Todas as capas da presidentA

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As seis capas destacadas acima estão, a meu ver, fora da mesmice geral — embora a mesmice também possa ter sua beleza, em alguns casos. O critério para a seleção foi a criatividade, um trabalho a mais na edição em prol do eleitor — e pessoal, não sendo eu parâmetro objetivo. O gratuito Metro tem se esmerado. Poster, título curto — e só. Claro que não vai competir com os jornalões em conteúdo. Temos a intrigante capa do Super. Não sei se foi intencional, mas a manchete para o futebol NÃO VAI TER VOLTA, ao lado da chamadinha para Dilma, ficou curiosa. Criatividade em abundância, perigosa, na fronteira entre o genial e o ridículo, vai estampada no Diário de São Paulo. É uma carta manuscrita para Dilma, assinada por “eleitores”, e que termina com TCHAU, QUERIDA. Suponho que tenha sido especialmente produzida para a capa. O Correio Braziliense, pródigo em primeiras páginas premiadas, dá a impressão de que tem buscado ideias em seu baú glorioso. Abaixo da dobra, revirado, está o Temer; e acima, Dilma, ambos transformados em cartas, uma dando a ÚLTIMA CARTADA,  o outro pondo AS CARTAS EM JOGO. Está ótimo, mas, se não me engano, já vi os mesmos recursos antes no mesmo jornal. O Estado de Minas não rompeu o seu formato, como tem feito na cobertura de grandes acontecimentos, e saiu com a Dilma pedalando, numa foto super vertical, e um título curto, PEDALADAS FINAIS. O DC:, de Santa Catarina, deu por título O DIA D (seguem-se em tom rebaixado palavras corriqueiras no processo de impeachment que contenham D, grafado em vermelho, a silhueta de Dilma por cima, e o final DE DILMA, completando a frase. Abaixo temos dez jornais internacionais que deram o impeachment na capa. No The  New YorK Times está no cantinho à esquerda, no pé da página. Mas no Wall Street Journal é a foto principal. Nossos hermanos e vizinhos compareceram, como também o espanhol El Pais, interessadíssimos no futuro do Brasil.

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O sucesso do fracasso

Currículos com fracassos, e não com sucessos, estão na moda… na capital da inovação, o Vale do Silício. Será que a moda chegará ao Brasil, com 11 milhões de desempregados?

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Foto: Creative Commons

O fracasso está na moda. Foi o que aprendi lendo o boletim digital Quartz (qz.com/). O fracassado de sucesso, Johannes Haushofer, professor de psicologia em Princeton (New Jersey, EUA), postou seu “currículo de fracassos”, com os empregos que não conseguiu, prêmios que não ganhou e sua coleção de textos que foram rejeitados. Viralizou.

“Este CV de Fracassos recebeu mais atenção do que todo o meu trabalho acadêmico”, disse Haushofer.

Resolvi replicar o sucesso do fracasso para alívio de quem, entre os 11 milhões de desempregados no Brasil, eu entre eles, já enviou seus CVs em busca de vaga nas escassas ofertas de emprego anunciadas, sem jamais ter recebido resposta.

O texto do Quartz fala também do novo slogan entre os gênios do Silicon Valley: “Falhe rápido”. O conselho é dirigido a fundadores de startup que não emplacaram seus projetos. O poder do fracasso já chegou ao TED em palestras de ilustres fracassados. E lá tem tido mais chance de ser empregado quem confessa suas falhas.

Fracassados, consolai-vos. Depois da via-sacra de humilhantes rejeições virá o final feliz triunfal. Só não omitir mais no CV os erros cometidos, as demissões sofridas e os projetos desprezados.

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Foto: Creative Commons

“A maioria do que tentei, fracassou” — escreveu Haushofers na introdução de seu CV. “Mas os fracassos são invisíveis, enquanto os sucessos, não — eles aparecem”.

Decidi então incluir no meu CV:

*Não ganhei a bolsa de três meses da Nieman Foundation, em Harvard, para repensar o jornalismo, ao me candidatar em 2013.

* O Museu da Corrupção que criei, e que ganhou um Prêmio Esso de melhor contribuição à imprensa, está fechado por falta de apoio — e isso, ou talvez por isso, no país da corrupção. (www.muco.com.br)

* Ano e meio desempregado, fechado o jornal que dirigia, não recebi um único convite de emprego, mesmo já tendo feito de tudo em jornalismo, de repórter e correspondente internacional a diretor.

* Currículos enviados para preencher vagas abertas na área de comunicação na Disney, Linkedin, Reuters, Google e mais outras duas empresas “confidenciais” tiveram três respostas negativas, e nenhum retorno das demais.

* Nenhum dos amigos bem posicionados em empresas jornalísticas, que, quando eu era diretor do Diário do Comércio, enviaram-me inúmeros candidatos a emprego, alguns atendidos, considerou me convidar sequer para um cafezinho.

* Em 2015, fiz apenas um freelance como repórter. E mesmo que ele tenha rendido um prêmio pelo texto, não recebi  nenhuma nova encomenda.

Meu CV negativo pode prosseguir com muitos itens mais. O que me digo, porém, é que, com 70 anos, o mercado de trabalho deve estar fechado para mim. Esqueci-me disso quando me candidatei a cargos oferecidos a jovens ou iniciantes na carreira.

