Sonhador, Sofredor, Perdedor

 

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Shimon Peres disfarçado para entrar no Marrocos para uma conversa com o Rei.

Os israelenses foram dormir com Shimon Peres eleito primeiro-ministro e acordaram com Binyamin Nethanyau vitorioso por uma diferença de menos de 1% dos votos. Era 1996. Foi a quarta e última derrota do homem que carregou o estigma de perdedor, sofredor e sonhador por toda a sua vida política. Escrevi este artigo enquanto os votos eram contados e o reproduzo sem atualizá-lo, tal qual foi publicado no Estadão.

 

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Jerusalém – O primeiro-ministro Shimon Peres “nasceu para sofrer” — concluiu o analista político Nahum Barnea, no jornal Yedioth Aharonoth, o de maior circulação em Israel. Como a confirmá-lo, ontem ele estava sofrendo. Também o chamam de “perdedor”. Para manter e reforçar a fama, hoje ele poderá perder oficialmente a quinta eleição. Ainda é um “sonhador”. Mas o futuro que ele sonhou para o Oriente Médio talvez não se realize mais.

  “O Oriente Médio está cheio de profecias e sangue”, dizia Peres, o sonhador, antes das eleições. Até previu: “Chegou o tempo em que os profetas vencerão os guerreiros”. Mas a maioria dos israelenses parece ter elegido o pragmatismo.

  Peres “já atravessou muitos sofrimentos na vida”, lembrou o secretário-geral do Partido Trabalhista, Nissim Zvilli. “Mas está bem”. Lá ia ele, encurvado, para seu Volvo blindado, em Ramat Aviv. Pouco dormira durante a noite. Viu pela TV ser aclamado o próximo primeiro-ministro das primeiras eleições diretas em Israel. Depois, inesperadamente, foi até o hospital Tel Hashomer  para um exame em um olho infeccionado. (20 anos depois, aqui ele morreu)

Saiu depois de casa para o Ministério da Defesa. Reuniu os ministros do Partido Trabalhista para lhes pedir uma abstinência total de declarações à imprensa antes que os resultados finais ficassem claros. “Estava calmo”, disse o ministro da Saúde, Ephraim Sneh.

  “Um sofredor”, como diz Barnea, porque agora ele tinha tudo para vencer. “O mundo todo o apoiava”. A lista incluía o presidente Bill Clinton, que “doou a América”. Também o presidente Yasser Arafat, que “doou as transmissões da rádio Voz da Palestina” e ainda colocou à disposição sua segurança contra atos de terror. Os árabes israelenses magoados com os recentes bombardeios no sul do Líbano compareceram em massa às urnas para lhe dar a vitória. “Depois do assassinato de Rabin e com tudo que conseguiu, ele merecia uma clara vitória”. Resta-lhe sofrer, agora, com o resultado final.

  “… Uma questão de destino pessoal”, diz no jornal Haaretz o colunista Amnon Dankner. “Peres é um sofredor de nascença e não há nada que se possa fazer”. Ele vai sempre chegar à fonte, “mas não beberá das águas do sucesso”. Como o mitológico Sísifo: rola a pedra até quase o topo da montanha só para então vê-la despencar.

  1101960610_400Endurecidos por guerras, os israelenses não compartilham dos sonhos do seu Nobel da Paz. E sua carreira política será decidida a partir de hoje pelo voto de 140 mil soldados, pacientes de hospitais, loucos, prisioneiros, diplomatas e funcionários israelenses vivendo no exterior. Por duas vezes ele chegou ao cargo de primeiro-ministro. De 1984 a 86, por um acordo de rotatividade com o Likud. Depois, como herdeiro de Yitzhak Rabin, o rival que o achava “um infatigável homem de intrigas”.

  Ao final do debate com Bibi Netanyahu, no domingo, Shimon Peres pediu aos israelenses, lembrando-se publicamente de Rabin pela primeira vez na campanha eleitoral: “O mensageiro foi morto, não a mensagem – a mensagem para criar uma paz real com segurança real e prosperidade econômica… Não deixemos perder essa mensagem”.

  No último dia de campanha eleitoral, Shimon Peres teve que cancelar todas as aparições públicas depois de receber novas ameaças de morte de radicais judeus, em telefonemas anônimos a jornais em Tel-Aviv. Mas advertiu os eleitores: “Uma coligação da direita poderá… destruir o processo de paz”.

Ps. para a foto: Camuflado, Peres entrou no Marrocos. O rei o convidou, e a seu amigo Yossi Beilin, para o esperarem para o encontro no próprio palácio. Mas o rei demorava a aparecer. Então, Peres sugeriu que dessem uma saída para verem na cidade um espetáculo de balé e voltassem. Consultaram súditos: daria tempo?  Receberam uma resposta real: que  não fossem porque haveria o perigo de que os reconhecessem.

A surpresa da noite! Enquanto Peres e Beilin esperavam, adentraram o salão os bailarinos do espetáculo que pediram para ver. “A montanha veio a Maomé”, concluíram.

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