   Tu, pois, ó filho do homem, profetiza ainda contra Gogue e dize: Assim diz o SENHOR Deus: Eis que eu sou contra ti, ó Gogue, príncipe de Rôs, de Meseque e Tubal.

39.2   Far-te-ei que te volvas e te conduzirei, far-te-ei subir dos lados do Norte e te trarei aos montes de Israel.

39.3   Tirarei o teu arco da tua mão esquerda e farei cair as tuas flechas da tua mão direita.

39.4   Nos montes de Israel, cairás, tu, e todas as tuas tropas, e os povos que estão contigo; a toda espécie de aves de rapina e aos animais do campo eu te darei, para que te devorem.

39.5   Cairás em campo aberto, porque eu falei, diz o SENHOR Deus.

39.6   Meterei fogo em Magogue e nos que habitam seguros nas terras do mar; e saberão que eu sou o SENHOR.

39.7   Farei conhecido o meu santo nome no meio do meu povo de Israel e nunca mais deixarei profanar o meu santo nome; e as nações saberão que eu sou o SENHOR, o Santo em Israel.

39.8   Eis que vem e se cumprirá, diz o SENHOR Deus; este é o dia de que tenho falado.

39.9   Os habitantes das cidades de Israel sairão e queimarão, de todo, as armas, os escudos, os paveses, os arcos, as flechas, os bastões de mão e as lanças; farão fogo com tudo isto por sete anos.

39.10   Não trarão lenha do campo, nem a cortarão dos bosques, mas com as armas acenderão fogo; saquearão aos que os saquearam e despojarão aos que os despojaram, diz o SENHOR Deus.

39.11   Naquele dia, darei ali a Gogue um lugar de sepultura em Israel, o vale dos Viajantes, ao oriente do mar; espantar-se-ão os que por ele passarem. Nele, sepultarão a Gogue e a todas as suas forças e lhe chamarão o vale das Forças de Gogue.

39.12   Durante sete meses, estará a casa de Israel a sepultá-los, para limpar a terra.

39.13   Sim, todo o povo da terra os sepultará; ser-lhes-á memorável o dia em que eu for glorificado, diz o SENHOR Deus.

39.14   Serão separados homens que, sem cessar, percorrerão a terra para sepultar os que entre os transeuntes tenham ficado nela, para a limpar; depois de sete meses, iniciarão a busca.

39.15   Ao percorrerem eles a terra, a qual atravessarão, em vendo algum deles o osso de algum homem, porá ao lado um sinal, até que os enterradores o sepultem no vale das Forças de Gogue.

39.16   Também o nome da cidade será o das Forças. Assim, limparão a terra.

39.17   Tu, pois, ó filho do homem, assim diz o SENHOR Deus: Dize às aves de toda espécie e a todos os animais do campo: Ajuntai-vos e vinde, ajuntai-vos de toda parte para o meu sacrifício, que eu oferecerei por vós, sacrifício grande nos montes de Israel; e comereis carne e bebereis sangue.

39.18   Comereis a carne dos poderosos e bebereis o sangue dos príncipes da terra, dos carneiros, dos cordeiros, dos bodes e dos novilhos, todos engordados em Basã.

39.19   Do meu sacrifício, que oferecerei por vós, comereis a gordura até vos fartardes e bebereis o sangue até vos embriagardes.

39.20   À minha mesa, vós vos fartareis de cavalos e de cavaleiros, de valentes e de todos os homens de guerra, diz o SENHOR Deus.

39.21   Manifestarei a minha glória entre as nações, e todas as nações verão o meu juízo, que eu tiver executado, e a minha mão, que sobre elas tiver descarregado.

39.22   Desse dia em diante, os da casa de Israel saberão que eu sou o SENHOR, seu Deus.

39.23   Saberão as nações que os da casa de Israel, por causa da sua iniqüidade, foram levados para o exílio, porque agiram perfidamente contra mim, e eu escondi deles o rosto, e os entreguei nas mãos de seus adversários, e todos eles caíram à espada.

39.24   Segundo a sua imundícia e as suas transgressões, assim me houve com eles e escondi deles o rosto.

39.25   Portanto, assim diz o SENHOR Deus: Agora, tornarei a mudar a sorte de Jacó e me compadecerei de toda a casa de Israel; terei zelo pelo meu santo nome.

39.26   Esquecerão a sua vergonha e toda a perfídia com que se rebelaram contra mim, quando eles habitarem seguros na sua terra, sem haver quem os espante,

39.27   quando eu tornar a trazê-los de entre os povos, e os houver ajuntado das terras de seus inimigos, e tiver vindicado neles a minha santidade perante muitas nações.

39.28   Saberão que eu sou o SENHOR, seu Deus, quando virem que eu os fiz ir para o cativeiro entre as nações, e os tornei a ajuntar para voltarem à sua terra, e que lá não deixarei a nenhum deles.

