Desfile de plumas em Beirute

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O dia em que

os bersaglieri

chegaram

para a guerra

Plumas castanhas nos capacetes brancos, e lenços violetas enrolados no pescoço — Beirute nunca viu tamanho luxo militar desfilando por suas ruas já indiferentes aos vários exércitos que a ocupam. São os Bersaglieri, os soldados italianos que chegaram anteontem, mas só ontem puderam desembarcar, sob os olhares espantados dos marines norte-americanos, da legião estrangeira da França, israelenses, libaneses, sírios e palestinos.

— Vieram para um baile? – gritou um “GI” norte-americano, enquanto instalava uma caixa de comunicações perto dos silos do porto de Beirute.

De cima de um tanque, também branco, um Bersaglieri respondeu:

— Sei que isso aí é uma bomba, mas explode depois que a gente passar, bem?

Os italianos trouxeram o bom humor à Beirute, apagando mesmo o sucesso do último desfile militar, o de anteontem, feito pelo próprio exercito Libanês, saindo pela primeira vez às ruas, organizados, em grandes contingentes, depois de quase oito anos de guerra.

O coronel Mastico, camisa e bermuda brancos, olhava, com prazer, seu exército de plumas desembarcando do “Buona Speranza” e do “Caorle”, ancorados no porto de Beirute com um grande atraso.

— Este lenço violeta… É moda? — perguntou uma jornalista polaca.

— Não…é o símbolo desta nossa missão — explicou, sério, o coronel Mastico. — Cada missão tem uma cor…Você vê este botão rosa aqui? (no meio do lenço violeta, ele mostrou um botão rosa, quase invisível). É para dividir os grupos.

A jornalista polaca, entre os italianos, causou alguma sensação. E grupos de soldados pediam para fotografar-se com ela. Outros, ainda a bordo, gritavam para ela. Bombas explodiam à distância, comemorando a despedida da OLP.

ber4Um outro jornalista perguntou ao coronel Mastico se suas tropas tinham instruções especiais para capturar membros da Brigada Vermelha que foram surpreendidos em Beirute quando Israel a cercou. Ele o pegou pelo braço, levou-o um pouco para fora do grupo de imprensa e de outros oficiais, e quis saber:

— É verdade? Tem célula da brigada aí dentro — e apontou para além das trincheiras de containers, Beirute oeste. De uma janela, longe, viam-se papeis picados caindo.

— Parece que sim. Mas como os palestinos começaram a retirar-se com kefyas (o pano envolvendo parte do rosto e a cabeça), não se sabe se ainda estão aqui, ou se já partiram para o Yemen, ou para Síria…

Quando a tropa de Bersaglieris deixou o porto, percorrendo a cidade em direção ao aeroporto internacional, que se encarregará de controlar, alguns beirutenses saiam de seus carros, para vê-la. E a maioria achava engraçado.

Dentro do porto, num jipe, observando os marines com seus fuzis M-16, e um equipamento ultrassofisticado, um coronel libanês comentou:

— Estamos nos preparando para entrar em Beirute oeste. E entraremos, muito possivelmente, neste fim de semana.

Um pouco mais além, no edifício destruído da alfândega, no teto, escondido entre escombros, um soldado israelense observava por binóculo os papeis picados caindo para além dos contêineres que marcam a fronteira, neste setor. Agitado, comunicava a novidade para seu comando. E por que? “Não havia ninguém ali, há muitos dias”.

Beirute fervilhava, ontem, de calor e agitação. Diante da galeria Semaane, e na passagem do museu, formavam-se filas quilométricas de carros com mudanças sobre os tetos, a maioria aos pedaços, perfurada por balas. Eram os libaneses voltando para o setor oeste, de onde fugiram durante as várias fases da guerra.

Seguindo a coluna deste êxodo ao avesso, descobria-se um medo geral de não reencontrar a casa de pé, ou o que tinha ficado dentro. A fila não andava, congestionada desde os postos de checagem de documentos. Crianças brincavam atirando com seus revólveres de espoleta ao som das bombas, ontem mais uma vez ininterrupto. Poucos adultos falavam francês ou inglês – só o árabe. A volta às suas casas foi decidida depois que chegaram os marines, especialmente. E reforçada pela televisão libanesa, mostrando os Sírios carregando 30 caminhões com fogões, geladeiras, malas…depois, o exercito libanês garante que os protegerá de possíveis vinganças

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Tawfik, que mora perto da comiche Mazra, e que trabalhava na embaixada do Marrocos, fugiu para Aley, durante os bombardeios. Continuava vendo-os, porém a salvo, do alto das colinas que cercam a cidade.

