
Vista de Jericó do Monte da Tentação
Jericó (setembro de 1978) – A festa foi já uma comemoração pelo nascimento de um estado palestino: “Biladi, Biladi”, cantava a multidão embandeirada com as cores verde, branca, vermelho e preta, antes proibidas por Israel. Biladi é “nosso país, nossa terra”. E a canção continuava:
“Quero dar a você, biladi, todo meu amor e meus sentimentos”.
O fundo era de tambores na cidade que Josué derrubou com trombetas de chifre de carneiro. Jericó, “Perfumado”, a mais antiga do mundo, Cidade das Palmeiras na bíblia hebraica, festejou a miragem de ser a primeira oficialmente de um futuro estado Palestino, com um dia de carnaval. Caminhões abriam espaço numa multidão delirante como se fossem trios elétricos baianos. Bandas juvenis marchavam. Recebia-se a imprensa, na entrada da praça principal, com a saudação:
“Bem-vindo ao meu país”.
A população de Jericó ficou tão feliz com a perspectiva de paz que já arranjou nada menos que cinco casas oficiais para “o presidente Yasser Arafat”. Alguns mais emocionados no conseguiram manter-se parados, mesmo dançando, e subiram e desceram com seus carros enfeitados de bandeiras e retratos de Arafat a estrada de Jerusalém. Uma façanha: ela sobe de 250 metros abaixo do nível do mar para 820 metros acima em apenas 20 minutos. Vai-se do lugar mais baixo do mundo para a maior altitude espiritual da Terra Santa, do sufoco de um oásis para o frescor do Monte das Oliveiras. Não encontraram obstáculos pelo caminho. E buzinaram muito em Jerusalém. A polícia os olhou à distância. No final do dia, israelenses contagiados içaram também suas bandeiras na cidade. E a paz de Washington se refletiu pela primeira vez realmente entre israelenses e palestinos.

Rosa de Jericó
Uma bandeira palestina já tremulava em Jerusalém desde o começo da tarde, na casa do negociador Faissal Husseini, a Oriental House. Depois foi aparecendo nos carros, e no final do dia já fazia parte do cenário. Os retratos de Arafat também se multiplicaram. Mesmo o inacreditável podia ser ontem fotografado: soldados israelenses posando diante de bandeiras palestinas. Não houve choques. A polícia até desviou o trânsito para dar passagem a uma passeata iniciada diante da Porta de Damasco, na velha Jerusalém. E de cima de um prédio em Jericó outros soldados fotografavam a alegria da multidão dançando na praça.
Nem um mero rádio de pilha foi produzido para que o povo acompanhasse o aperto de mãos entre Rabin e Arafat, transmitido ao vivo pela TV israelense. Às 5 horas em ponto, um orador subiu num palanque, e puxou o “Biladi, Biladi”. A assinatura dos primeiros acordos só ocorreu 45 minutos depois, mas ali ninguém ficou sabendo. “Todos meus sonhos estão aqui”, disse Amim Shooman.
O orador incendiava a festa com notícias quentes. Ele gritou, por exemplo, que “o presidente Arafat” ia pedir ao primeiro-ministro Rabin, na Casa Branca, a libertação de todos os prisioneiros palestinos. Depois, ele prometeu uma mensagem do próprio Arafat para dentro de uma hora. O termômetro subiu mais no oásis. Algumas vezes ele gritou anúncios tipo: “Gaza está com Arafat”. Ou “toda a Cisjordânia festeja”.

Jericó (foto: http://www.taringa.net)
O estudante Ihab Dawich, com 18Eanos, nunca viveu em Jericó sob o domínio de um país árabe, só israelense. “Estou muito feliz”, ele contou. Uma criança, pelo microfone, lembrou aos outros jovens da festa como Israel ocupou a Cisjordânia em 1967, durante a Guerra dos Seis Dias. Não havia animosidade contra Israel.
Ao ser sobrevoada por um helicóptero israelense, com fotógrafos, a multidão mostrou o V da vitória e levantou bandeiras. Só não precisava nevar. Mas os militantes do Fatah, o movimento de Arafat dentro da OLP, acharam que alguma neve faria bonito. Do alto de um prédio foram despejadas gotas de sabão que lambuzaram lentes de televisão e cabelos dos repórteres, levadas para o lado por um ventilador, e não para baixo. Em Campinas e Foz do Iguaçu, cidades irmãs de Jericó, não houve comemorações.