Será que meus fracassos valerão um convite?

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A manchete oculta

 

13_de_Março_de_2016Qual a manchete oculta nesta capa da Folha de S. Paulo, edição de 13/3, o domingo das manifestações “fora, Dilma” e contra a corrupção?

Respondo: é o avanço da publicidade sobre o editorial, na área mais nobre dos jornais, a sua capa.

Uma interferência, permitida já faz tempo, encobrindo a leitura da manchete e de outros destaques do dia. Bancada por um anunciante, a sobrecapa esconde metade do cardápio oferecido aos leitores com fome de notícias. Por um lado, rende dinheiro; mas, por outro, gera reclamações e cartas irritadas do leitorado.

Alguns responderão: é o retrato da separação entre igreja e estado, ou editorial e publicidade — dogma que a imprensa defende desde sempre para blindar sua independência e integridade. Redação e comercial não se misturam, ou não se misturavam. Houve tempo em que nem se falavam. Entre eles deveria haver um muro inexpugnável — redação num lado e departamento comercial, noutro — melhor ainda se em andar ou endereço diferentes.

Alguém poderá também responder, constatando: “Empate!” Metade da capa é da publicidade; e a outra, da redação. Há um outro tipo de sobrecapa, maior, que cobre mesmo o logotipo dos jornais, a sua identidade. “Esculacho, um deboche”, protestou o jornalista Alberto Dines, do Observatório da Imprensa, num antigo artigo. Temos ainda os anúncios em páginas internas que extrapolam seus formatos, antes bem comportados, e foram parar lá no alto, no cabeço, onde estão os títulos. Mas podem aparecer também no meio, inclinados, tortos, forçando o texto das notícias a contorná-los. Haja malabarismo, dos leitores e diagramadores.

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A invasão das capas e os anúncios esdrúxulos em páginas internas são a ponta de um iceberg, trincado de cima às profundezas, pronto a ruir em alguns jornais, ou já derretido em muitos outros. A essa montanha de gelo entre igreja e estado restaria apenas o que flutua à superfície. Nos EUA, já a dão por dissolvida, os seus escombros soterrando os milhares de jornalistas que perderam emprego no tsunami que matou centenas de jornais que apostaram só no impresso, desprezando o novo mundo de bits e bytes, e ainda se mantiveram isolados do departamento comercial.

No aniversário de 95 anos da Folha, em fevereiro (2016), o editor-executivo Sérgio Dávila defendeu de críticas o patrocínio da Odebrecht à festa e ao seminário que debateu “o que é fazer jornalismo no século 21”. Nem todos se sentiram confortáveis: quatro dos convidados não quiseram ter seus nomes relacionados ao patrocinador, investigado por corrupção na operação Lava Jato, e recusaram participar. Eram VIPs: Eurípedes Alcântara, então ainda diretor de Veja; Fausto Macedo, repórter de O Estado de S. Paulo; e os apresentadores William Waack e Renata Lo Prete, da Rede Globo.

Em nota oficial, a Folha de S. Paulo se explicou: “Toda relação comercial do anunciante com o jornal pressupõe independência do produto editorial em que o anúncio será veiculado, seja um caderno, um site ou um evento. Não há motivo para discriminar anunciante ou local onde o anúncio será veiculado.” A metáfora da igreja e estado foi relembrada por Dávila em entrevista à TV do próprio jornal.

A ombudsman da Folha na época, Vera Guimarães Martins, escreveu que preferia mais um seminário sem patrocinador. Mas se inevitável, que o escolhessem com cuidado. Ela lembrou aos concorrentes: “Todos os meios desenvolvem projetos viabilizados pelo dinheiro de grandes corporações. Para ficar apenas nos jornais, a satanizada Odebrecht patrocina o programa de treinamento da Folha (juntamente com a Friboi e a Philip Morris), de O Estado (em parceria com a Philip Morris) e do curso de jornalismo da Editora Abril (com a BRF e a Heineken). A mesma empreiteira patrocinou no final de janeiro um seminário de O Globo”. Concluindo: “Precisamos ou não falar aberta e honestamente sobre isso?”. Sim, precisamos.

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No site gawker.com, “a fofoca de hoje é a notícia de amanhã”, seu slogan, houve uma briga que bombou nas redações americanas, em 21 de julho de 2015, e que revela a dependência e capitulação ao indispensável anunciante:

“Faça então uma agência de publicidade”, protestou a editora Leah Finnegan ao fundador da Gawker Media, Nick Denton. “Diga abertamente aos leitores o que realmente somos!” — ela continuou. “Isso aqui não é mais lugar para jornalismo”.

Mas o que teria acontecido? Apenas isso: uma fofoca considerada grosseira fora tirada do ar, no site que se esmerava em ironizar a concorrência quando ela fazia o mesmo: deletar pecadilhos que ameaçavam virar processos milionários. No Gawker acrescentou-se uma outra justificativa: o temor da debandada de leitores e anunciantes. Os dois crescem e desaparecem juntos.