39.29   Já não esconderei deles o rosto, pois derramarei o meu Espírito sobre a casa de Israel, diz o SENHOR Deus.


mapa

Na geografia do Velho Testamento, Magog hoje seria a Rússia; Pérsia, o Irã; Meseque e Tubal, repúblicas da ex-União Soviética; Gômer, Europa do Leste e Alemanha; Togorma, Turquia; Cush, Sudão; e Pute, Líbia.

A faísca capaz de acender o apocalipse é um ataque de Israel a um aliado de Gogue — no caso, o Irã, ex-pérsia. O primeiro-ministro israelense Bibi Netanyahu o ameaça constantemente, desconfiado dos aiatolás que já armam grupos terroristas no Líbano e em Gaza em duas fronteiras de Israel. A seu favor, ele tem dois precedentes: em 1981, o premiê Menachem Beguin mandou sua força aérea destruir o reator nuclear Osirak perto de Bagdá, no Iraque — e quando ele próprio telefonou para dar a notícia a uma rádio em Tel-Aviv, o repórter desligou comentando: “Um louco ligou para dizer que bombardeamos a central nuclear de Saddam Hussein”.

Em 2007 houve outro ataque preventivo que destruiu uma usina atômica na Síria montada por norte-coreanos. Imperou o silêncio total, sírio e israelense, só rompido, quase um ano depois, com o vazamento de correspondência diplomática dos EUA pelo WikiLeaks. Curioso: Barack Obama, então senador, na época, deu o seu apoio ao direito de Israel a atacar para se defender.

Magog é introduzido no Gênesis 10:2 como neto de Noé. Seus descendentes acabaram se instalando ao “norte distante” de Israel, certamente a Rússia. As terras de Meseque e Tubal são identificadas como duas das ex-republicas soviéticas, então novamente conquistadas. A invasão da Geórgia, em 2008, que deu independência a Ossetia do Sul, e a da Ucrânia, em 2014, com a Crimeia trocando de soberania, serve como um prenúncio.

Na profecia de Ezequiel, Gogue só sairá da terra de Magogue para guerrear contra Israel depois de muita relutância. Tanto resistiu que Deus, ele próprio, o provocou ao confronto. A formidável aliança russa, incluindo turcos, sudaneses, líbios, etíopes e alemães, marcha então para a Terra Santa com “hábeis guerreiros”, escudos e capacetes, para punir os judeus pelo ataque aos persas.

Israel estará só na guerra, tendo perdido todos os antigos aliados. Os Estados Unidos só observam. Mas Deus vem ao socorro de seu povo. Ezequiel descreve o final:

E sucederá que, naquele dia, darei ali a Gogue um lugar de sepultura em Israel, o vale dos que passam ao oriente do mar; e pararão os que por ele passarem; e ali sepultarão a Gogue, e a toda a sua multidão, e lhe chamarão o vale da multidão de Gogue.

E a casa de Israel os enterrará durante sete meses, para purificar a terra.

(Ezequiel 39:11,12)

Veja também: Ah Jerusalém.

Link para Sinai

São Gaudí

E la nave va

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Da tumba na igreja da Sagrada Família, em Barcelona, o arquiteto Antoni Plàcid Gaudí i Cornet poderá passar para o altar. “São Gaudí, o arquiteto de Deus”, começou a ser promovido por um grupo de devotos que já obteve a bênção do cardeal espanhol Ricard Maria Carles para iniciar o processo de beatificação.

  Uma comissão histórica e outra teológica estão investigando a vida de Gaudí para o padre Lluis Bonet i Armengol, pároco da Sagrada Família que foi nomeado vice-postulante do processo de beatificação pelo arcebispo de Barcelona, cardeal Carles. O postulante deverá ser nomeado pelo Vaticano, se o processo, sempre longo, podendo durar décadas, for além do estágio inicial de coleta de dados.

  Gênio, louco e santificável, Gaudí é a glória de Barcelona, o “arquiteto universal catalão” e “gigante do gótico” que marcou a arquitetura do século XX. Ele está enterrado na cripta de sua última e inacabada obra, a Igreja Expiatória da Sagrada Família, visitada por 1 milhão de turistas em 1998. “Os despojos de um homem tão grande esperam aqui a ressurreição dos mortos”, diz uma inscrição na lápide, decorada com flores de plástico.

  Outra tumba na mesma cripta é a do livreiro Josep Maria Bocabella i Verdaguer, que teve a ideia de construir a Sagrada Família para protestar contra a industrialização e a perda de valores tradicionais, já em 1866. No início da guerra civil espanhola, em 1936, os soldados do general Franco a saquearam. Mas não tocaram na de Gaudí. “Não é milagroso?”, pergunta o arquiteto José Manuel Almuzara, fundador e presidente da Associação Pró-Beatificação de Gaudí.

