A TRIBO PERDIDA

Casa de família falasha, na Etiópia (foto: www.mikewallach)

Casa de família falasha, na Etiópia (foto: http://www.mikewallach)

Os judeus

negros

de Israel

(Jerusalém, 22/11/1982) — Como muitos outros judeus religiosos, rezava diante do Muro das Lamentações, em Jerusalém, sexta-feira passada, preparando-se para o Shabat começando ao por do sol. A única diferença: sua cor, negra.

Não, ele não era um dos controvertidos negros norte-americanos que se converteram ao judaísmo, célebres pelos nostálgicos blues que tocam pela noite, em Dimona, no deserto do Neguev.

Miss Israel 2013, Yityish Aynaw, a Titi.

Miss Israel 2013, Yityish Aynaw, a Titi.

É um falasha. Um dos 1300 falashas que vivem em Israel, na cidade bíblica dos Sete Poços, Beersheva. Outros 28 mil falashas estão sobrevivendo à fome, à perseguição e à tortura ao redor do lago Tana, uma das duas maiores fontes do rio Nilo, ao sul de Gondar, na Etiópia. Ainda há mais 2500 falashas em campos de refugiados do Sudão, da Somália e do Djibuti.

Falasha é uma palavra de um antigo dialeto etíope, o Ge’ez, que significa exilado, ou estrangeiro. A tribo dos falashas seria a Dan, a que se perdeu de Israel. Quando descobertos, na Etiópia, em 1867, praticavam a circuncisão e observavam as principais festas judaicas.

O falasha rezando diante do muro das lamentações, em Jerusalém, não quis dizer seu nome. Ofereceu um pseudônimo, um nome comum israelense, para não por em perigo sua família vivendo na província de Gondar, na Etiópia. Para ele, não há duvida: “Somos descendentes de Menelik, o filho da rainha de Sabá e do rei Salomão. Jacó e os patriarcas eram todos negros…”

O imperador Hailé Selassié teria sido o último dos “613 Leões de Judá”, a linha imperial fundada por Menelik. Era um amigo de Israel, mas se opunha a que os falashas imigrassem de seu país, explicando:

“Todas as tribos da Etiópia são como os dedos de uma única mão. Se eu deixo partir uma tribo, será como amputar um dedo”.

Coroação da Miss Titi

Coroação da Miss Titi

Selassié foi deposto em 1975, num golpe pró-soviético. E em 1978, o novo líder etíope, Mengistu Haile Mariam, rompia relações com Israel, aproveitando a oportunidade dada pelo então chanceler Moshe Dayan ao confirmar, num discurso em Genebra, em termos genéricos, as denúncias da Somália: os israelenses estavam participando dos combates contra os eritreus, no deserto de Ogaden.

Em 1981, um estudante israelense em Toronto, no Canadá, voltaria ao assunto, explicando que Israel ajudava a Etiópia em troca da liberdade para os falashas. A ajuda envolvia o fornecimento de armas. Sua intenção era a de denunciar a política secreta desencadeada pelo governo Beguin para salvar os falashas. Ele defendia a prática de denunciar publicamente as atrocidades cometidas pelo major Melaku, o governador da província de Gondar, chamado de “o irmão de Hitler” nas associações criadas em defesa dos falashas nos Estados Unidos, no Canadá e em Israel.

-Eu não acredito em diplomacia silenciosa – diz o falasha em Jerusalém, pois meu povo está morrendo.

Os falashas foram reconhecidos como judeus, em Israel, em 1972, pelo grão-rabino Ovadia Yosef. Seis anos depois, outro grão-rabino, Shlomo Goren, o confirmou. E os dois decidiram que os descendentes da tribo perdida de Dan deveriam passar por uma cerimônia de reconversão, a que chamaram de “renovação da aliança”.

O governo israelense ficou entre os dois rabinos, decidindo, em 1975, que os falashas se beneficiariam da “lei do retorno”, como qualquer outro judeu no mundo, e uma “operação-êxodo” foi montada.

Um médico de Israel chegou a ir a Gondar, discretamente, seguido depois pela primeira esposa de Moshe Dayan, Ruth, e de um ex-ministro de Transportes. Espantaram-se ao encontrar uma sinagoga voltada para Jerusalém, vários livros em hebraico, e bíblias em Ge’ez. Os visitantes não supunham tamanha religiosidade entre os falashas.

-Um deles, vindo a Israel, tornou-se rabino – conta o falasha no Muro das Lamentações , que lembra mais um hippie dos anos 60, o cabelo ao estilo de Djavan.

hamiticunion.proboards.com

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Mulu Dese, outro falasha que veio para Israel, voltou para a tribo, em Gondar. Era “um enviado”. Prepararia os outros para a fuga, depois que a imigração legal tornou-se impossível sob o governo de Mengistu Haile Mariam. Foi preso: “agente sionista”.

As últimas notícias de Mulu Dese datam de 1975, e o caracterizam como um subversivo descuidado: reúnia líderes da tribo em sua casa para acompanhar a guerra do Yom Kippur através da rádio israelense, em hebraico.

O jornalista israelense Louis Rapoport foi uma das últimas pessoas a se encontrar com Mulu Dese, sua esposa Esther e seus três filhos.

“Ele tinha perdido toda a fé na ajuda dos israelenses e dos judeus do mundo: -eles não querem ouvir nossas advertências – protestava”.

Rapoport esteve em Gondar pouco antes que as visitas fossem oficialmente proibidas pelo governo etíope. Para ele, “falashas não sofrem um holocausto, mas as escolas da tribo foram fechadas, ocorrem muitas prisões e as torturas são “terríveis”. Para o major Melaku, eles são espiões sionistas, agentes da CIA, e inclusive os teria advertido: “ninguém virá salvar vocês, judeus sujos…”

Segundo a comunidade falasha em Israel, de três a cinco mil membros da tribo morreram nos últimos meses de fome, de doenças. E pressionando por providências israelenses, seus líderes, em Beersheba, no deserto do Neguev, fizeram greve de fome, só interrompida ao receberem garantias de que “o governo Beguin está fazendo tudo o que pode”, dadas pelo chefe do departamento de imigração da Agência Judaica, Raphael Kotlowitz.

Um falasha que andou 14 dias para fugir de Gondar, e foi resgatado por Israel, agora viaja pelo mundo, apelando por assistência à sua tribo. É conhecido por um pseudônimo, Nahum Ben-Yosef, e defende, ao contrário do governo Beguin, uma estratégia agressiva contra a Etiópia.

Nahum conseguiu colocar as associações americanas e canadense pelos judeus Etíopes em guerra aberta contra Israel. O biólogo norte-americano Graenum Berger chegou a acusar o governo israelense de racismo contra os falashas – esquecendo-se, porém, dos Etíopes e dos “black Hebrews”, os negros convertidos de Dimona.

Racismo?

-Isto não é verdade – diz o falasha, em Jerusalém, argumentando que não se sente mais um exilado, um estrangeiro, desde que chegou a Israel, há oito anos. Sente-se integrado como um israelense, fala hebraico fluente, está noivo de uma sabra e é industriário.

Uma proclamação pública seria feita em Nova York, em defesa dos falashas, mas Israel conseguiu impedi-la, alegando que ela provocaria mais repressão, em Gondar. Um funcionário do governo explicou, em Jerusalém, o paradoxo diante do qual se encontra:

-Se revelarmos os esforços que estão sendo feitos pelos falahsas ameaçamos nosso trabalho.

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