“Negócios sujos são feitos por toda parte” — reagiu Denton. “Sua atitude, sua ingenuidade, a revolta quando você descobre que é assim que o mundo funciona, não deixa de ser natural. Fizemos o que deveríamos fazer como empresa”. Ele ainda escreveu em memorando à equipe: “Nossa capacidade para financiar jornalismo independente é crítica. Se não retirássemos o post teríamos perdido, provavelmente, uma quantia de sete algarismos em anúncios”.

As reuniões no Gawker são praticamente públicas. Os presentes tuítam o que debatem, sem problemas. A fofoca tirada do ar envolvia o top executivo financeiro da poderosa editora Condé Nast (New Yorker, Vogue, GQ, Vanity Fair, Traveler, Glamour), David Geithner, flagrado com um ator gay de filmes pornográficos. O caso continha ainda lances de extorsão e fotos. Além do mais, a vítima e personagem principal ainda era irmão de um ex-secretário do Tesouro dos EUA até 2013, Timothy Geithner. Ninguém desmentiu a fofoca, bem apurada e documentada.

Até então, a muralha entre igreja e estado, na Gawker, como na China, ainda estava de pé. Os tempos mudaram.

(Quando pus o ponto final neste texto, recebi um alerta digital do NY Times. Era uma notícia sobre o Gawker, condenado por um júri na Flórida a pagar US$ 115 milhões ao lutador aposentado Hulk Hogan, 62, exposto em vídeo enquanto transava com a mulher de um amigo.)

 

Sem dinheiro, não tem jornal. A regra agora é reunir jornalistas e publicitários na busca conjunta de produtos que rendam lucro. Talvez um caderno especial para o dia das mães? Natal, dia dos namorados? Quem sabe algum artigo para um anunciante? A redação o fará e ele será publicado com a etiqueta de “informe publicitário”. Já se usa uma palavra para isso: advertorial, mescla de advertising (publicidade) e editorial. Em português está criado o eufemismo publieditorial, selo usado nos encartes de oito páginas sobre o Aedes aegypti inseridos nas revistas semanais, pagos pelo governo de SP. Nem se trata mais de experiência. No Times, a editora Trish Hall analisa artigos e projetos em gestação com potencial de atrair patrocinadores, ou agregar valor a marcas como Google, Dell, Netflix, Shell, etc..

Como diretor de um jornal por 11 anos, até 2014, muitas vezes me submeti, docilmente, aos desígnios do setor comercial. Precisava de verba. Senão ela, corte de pessoal. Nunca, porém, recebi algum pedido indecoroso. Durante a safra de balanço legal era comum, e continua sendo, as agências especializadas promoverem um leilão para chegar ao menor preço. Alguns jornais saiam da disputa ao atingirem o deadline de fechamento. Se não rodassem no horário, perderiam os voos que levariam a primeira edição para vários estados e Distrito Federal. Aí o prejuízo não compensaria o ganho.

Pelas 22 horas, ou até mais tarde, martelo batido, o jornal vencedor tinha que alterar a sua programação na gráfica e na redação para acolher uma porção de páginas inesperadas, embora bem-vindas. Quando anunciantes impunham espaços em branco nos balanços para que a redação os preenchessem com noticiário, tornando-os mais atraentes, o trabalho dobrava, fazia-se um mutirão. Valia a pena: R$ 3 milhões por ano.

Até o anúncio legal, hoje, está com os dias contados. Um ex-ministro me contou, justo num velório, que a presidente Dilma deve assinar uma autorização para que a safra dos balanços seja plantada doravante na internet, onde as empresas nada pagam pelo espaço, mas de onde os jornais não colherão lucro algum. Alguns morrerão, porque vivem apenas para eles, de safra em safra.

“Os Diários Oficiais fecharão?” – perguntei. Por eles a mudança sempre foi vetada. Agora, não mais: “Foram todos digitalizados” – respondeu o ex-ministro.

O The New York Times já passou a tratar notícia como produto — combinação de conteúdo editorial, monetização e tecnologia. A metáfora da igreja versus estado perdeu o sentido. Para o editor da página de editoriais, Andrew Rosenthal, o importante, nesta nova fase, é “a soma de julgamento bem fundamentado da redação e sensibilidade comercial”. Será que o jornal permitiria à Apple ou Samsung patrocinar uma coluna sobre smartphones ou computadores? “Eu não gostaria” — disse o editor-executivo Dean Baquet. “Não faremos nada que comprometa nossa credibilidade”.

Estrelas em ascensão no novo mercado de mídia, principalmente Vox Media e Buzzfeed, criaram seus próprios departamentos de publicidade nativa (native advertising). Produzem conteúdos sob encomenda, pagos, que se confundem com artigos e reportagens, mas com um pequeno detalhe diferenciador: trazem um selo que os identifica como anúncios. Revistas tradicionais como a Forbes, Atlantic, New Yorker e Economist também já entraram na era advertorial.

Em antigos jornais brasileiros funcionava o que ainda hoje é conhecido por Editoração. Aqui eram preparados pequenos anúncios para microempresários que não podiam recorrer a agências de publicidade. Às vezes, queriam publicar um quadradinho igual ao seu cartão de visita, apresentando-se ao mercado. Escolhiam o tamanho, ditavam os dizeres, ou deixavam um cartão como modelo, e recebiam a primeira prova já no dia seguinte. A Editoração agora cuida do tratamento de fotos, da qualidade do PDF das páginas que irão para a gráfica, de balanços legais e, raramente, monta algum anúncio fúnebre. Advertorial também é uma palavra antiga em inglês. Está no dicionário Oxford desde 1916.