  Uma tetraneta de Bocabella, Teresa Dalmases, continua hoje a coletar fundos para a obra da Sagrada Família, 117 anos depois de assentada sua primeira pedra. A US$ 5,40 o ingresso inteiro, com descontos para grupos e estudantes, ela arrecadou cerca de US$4,5 milhões em 1998. Nesse ritmo, a igreja estará pronta em mais 50 anos, empregando 50 operários, a maioria artesãos, e as máquinas mais modernas. Para o final de 2000 programou-se a primeira missa na igreja que passou a ser de Gaudí em 3 de novembro de 1883, ao se demitir o arquiteto da diocese, Francisco de Paula de Villar.

  Gaudí dedicou-se à Sagrada Família por 43 anos – os últimos 12 anos em tempo integral e os dois finais morando num estúdio dentro do canteiro de obras. Toda tarde, pelas 5 horas, lá ia ele a pé rezar na igreja de San Felipe Neri, ao lado da catedral, no centro de Barcelona. Era uma boa caminhada, recomendada contra recaídas de uma febre reumática que já tinha lhe tirado a infância na rua com outros meninos. Parecia um eremita, a barba branca e a roupa puída. O guarda Silverio Silvestre achou que ele fosse um mendigo ao registrar sua entrada na emergência do Hospital Santa Cruz, em 7 de junho de 1926. O condutor do bonde da linha 30 contaria mais tarde, diante de um juiz: “O velho cruzava a Gran Via na esquina de rua Bailén e voltou ao ver outro bonde na direção contrária, sendo então atropelado”. Três táxis recusaram-lhe socorro.

  “Amén Déu meu! Déu méu!” – foram as últimas palavras de Gaudí, em catalão, três dias depois do atropelamento. Não quis que o transferissem a outro hospital, ao recobrar a consciência. “Só lhe faltava, para ir direto ao céu, morrer como um pobrezinho de Cristo” – escreveu o cronista F. Folch num elogio fúnebre no Diário de Barcelona. “Arquiteto de Deus”, chamou-o um famoso liturgista da Catalunha, Manuel Trens, no jornal La Publicitat. Espalhando numa mesa várias folhas amarelecidas com fotos e textos do enterro de Gaudí, realizado na cripta da Sagrada Família “por autorização  direta do papa” (Pio XI), padre Bonet conclui: “Já o consideravam santo; nós não inventamos nada”.

  Padre Bonet, de 67 anos, constrói com muita fé a imagem de São Gaudí. E um irmão dele, Jordi Bonet, executa-lhe a obra, concretamente. É o atual arquiteto responsável pela construção da Sagrada Família. Também devoto, diz: “Para mim, Gaudí já é um santo”. Ele dá um motivo a mais para a beatificação: “A igreja precisa de santos laicos”. E o momento não poderia ser melhor, lembra padre Bonet: “O papa está promovendo beatificações e canonizações”. Os dois irmãos foram influenciados por um arquiteto muito amigo de Gaudí, Lluis Bonet i Gari, o próprio pai.

  Entre a maioria de prédios baixos e marrons de Barcelona, a herança de Gaudí atrai pelas formas inesperadas, ousadas, curvas, salientes, enfeitadas, coloridas, caprichosas e harmoniosas. Ele ensinava que “a curva é a linha de Deus”. Em seu mundo, não havia retas. “Originalidade”, dizia, “é voltar as origens”. Na origem, filho do caldeireiro Francesc Gaudí i Serra, era um menino de Reus, uma cidade industrial ao lado de Tarragona moldada sob fortes influências maçônica e nacionalista. Estudou num colégio de padres. Às vezes, em crise de febre reumática, com dor em todo o corpo, ia para a aula montado num burrico. Foi vegetariano a vida toda, por ordem médica. Tinha pendor para detalhes. Interrompeu uma professora que explicava que os pássaros voam porque têm asas para dizer que “as galinhas não voam, embora tenham asas”. A mãe, Antònia Cornet i Bertran, morreu quando ele tinha 24 anos e já estudava arquitetura em Barcelona. 

  Gaudí não teve uma vida digna de santo até 1900, aos 42 anos, quando o comparavam a São Francisco de Assis e a Gandhi, ou até 1911, ao voltar de uma estadia de cura de febre reumática nos Perineus decidido a abandonar tudo e se dedicar obsessivamente à “catedral dos pobres”, Sagrada Família. Não há um momento-chave de revelação na vida do “Arquiteto de Deus” aceito por seus biógrafos. Adorava a fama, conquistada com a construção da Casa Vicens e de edifícios para o conde Eusebi Güell, amigo e mecenas. Fumava charutos de qualidade. Tinha pavio curto e era arrogante. Vestia-se com elegância, mas só usava sapato já amaciado pelo irmão, que os novos o machucavam. Frequentava os melhores restaurantes. E nunca se provou que tenha tido uma paixão. Teria amado em segredo uma mulher, não correspondido. E um amigo que só se casou depois de sua morte levantou a suspeita de uma relação homossexual. Para os devotos, o arquiteto de linhas curvas divinas, ou sensuais, morreu casto.

