Entre joias de Boucheron, Van Cleef, Arpels, Buccelatti e Chaumet, o luxo do hotel Ritz, a potência do Morgan Bank e o poder do Ministério da Justiça francês, instalado na casa em que morreu o compositor Frédéric Chopin, na Place Vendôme do rei Luís XIV, do imperador Napoleão, da rainha da moda, Coco Chanel, e da princesa Diana, em Paris, o estilista brasileiro Ocimar Versolato acaba de tomar uma decisão: tirou o boné, a sua marca registrada.
“Não uso mais” — anunciou.
A cabeça nua revela um Versolato que equipara o seu sucesso na recente temporada de desfiles em Paris “ao do filme Central do Brasil”, porque em ambos “houve muita sinergia, um boom de imprensa, uma histeria total de tudo quanto é lado”. Um careca em trégua financeira, em vigor desde 1998, com a associação à Ana Luíza Pessoa de Queiroz, tataraneta do presidente Epitácio Pessoa e representante de um grupo de usineiros do Nordeste, há mais de dez anos vivendo na França.
O boné era permanente como o cigarro, sempre aceso. Fazia gênero na cabeça detalhista e obsessiva do único brasileiro jamais aceito pelo mínimo de 20 dos 24 estilistas da Câmara Sindical da Alta-Costura Parisiense. Por que o tirou? Versolato dá de ombros. Foi instintivo, como a moda que faz. Talvez uma “atitude”. Moda “é uma questão de atitude”, ele ensina. E não há griffe que vista uma atitude errada.
Da sala de costura da mãe perto do Paço Municipal de São Bernardo do Campo, na periferia de São Paulo, ao auge da alta-costura francesa, foram 25 anos. Menino, ele viu tanques avançando contra metalúrgicos em greve. Hoje ele vive num mundo de 400 metros quadrados todo branco. Seu showroom ocupa o jardim de inverno de Chopin. E também há 1.200 canhões lá fora. Estão fundidos numa coluna com a estátua de Napoleão. “Queria um endereço luxuoso em Paris, longe dos outros estilistas”. Não poderia ter encontrado melhor. Só o rival Valentino é seu vizinho, mas com loja, não a “maison”, onde as roupas são feitas. Versolato ainda mora em três salões com vista para o Grand Palais. “Meus endereços dão um bom efeito”, diz.
Manter os dois endereços e a paixão pelos três “F” de fashion (moda), food (comida) e films (filmes), dá trabalho. E ele “só vive para o trabalho”. Dorme três horas por noite, insone. Fica pensando em “tudo, tudo, tudo”. De manhã lembra uma frase do cineasta italiano Pier Paolo Pasolini: “Não sei por que o artista tem que executar a obra se só imaginá-la é tão bom!”. Versolato nem desenha as roupas sonhadas. Arma vestidos em modelos. As paredes de seu ateliê exibem dezenas de croquis, mas ele os trata com certo desprezo. Seu processo de criação requer três dimensões – o comprimento, a largura e a altura. Como um escultor, ele vai formatando o tecido, com o mínimo de pontos de costura. O resultado tem que ser confortável. E tornar a manequim mais bonita.
Com filho tão pródigo, a mãe deixou de costurar e hoje tem uma cantina italiana em São Bernardo. Versolato continuou a aprender com Marie Rucki, diretora do Cours Berçot, em Paris. Ele a viu na TV quando tinha 13 anos. E a encontrou num curso em São Paulo, dez anos depois. Ela o convenceu a continuar estudando na França. Aceitou, formou-se como o melhor aluno e acabou enviado como representante francês a um concurso de moda na Suíça. “Daí fiz estágio com Versace, trabalhei com o estilista Hervé Léger por quatro anos, montei minha própria marca e passei um ano na maison Lanvin”. Foi o primeiro brasileiro a ser contratado por uma casa de alta moda em Paris.
Versolato, com 38 anos, está agora expandindo. Já conta com 18 pontos de venda nos Estados Unidos, 12 na Europa e 30 no Brasil. Não diz o preço de suas roupas. “Já fiz vestido de US$ 50 mil e até de US$100 mil”, conta. Mas também de US$ 4 mil. Com uma calcinha na mão, explica: “Olha, este Versolato custa US$ 60”. A estratégia é diversificar mais: “Quero fazer até móveis para casa, mas com tempo, porque senão tropeço”. O seu último desfile mostrou 32 modelos com nuances de 12 tons de branco. A crítica o elogiou. Para ele, foi uma antecipação do ano 2.000. “Um mix (misto) de tudo, sob o tema geral da modernidade, a roupa ganhando mais alma, mais espiritual do que material”. Mas ninguém encomendou até agora uma roupa assim para o réveillon do milênio.
Quando fala de moda no Brasil, Versolato tem a impressão de voltar ao Paço Municipal de São Bernardo. Não cita nomes. “Fui o primeiro, espero não ser o único e não fecho a porta para ninguém em Paris”. Mas ele acha que os estilistas brasileiros estão querendo fazer sucesso, “masturbação pessoal”, e não roupa. “Roupa não é fácil, dá trabalho e requer talento”.
Ocimar e o Oscar
O vestido da noite do Oscar de Fernanda Montenegro já está definido. É um Valentino. O brasileiro da moda em Paris, Ocimar Versolato, perdeu a oportunidade porque se ofereceu tarde, na semana passada. “Fernandinha me ligou para se desculpar por não poder aceitar um vestido meu porque já estava com roupa feita”. No telefonema, os dois combinaram outro projeto: encenar Gabrielle “Coco” Chanel, com texto de Maria Adelaide. Versolato diz que vai ensinar Fernanda a fazer prova de roupa e levá-la ao quarto de Coco Chanel, mantido intacto no hotel Ritz, do outro lado da rua de seu ateliê na Place Vendôme. Ele ainda prometeu que ficará torcendo para que ela ganhe o Oscar, mesmo vestida de Valentino. “Impressionante o trabalho que fez, metade do Central do Brasil é dela”, disse. Mas explicou: “Se fosse a Sônia Braga vestindo outro que não eu, ela apanhava”. Não será surpresa para Versolato se um vestido dele aparecer na noite do Oscar. Sua griffe enviou roupas, mas ainda não sabe se alguma foi selecionada pelas atrizes.
Nota
Este texto é de 1999. Ocimar Versolato brilhava em Paris. Em 2005, de volta ao Brasil, ele abriu oito lojas de artigo de luxo que fecharam em oito meses, e lançou seu primeiro livro — Vestido em Chamas. Em 2009, criou a rede de franquias e vendas on-line Versolato Cosmetics. Hoje ele vive na Itália.