Os jornais mudaram nos últimos cinco anos mais do que em 500 anos. A questão que enfrentam agora nem é se devem ou não cruzar a fronteira entre igreja e estado, mas, sim, qual a melhor forma de fazê-lo, unindo as duas pontas que, para a Folha do século 21, ainda não se encontram. Os anunciantes estão arredios. Com o advento dos adblockers, softwares gratuitos que bloqueiam anúncios pululando diante dos navegantes da net, cerca de US$ 22 bilhões em publicidade evaporaram no ano passado. Já são 200 milhões os internautas vacinados contra os anúncios on-line. Bom para eles, mas e para os sites? Alguns estão abrindo seu conteúdo só para quem permitir banners, os popups.

91Zy18In8IL._SX342_O jornal Boston Globe ganhou o prêmio Pulitzer e deu o Oscar ao filme Spotlight com a sua investigação sobre casos de pedofilia na igreja católica. Sua extensão on-line, Crux, lançada em 2014, foi fechada em 1º de abril, por não se sustentar. Ótimo produto, comprovado, mas zero em publicidade.

A revista Time derrubou o muro entre igreja e estado em 2013, sob pressão financeira. Foi a mudança mais radical da imprensa americana: sua equipe de jornalistas foi posta sob comando da área de negócios. Mais que extinguir a separação, promoveu, na verdade, um casamento. Que ambos os lados se conhecessem melhor, aprendendo como trabalham. A independência editorial se manteve, preservada. É possível? Tem sido, até agora, porque o comercial não pautou a redação nem uma vez, e nem o fará. A união produziu trocas de informações e cooperação “com honestidade”, resultando em nova postura ante o mercado anunciante.

Algumas empresas jornalísticas celebraram casais de três. Aos dois liberados da muralha que os separava, editorial e publicidade, juntou-se a área de tecnologia, fundamental nos novos tempos em que o jornal de papel tem sua obrigatória versão digital, mais site de notícias 24 horas/dia, TV e rádio on-line, twitters, noticiário para celulares, fóruns, vídeo, blogs e reportagens interativas, que usam recursos de ponta e terceira dimensão. O trio tem mais chances de sucesso do que duplas.

O perigo de pautas conjuntas com a área comercial é a abertura à influência de um anunciante ao conteúdo. Aconteceu com o inglês Daily Telegraph, que estava de rabo preso com o banco HSBC, por contrato publicitário, quando foi acusado de ter conduzido 100 mil clientes à lavanderia de dinheiro da Suíça. A cobertura omissa e tão suave levou o seu articulista político, Peter Oborne, a se demitir e a denunciar publicamente o jornal.

Um editor da revista inglesa Style, do Sunday Times, contou que há cerca de 20 anos foi chamado à sala do editor-chefe, onde o esperava uma carta do costureiro fashion Giorgio Armani reclamando não ter sido incluído numa recente cobertura de moda. A ordem que recebeu o surpreendeu. Que ele escrevesse de volta ao estilista um protesto pela sua “audácia de pretender interferir nas decisões editoriais do jornal”, fosse ou não anunciante.

No Estadão, quando nem existia departamento de publicidade, e quem quisesse anunciar que se dirigisse ao balcão de anúncios no térreo do jornal no centro de São Paulo, um amigo publicitário me procurou com uma proposta: a agência para a qual trabalhava compraria uma página inteira de classificados, que poderia ser revendida para lotar de classificados reais, contanto que, no meio dela, bem pequenino, sobrasse espaço para um só anúncio de área verde à venda, que deveria sair verde em meio a vizinhança preto e branca. Fomos juntos ao diretor da área que incluía publicidade, depois que um agente já havia rejeitado a proposta. Ele ouviu a lábia do publicitário, refletiu um momento, e então declarou, solenemente:

“Não, não podemos aceitar. É a nossa ideologia do preto e branco”.

 

***

Nota do autor: apesar de endossar a fusão das áreas editorial e comercial nas empresas jornalísticas, este artigo não tem patrocinador. Quem quiser republicá-lo, porém…

 

 

 

Capas do impeachment

O sempre criativo Correio Braziliense inspirou-se na “carta fora do baralho” com que Dilma se equiparou. Lembrou o tempo em que os EUA tinham um “baralho” a eliminar no Iraque. Depois da bela capa que rompeu o padrão gráfico do Estadão, no domingo, a de segunda é de novo um poster. Difícil superar o próprio sucesso, day after. O Hoje em Dia agigantou o número 367, o de votos contra a presidente Dilma, que aparece com a faixa. Interessante. O Jornal de Santa Catarina fez uma bela capa, tão minimalista e com espaços brancos quanto a Gazeta do Povo no domingo. Mas ficará sherlock para muitos leitores, tão abstrata, assim à primeira vista, se antes não for lido o texto que a explica. Fala “Em Transformação”, ilustrada por um casulo. Nada mais, nem foto da sessão da Câmara ou de povo nas ruas. Ousado, sim. Mas sou de uma escola de diagramação em que visual que requer explicação textual não será bem sucedido. A Folha e o Liberal empataram na manchete de uma única palavra: IMPEACHMENT. O Notícias do Dia, de Florianópolis, usou um recurso guardado para momentos históricos: uniu capa e contracapa, com uma foto enorme.

