Shuaras queriam fazer a cabecinha-oca de Fujimori

Estive com os shuaras equatorianos depois que foram _bolinnha2bombardeados pelo Peru, em 1995.A vingança que juravam me espantou: iriam reduzir a cabeça de Alberto Fujimori ao tamanho de uma bola de tênis, espetada na ponta de uma lança. E não seria a primeira.

imagesBomboiza, Equador (janeiro/fevereiro 1995) — Quando falam da “pequena cabeça do presidente Alberto Fujimori”, os índios shuaras da Amazônia equatoriana não estão minimizando a sua inteligência. Estão falando em redução de cabeça mesmo, “tzantza”, que há 50 anos não praticam.

A cabeça do presidente Fujimori está ameaçada de ser reduzida a pouco mais de uma bola de tênis, e se tornar um troféu espetado numa lança, porque a aviação peruana bombardeou a nação Shuar em Shiramentsa, Banderas e Numbatkaime.

As bombas de Shiramentsa (Fátima, em espanhol) abriram três crateras sem atingir os índios. Mas os deixaram furiosos clamando por “tzantza”. Em Bomboiza, ao pé de El Cóndor, a montanha sagrada dos shuaras, o líder Nantipia falou também de “tangana”, um veneno extraído de uma planta, Pallo Fernandez, que cresce matando toda a vegetação ao redor. “Uma só gota mata de 15 a 20 pessoas”, explicou.

Os shuaras caçam com zarabatanas. Podem acertar um alvo distante até 40 metros. Mas preferem os fuzis. Um grupo de índios coletou fragmentos das bombas peruanas para tentar trocá-los por fuzis na base Centinela del Cóndor, em Gualaquiza. “Não nos deram armas”, lamentou Nantipia. “Estão em falta, disseram”. Mas ele não acreditou: “Desconfiam de nós porque estamos contra a privatização de uma mina de ouro em Bomboiza”.

No exército equatoriano há um batalhão exclusivo de shuaras desde 1981 – um prêmio pelo resgate de vários soldados desaparecidos na floresta. São os iwias, ou “diabos da selva”, os gigantescos inimigos míticos que o guerreiro Shuar deve enfrentar em sua iniciação, quando peregrina às cascatas sagradas do Cóndor e toma uma poção de ervas alucinógenas para “ver” o próprio destino.

1984

O sargento Anguacho foi um iwia que lutou em guerras passadas contra o Peru. Hoje, com “mais” de 12 filhos, “talvez uns 60 anos”, parece mais um anjo da selva. Sorri desdentado, bonachão. E se mantém uniformizado e armado com um fuzil Fall 62, esperando na porta do quartel de Gualaquiza que o mandem para a frente de batalha. “Sei o que é combate”, ele diz. “Quero me unir aos meus irmãos na floresta”.

Um repórter pergunta a Anguacho se ele se sente equatoriano ou peruano. Nem um nem outro, responde. A Amazônia não tem fronteiras para o Shuar. Mas são do Equador os papéis que os identificam. E está em território equatoriano a montanha sagrada do Cóndor, onde perambula o espírito de Arutam, o deus que toma a forma de qualquer animal. “Temos que defendê-la”. Mesmo que na outra trincheira esteja um Shuar alistado pelo exército peruano.

Os shuaras dos vizinhos em guerra se relacionam, muitos até são parentes, mas “quando se sentem de um país ou de outro, definem uma fronteira” – explica o sociólogo Jorge Trujillo, que estuda as comunidades indígenas do Equador. Para ele, na mesma situação estariam os Ianomâmis divididos entre a Venezuela e o Brasil. “O que está acontecendo é um enorme passo na política das nacionalidades indígenas em relação à nação equatoriana. Muitos críticos protestaram quando se falou em autonomia para as nações indígenas. A resposta foi direta: os índios participaram ativamente com o exército para manter as posições do Equador. Isso demonstra que a unidade é uma realidade”.

A luta entre os shuaras não chega a ser uma exceção. “O mesmo já aconteceu em guerras na Ásia e na África”, lembra Trujillo. O sargento Anguacho resume com simplicidade: “Somos como um mamão partido. Mas continuamos sendo mamão”. No Oriente Médio, os árabes do exército israelense descrevem o paradoxo assim: “Meu país está em guerra contra meu povo”.

Os shuaras que ficam na retaguarda participam da guerra preparando chifles para as tropas. As mulheres cortam bananas e batatas em finas fatias, e depois de fritá-las em separados panelões, misturam-nas com carne em pequenos pacotes de plástico – um para cada soldado. Suam ao lado do fogo no calor de 40 graus da Amazônia. E vão bebericando cuias com chicha, feita de mandioca.

shuar10-x  Em Bomboiza, o líder Nantipia repete uma denúncia que foi desmentida pelo Peru: “O exército peruano está usando nossos irmãos como bucha de canhão. São eles que vão à frente das patrulhas para detonar as minas”. O shuar Marcelino Chupi foi a Paris, no fim de semana, para participar da Segunda Assembleia da Iniciativa Indígena pela Paz, onde acusará o Peru de incentivar “a luta entre irmãos”. O prêmio Nobel da Paz de 1992, Riguberta Menchú, pediu o imediato cessar-fogo numa carta aos presidentes Sixto Ballén e Alberto Fujimori. “As primeiras e principais vítimas estão sendo os povos indígenas”, ela lamentou.

Os líderes dos 40 mil shuaras do Equador proclamaram guerra contra o presidente Fujimori, não contra os 10 mil “irmãos” do outro lado da fronteira, nem contra o povo peruano. E saíram às ruas de Quito pedindo, literalmente, a sua cabeça, para reduzi-la extraindo-lhe os ossos e recheando-a de pedras e sementes.

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