  Ascético, profundo conhecedor da liturgia católica, religioso de missa e comunhão diários, aprendiz de canto gregoriano, arquiteto precursor do modernismo, pobre e humilde no final da vida, Gaudí não fez milagres. É o que lhe falta para ser elevado a São Gaudí. Uma mulher de Valência pediu-lhe que o marido ganhasse um concurso, e foi atendida. Outra, para passar numa prova na universidade, e passou. E mais uma, ainda, para se livrar de uma pedra no rim, e se diz curada. Uma doente terminal está agora pedindo por vida, e a Associação Pró-Beatificação de Gaudí a acompanha, com fé de que terá mais um relato milagroso para o padre Bonet, o vice-postulador da beatificação. A pediatra brasileira Cecilia Maria Pereira assina uma carta no último boletim O Arquiteto de Deus antecipando “um grande milagre que beneficiará milhares de pessoas enfermas em meu país e no mundo”, se Gaudí atender as suas orações.

  Nas ruelas de Barcelona, Época perguntou ao acaso se Gaudí deveria ser beatificado. Dez em dez pessoas disseram sim. Mas São Gaudí não chega a ser unanimidade. Entre artistas e intelectuais prevalece a opinião do escritor Manuel Vázquez Montálban: Gaudí é um patrimônio cultural de todos, não uma propriedade da igreja. Editorialista do jornal La Vanguardia e escritor com 28 livros publicados, José Luis de Vilallonga é mais radical: “Vou lhe dizer a verdade, Gaudí não me agrada nem um pouco, nem como arquiteto, nem como santo – um absurdo.” O historiador da Arte e diretor do Spazio Gaudí, Daniel Giralt-Miracle, ironiza a campanha pró-beatificação: “Nem eu apoio”. Mais próximo de Gaudí do que os céus, para ele, estaria Picasso. Mas para o diretor da Cátedra Gaudí na Universidade de Barcelona, Juan Bossegada Nonell, “as condições para a santificação estão aí…”

  O único artista jamais canonizado foi São Lucas. Além de pintor ele foi um dos quatro apóstolos. “O céu não precisa de arquitetos, Deus já fez tudo”, brincam com o arquiteto Almuzara. Longe de desistir, ele vai adiante, descobrindo sempre novos indícios de milagre. As conversões, por exemplo. O coreano Jun Young-Joo converteu-se do budismo no último Natal, depois de visitar a Sagrada Família. “Não é qualquer um; é o diretor da Câmara de Comércio e Indústria de Pusan, na Correia”, ele diz. Enviou-lhe um bilhete: “Através das obras de Gaudí e do toque divino que têm, me convenci da existência de Deus”. Ao arquiteto japonês Kenji Imai bastou um encontro com o próprio Gaudí, em 1926: a conversão foi instantânea.

  O outro convertido é o escultor japonês Etsuro (“homem feliz”) Sotoo. O que o atraiu na Sagrada Família, quando a visitou em julho de 1978, aos 25 anos, foram blocos virgens de pedra da Galizia. Sentiu uma irresistível vontade de esculpi-los. Com o tempo, o arquiteto Almuzara e “o convívio com a obra de Gaudí” acabaram esculpindo sua fé cristã em sua alma budista. Tão devoto, ele já pensa em casar-se de novo, com a mesma esposa, no ritual católico. Hoje ele ainda faz os anjos sem asas da “fachada do nascimento”, no lado de trás da igreja. E vai precisar de mais sete anos para acabar seu trabalho e voltar a Fukuoka, onde três grandes blocos de pedra o esperam diante do museu, armadilhas com que a prefeitura local pretende recuperá-lo.

  “Antes, tínhamos que explicar aos turistas que Gaudí não era louco, mas alguém excepcional, quase louco”, diz Sotoo, em espanhol com sotaque, uma toalha enrolada como turbante na cabeça. “Agora, vamos descobrir se ele era santo, ou ao menos alguém como Salomão e Davi – um construtor do Templo”.

 

Oração para Gaudí

 

   “Santissima Trindade, que infundiste a teu servo Antoni Gaudí,

arquiteto, um grande amor à tua Criação e um ardente afã de imitar os mistérios da infância e paixão de teu Filho;

faça que eu saiba também entregar-me a um trabalho bem feito, e digna-te a glorificar

teu servo Antoni, concedendo-me, por sua intercessão, o favor que te peço (aqui o pedido). Amém.

  Jesus, Maria e José, dê-nos a paz e protegei a família (três vezes)