O The New York Times e Washington Post deram manchete com Dilma, mas daquelas envergonhadas, uma coluna do lado direito, tipologia pequena. Manchetes grandes sobre o Brasil saíram em três jornais argentinos. E também no México e na Nicarágua.

Jornais nacionais

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 Jornais internacionais

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A expectativa nos jornais

Parabéns, Estadão e Correio Braziliense, pelas capas que produziram hoje, a meu ver as melhores desse domingo, dia do impeachment ou não da presidente Dilma Rousseff. Aqui, também, o slideshow de outros jornais do Brasil.

 

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Antigos soviéticos, futuros cubanos

Quando da perestroika e glasnost, o Muro de Berlim derrubado, segui um grupo de soviéticos que passou uns dias na Wake Forest University, na Carolina do Norte, aprendendo a viver, negociar, empreender e administrar como capitalistas. Um declarou: “Aprendi a andar”.  Todos quiseram importar alguns yuppies para a nova Rússia. Será assim com os cubanos, se a eles for dada a mesma liberdade com que os soviéticos se tornaram russos?

 

Washington, 8/12/1989 — Um “aprendeu a andar” aos 50 anos. Outro ficou emocionado, diante de um pé de couve-flor. Alguns sentiram dores na face, de tanto sorrir aos cumprimentos. E mais um concluiu:

“Precisamos de yuppies em Moscou”.

São lembranças dos 22 administradores soviéticos que passaram três semanas na Faculdade de Administração Babcock para pós-graduados, na Wake Forest University, em Winston-Salem, na Carolina do Norte.

Alexander Kuritsin, 49 anos, professor do Instituto de Relações Exteriores de Moscou, esperou o dia em que veria desmoronar o capitalismo. “Agora é o nosso sistema que está apodrecendo” – ele comentou.

Kira Ageeva, 49, chefe da seção de viagens da Intourservice, a agência oficial de turismo da USRR, lamentou: “Uma pena que tenhamos perdido tantos anos”.

Svetlov Oleg, 32 anos, tradutor da editora Novosti, explicou que a grande diferença entre a União Soviética e os Estados Unidos é a eficiência: “Viemos aprender como fazer negócios eficientemente”.

O grupo pioneiro estudou marketing, produção, desenvolvimento, estratégia de corporação, custos e gerenciamento de sistemas de controle. Visitou uma loja de brinquedos sete vezes, até a exaustão de uma guia. Jogou futebol. Descobriu a chá gelado. Participou de um típico churrasco americano. Foi convidado a vários jantares em diversas fábricas da região de Winston-Salem. Conheceu até o Macdonald’s. E perguntou a todos os contatos que tiveram: qual é o seu salário?

“Tudo que fizemos foi novo. Aprendemos a andar” – disse Leonid Melamed, 50 anos, diretor da Balto-Teriva, uma joint venture entre companhias soviéticas, alemãs ocidentais e polonesas. O que mais o impressionou foram as liquidações e descontos promovidos pelas lojas que visitou. Ele voltou à União Soviética com 15 possibilidades de negócios com empresas norte-americanas.

teste1 005    O professor J. Kendall Middaugh, 40, não transformou os 22 comunistas em capitalistas. Nem tentou. Dirigir o programa, para ele, acabou se tornando um gratificante trabalho de tempo integral. “Só acho que tivemos muito pouco tempo, um mês e meio, para preparar tudo” – lembra. “Gostaria de ter tido três meses”.

Middaugh promete que até o final de 1990 já estará falando um pouco de russo. Ele acabou de voltar de sua segunda viagem à União Soviética, onde reencontrou vários dos estudantes que participaram do programa na faculdade Babcock, entre 15 de setembro a 6 de outubro. Uma garrafa de champanha russa em seu carro antecipa uma comemoração.

-Como nasceu o programa?

Middaugh: A ideia original foi de uma empresária aqui da cidade, Suzanne Stafford, que vinha mantendo contatos com a União Soviética. Ela procurou o nosso decano, Robert Shively, na primavera de 1988, e disse que tínhamos uma chance de promover um curso de administração para administradores soviéticos. Falou das novas leis soviéticas que permitem joint ventures, da abertura em geral, da perestroika. Um professor da Babcock, Jim Clapper, foi lá fazer contatos iniciais. Então, em janeiro de 89, recebemos três soviéticos de três diferentes organizações – a Union Economic Society, que congrega 600 mil administradores; o Instituto dos Estados Unidos e Canadá, da Academia de Ciências da União Soviética; e a Inforcom, que é uma cooperativa mista, parcialmente dirigida pelo estado, e que opera na área de informações.

-Esta senhora Stafford tinha algum objetivo específico ao sugerir o convênio?

Middaugh: Um de nossos objetivos, como uma Faculdade de Administração, é o de promover seminários para executivos. Stafford pensou, originalmente, que esta seria, talvez, uma maneira de alguém abrir uma brecha no mercado soviético. Uma segunda intenção foi a de fazer algum dinheiro. Mas a segunda parte não deu resultado. Os soviéticos não têm muito acesso à moeda convertível. Então, fizemos um negócio na base de trocas.