— Não sei se tenho ainda a minha casa, nem meu emprego — ele explicou. — Volto para ver. Tendo a casa, fico.

Mais que falar, os libaneses muçulmanos que voltam têm dúvidas, como traduziu Tawfik, diante de um grupo que o rodeou, expressando-se em árabe — e fazendo surgir “café Libanês”, como o café turco é chamado em Beirute. “Bachir Gemayel vai trazer a paz para nós?” – era a principal questão.

A esperança está no ar: a Gendarmerie, parte do exército libanês, já tenta controlar o caótico trânsito de Beirute — e guardas já são vistos nos principais cruzamentos, apitando. A luz voltou à noite, nas grandes avenidas, as corniches, embora parcial. Bandeiras do Líbano surgem por toda a parte. Os israelenses desapareceram do centro, reagrupando-se pela periferia. Tratores removem escombros. Pequenos aviões pousam no aeroporto internacional. O embaixador da Arábia Saudita, general Ali Shaer, já estaria de volta, mas sem confirmação oficial. Surpresa, porém, é que os telefones estejam funcionando, entre o oeste e o leste. Até charges voltaram a ser publicadas nos jornais. No “Le Reveil”, ontem, na última página, via-se um libanês todo ferido, enfaixado, fazendo uma chamada: o soldado americano, presente, o francês, presente, e o italiano? – ele pergunta. O soldado italiano está desembarcando correndo de seu barco, atrasado. São os Bersaglieris, o luxo de ontem. Debaixo da mesa de chamada, tremendo, pequeno, vê-se um soldado sírio.

berOs sírios começam a se retirar hoje, pela galeria Semaane, em direção de Damasco — uma partida já duas vezes adiada, por motivos de segurança, os falangistas concentrando-se em pontos no caminho. Ontem, partiram 697 palestinos para o Yemen do Norte, por navio, e também 190 feridos, para Grécia, acompanhados do doutor Arafat, o irmão de Yasser Arafat.

O jornal da OLP já fechou — todos os redatores partindo para o exílio. O conselheiro de Yasser Arafat, Hani Al Hassan, também partiu anteontem, para a Tunísia. O rumor nesta misteriosa Beirute era o de que o próprio Arafat já teria ido embora, entre os 4.371 palestinos que saíram. Ele foi provocado pelo anúncio de Saeb Salam, ex-primeiro ministro que serviu de contato entre o embaixador Philip Habib e a OLP, de que os dois já tinham se despedido. Mas houve um desmentido — uma entrevista com Arafat divulgada ontem pela BBC, sem indicar data.

O tenente-coronel Robert Johnson, dos marines, protagonizou o primeiro contato formal entre os Estados Unidos e a OLP, embora ele o minimize: foi pedir para que a bombástica celebração cotidiana seja encerrada, “um contato técnico”, como o qualificou. Não o atenderam: os tiros para o ar prosseguiram durante todo o dia.

Os legionários franceses, penetrando mais em Beirute oeste, ocuparam o setor do cassino, destruído completamente. Aqui, há 60 anos, um general francês, Gouraud, proclamou a independência do grande Líbano. A independência está próxima: até o próximo dois de setembro, Beirute oeste será reunificada ao leste, e assim, aberta, deverá permanecer. Até 23 de setembro, as forças multinacionais devem se retirar. Depois, sairão também os israelenses e os sírios, que ocupam outras regiões do país. Então, o presidente Bachir Gemayel assumirá o poder, com enviado americano Philip Habib se entregando, atualmente, á tarefa de unificar as várias facções políticas num governo estável. Quem conhece muito bem o Líbano, como o correspondente de “O Estado”, Issa Goraieb, não ousa arriscar um palpite para o futuro.

— Aqui, nada é previsível — ele lamentava, deprimido com a presença de tantas forças estrangeiras em Beirute.

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