-Os soviéticos pagaram algo?

Middaugh: Eles pagaram dentro de seu próprio pais para as instituições anfitriãs, como a Inforcom, ou o Instituto dos Estados Unidos e Canadá. Em troca, mandaremos nossos estudantes à União Soviética por um curto período de tempo. Eles vão estudar a política comercial soviética. Conhecerão a estrutura ministerial e social do país. E participarão também de atividades culturais.

-Este é o único programa de intercâmbio universitário com a União Soviética que existe nos Estados Unidos?

Middaugh: Neste momento há varias outras instituições que estão começando. Acho que a Universidade George Washington vai inaugurar um programa para jovens estudantes, no próximo outono. O nosso seminário foi preparado para administradores seniores. Alguns deles controlam 400 a 500 fábricas. São pessoes que estabelecem politicas comerciais e de produção para um grande grupo de indústrias de construção.

-O que eles vieram aprender aqui?

Middaugh: Foi, realmente, um programa geral de administração. Um pouco de contabilidade, organização, marketing e gerência de produção. Eles vieram de um outro sistema. Queriam aprender, basicamente, algumas praticas que pudessem levar para casa. Mostraram-se muito interessados em aprender como estimular um melhor desempenho entre operários. E em como colocamos nossos produtos no mercado. Aplicaram-se muito nas aulas de estratégia e marketing. Quiseram saber o que é atraente para empresas norte-americanas e ocidentais. Um item importante na agenda que trouxeram foi fazer contatos iniciais que possam render negócios conjuntos.

-E o que os surpreendeu mais?

Middaugh: E’ curioso… Sorriam o tempo todo. E repetiam: “inacreditável”. O líder da delegação disse que quando cruzava o campus, aqui em Wake Forest, ficava com a face doendo de sorrir tanto. Todos lhe sorriam, e o cumprimentavam: como vai? Surpreenderam-se, também, com o número fantástico de oportunidades para tudo que se quer fazer, e com a seleção de produtos a comprar. Estive na União Soviética duas vezes. Não posso dizer que eles sejam extraordinariamente restritivos, mas viajar… É preciso planejar com antecedência: você não pode ir ao aeroporto e embarcar. O avião talvez esteja lotado. Acho que o que mais surpreendeu o grupo soviético foram a vontade de trabalhar duro e a dedicação que constataram entre os administradores americanos. Muitos mencionaram isso.

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-Eles ficaram aqui no campus?

Middaugh: Eles ficaram no hotel Marriott Residence Inn, em Winston-Salem. Cada um teve um apartamento. Gostaram muito das acomodações. Disseram que eram majestosas. Não há nada assim na União Soviética. Impressionaram-se também com os tamanhos de casas que visitaram. Sempre perguntavam: quantos moram aqui? Espantavam-se que fossem para apenas uma família.

-Você acredita que eles poderão transferir o que aprenderam em Wake Forest para outros administradores soviéticos?

Middaugh: Sim. Voltei agora de uma viagem à União Soviética. Reencontrei dez dos participantes do curso. Eles me disseram que os resultados aparecerão a longo prazo. Um tinha acabado de fechar um negócio com uma empresa canadense…

-Este primeiro programa para administradores soviéticos só foi possível por causa da abertura na União Soviética?

Middaugh: Não creio que sem alguém visionário como Gorbachev teríamos este rápido progresso nas reformas. Mas os soviéticos estão com a economia em frangalhos. Eles têm que fazer alguma coisa. O mundo capitalista não está brandindo o dedo contra eles, e dizendo: “nós os avisamos há muito tempo que seu sistema não funcionava”. Ao contrário, estamos tentando… Estamos preocupados com três aspectos administrativos, não importa o sistema, se capitalista ou comunista, nem a finalidade, se e’ a de obter ou não lucros: minimizar custos, maximizar a eficiência e motivar pessoal para obter uma maior produtividade. Eles podem traduzir isso para a sua economia, e aprender algumas maneiras de reagir mais rápido. Não vão se tornar capitalistas. Eu não espero isso.

— Mas os soviéticos não têm a infraestrutura daqui dos Estados Unidos… Lembro que um deles comentou a um jornal, espantado, que até as pequenas lojas americanas usam computador.

Middaugh: A primeira preocupação dos soviéticos deve ser a de tornar a sua moeda, o rublo, convertível. Enquanto isso não acontecer, não terão grande uso para computadores. O nível de informatização na União Soviética é muito menor do que na maioria dos países ocidentais. A maior preocupação não é com a tecnologia, mas com a realização de bons negócios. O Comitê Central diz o que precisam produzir, e eles produzem. Você não liga para a qualidade, nem custos. A maior preocupação e’ a de como fazer. Depois, não podem vender: os compradores não querem produtos de baixa qualidade. Os soviéticos precisam encontrar um outro meio de lidar com as questões sociais, com a distribuição de bens dentro do pais.

-Do contrário, como poderão exportar?

Middaugh: Sim. Daí eu ter insistido muito, quando os reencontrei: eles devem melhorar a qualidade do que fazem. Qualidade é o fator número 1 de sucesso no mundo. Se quiserem competir no mercado mundial, terão que preocupar-se mais com a qualidade.

-A perestroika vai dar certo?

Middaugh: Eles estão seguindo a direção certa. Estão se voltando para o sistema capitalista. Eu não vejo os benefícios que o socialismo prometia há muitos anos. Ninguém morre de fome. Todos tem, pelo menos, um nível mínimo de renda. O conhecimento intelectual não é distribuído uniformemente entre a população. O mesmo posso dizer sobre as atitudes de trabalho. Algumas pessoas simplesmente não trabalham duro. Outras, sim. Acho que cada um deve ganhar o que vale. As reformas são muito positivas, a meu ver, mas, ao mesmo tempo, a gente lê diariamente, nos jornais, que há inúmeros problemas. Visitei a Geórgia, onde havia manifestações todos os dias. É uma república da USRR que quer se tornar econômica e politicamente independente de Moscou. Alguns anos atrás, seria impensável promover uma manifestação desse tipo. As reformas econômicas precisam da glasnost.

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-Fala-se que os Estados Unidos torcem pelo sucesso da perestroika. Você acha que Bush vai ajudar Gorbachev?

Middaugh: Acho que é do nosso maior interesse. À medida em que fizermos o mundo se tornar um lugar mais seguro, poderemos distribuir nossos investimentos em defesa para benefícios sociais. O dinheiro gasto em defesa pode simplesmente ser desviado para programas sociais. Também acredito, de um ponto de vista menos benevolente, que a União Soviética é um grande mercado em potencial. O terceiro maior país em população do mundo. Os soviéticos têm muito dinheiro para gastar. O problema é que são rublos, não convertíveis. Os soviéticos estão sentados sobre muito muito dinheiro, e não encontram nada para comprar. Algumas firmas americanas estão se dando muito bem, como a Pepsi, em particular. E a cadeia MacDonalds esta’ agora abrindo um restaurante em Moscou. Acho um bom negócio.

-O que e’ preciso, agora, para estimular os negócios entre o ocidente e a União Soviética? Uma moeda convertível?

Middaugh: O rublo é um dos problemas. Mas para encorajar, realmente, uma escalada de investimentos do ocidente, uma porção de coisas deve ser feita. Para mim, há dois grandes obstáculos a serem superados – um comportamental, outro monetário. Os soviéticos têm que convencer o resto do mundo de que as reformas econômicas estão aí para sempre, e que não haverá um retrocesso, como vimos na China. Os empresários norte-americanos estão esperando ver o que acontecerá depois que Gorbachev fizer todas as reformas. Será derrotado nas próximas eleições? O sucessor seguirá a mesma linha? Só com as respostas é que os empresários ocidentais deverão entrar nos negócios para valer com os soviéticos.

-Quer dizer que há um certo medo de investir em Gorbachev?

Middaugh: Por enquanto, todos investem na plataforma econômica de Gorbachev. As companhias que foram e vão para a União Soviética estão aceitando um risco calculado. Sou conservador por natureza. Se estivesse tomando decisões de investimento, neste momento, teria o cuidado de me assegurar de que não perderia muito dinheiro. Teria muita relutância em ir lá construir um hotel, colocar meu nome nele, e então descobrir, em cinco anos, que a reforma econômica fracassou e que meus bens serão nacionalizados. Algumas companhias fazem isso. Correm o risco.

-E o problema monetário?

Middaugh: Este é o outro risco – moeda não convertível. As empresas que fazem negócios na União Soviética devem, hoje, ter uma terceira parte, para receber o pagamento em produtos. A Pepsi, por exemplo, recebe uma parte do que ganha em vodca. Um bom negócio. Ela revende a vodca. Mas deve existir um mercado para pepsi-cola na USRR muito maior do que o de vodca nos EUA.

-Quem sabe, então, o pagamento possa ser feito também com caviar?

Middaugh (rindo): Sim, podem incluir algum caviar. De fato, a preocupação dos soviéticos, neste momento, é o de que não há vodca nem caviar para o consumo interno. Tudo está sendo consumido nas trocas.

-Os países em desenvolvimento devem temer esta abertura mundial para a União Soviética e a Europa oriental? Você vê algum risco, a longo prazo?

Middaugh: Um risco razoável (…) Acho que há uma oportunidade para a União Soviética explorar sua energia barata, sua forca de trabalho relativamente barata, e o baixo custo de suas matérias-primas, e promover negócios com o mundo ocidental. Se os soviéticos forem espertos, farão isso.

-O fluxo de empréstimos e de ajuda econômica poderá também ser desviado dos países em desenvolvimento para os do leste europeu?

Middaugh: Este é um verdadeiro temor. Se levarmos em conta que há uma quantia limitada de fundos disponíveis para apoio econômico mundial, eu ficaria preocupado se estivesse num país do terceiro mundo, neste momento. Um aspecto positivo, ideológico, é que o mundo se tornará um lugar muito mais seguro. Provavelmente veremos, com o movimento de reformas e os resultados do encontro entre os presidentes Bush e Gorbachev, duas coisas: ajuda econômica direta para os países do bloco oriental, e o provável redirecionamento do dinheiro canalizado para a indústria de defesa. Um outro aspecto da realidade política é o de que enquanto damos ajuda poderemos estar prolongando o movimento reformista, diminuindo as chances de um retrocesso. Queremos que eles vençam.

– Vocês tomaram a iniciativa de só receber soviéticos, ou a faculdade está aberta a qualquer outros administradores do bloco comunista?

Middaugh: Por enquanto, nossas relações são com instituições na União Soviética. É possível, a longo prazo, se nosso programa for um sucesso, que possamos abri-lo para o bloco oriental. As instituições com as quais fizemos acordo servem às suas comunidades, e não aos países do leste Europeu. Algumas têm programas para o bloco oriental. Mas nós não estamos envolvidos aí.

-Não é o caso, então, de transformar um comunista num yuppie?51PF+CxkNLL

Middaugh: Não, não é isso. A parte acadêmica do programa prevê duas coisas. Uma delas, a ampliação do conhecimento sobre práticas que deram resultados na administração de firmas americanas ou ocidentais. Esperamos que os soviéticos possam partir daí, adaptando às suas necessidades o que aprenderam. A outra, maior compreensão das práticas ocidentais. Isso é importante, porque muitos dos que vieram aqui representam firmas que poderão se envolver com empresas do ocidente. Eles tem que entender quais são nossas preocupações, que tipos de questões vamos perguntar, que queremos dizer com canais de distribuição… Eles começam a entender a terminologia. O que precisamos saber para ficarmos seguros de que teremos um bom negócio. Lucro é um conceito estranho para eles. Um amigo, um excelente professor de contabilidade, gastou duas aulas explicando o que é renda, bônus para empregados, ou planos de participação de empregados. Estavam muito interessados em uma porção de coisas assim.

-Por que um deles declarou: “nós precisamos de yuppies?”

Middaugh: Quem disse isso foi o mais jovem entre todos, um yuppie em potencial. Ele é um pesquisador no Instituto dos Estados Unidos e Canadá, e não um administrador. Ele foi convidado a fazer uma palestra para a comunidade de negócios de Winston Salem. Ele falou sobre o impulso que jovens pós-graduados têm em relação ao seu trabalho e à sua carreira. Nós lhe contamos sobre os jovens urbanos profissionais, e explicamos o conceito de yuppies. O que precisamos, ele então concluiu, é criar este tipo de atitude na União Soviética. Ele realçou os valores positivos do yuppie. A frase é interessante, mas não pode ser tirada fora do contexto. Esta foi uma das coisas que mais os impressionaram: a dedicação e o envolvimento que as pessoas põem em suas carreiras. Na União Soviética um trabalho é um trabalho é um trabalho. Você trabalha algumas horas, e recebe. Mas agora está surgindo um novo profissionalismo por lá. Trabalham duro. E lucram. Penso que querem que esta atitude seja mais generalizada na União Soviética. Gostaria também que esta atitude fosse mais generalizada entre operários americanos. Seríamos um poder econômico muito maior.

-Como os soviéticos se comportaram nos programas sociais?

Middaugh: Ganharam muita atenção da mídia. Os quatro que falavam inglês (outros dois eram os tradutores) se tornaram alvo de câmeras o tempo todo. Foram bombardeados até que, depois de três dias, disseram: basta, basta.

-Gostaram de ser uma atração?

Middaugh: Não se importaram. O problema é que todo mundo perguntava a mesma coisa, sempre e sempre.

-O que, por exemplo?

Middaugh: As impressões sobre os Estados Unidos. De que gostavam mais. O que pretendiam aprender.

-Você não os ensinou a fazer press-releases?

Middaugh: Nos até divulgamos alguns. Mas todos queriam entrevistas pessoais. Pedimos que fossem compreensivos, e atendessem, porque estariam beneficiando a Universidade.

-Uma aula sobre promoção e relações públicas?

Middaugh: Sim, foi uma promoção. Gostaríamos de conseguir alguém fora da universidade que poderia patrocinar um programa como esse. E uma maneira de fazer isso é atrair ampla cobertura da imprensa.

-Um programa assim seria bom para administradores brasileiros?

Middaugh: Muito. Muito mesmo. Temos um programa de administração geral, há muitos anos, para gente em todo o mundo. E temos um programa chamado executivo, dado no verão, em seis semanas, e 20 por cento dos 100 alunos são enviados por firmas internacionais. Este curso não é barato. Ele custa 12 mil dólares. Promovemos ainda programas especiais, sob encomenda.

-Os administradores soviéticos levaram muitas lembranças dos Estados Unidos?

Middaugh: Muitas. Aparelhos eletrônicos, principalmente. O segundo artigo mais comprado foram brinquedos. Os soviéticos são muito ligados às crianças. As suas lojas de brinquedos não são criativas, e os produtos, de baixa qualidade. Todos chegaram com duas malas, e partiram com duas outras caixas extras.

 

‘Ligeirinho’ entre Ásia e Europa

Um ligeirinho biarticulado de Curitiba foi levado a Istambul para exibição durante a Hábitat II, em 1996. Ao embarcá-lo num gigante cargueiro russo, o Antonov, o seu motorista permaneceu ao volante. Ali ficou, esquecido, até o pouso na Turquia, sem nada comer ou beber durante 14 horas. Mas foi dele, Cláudio Mariano, o feito histórico: o ônibus curitibano fez várias vezes a ida e volta entre a Europa a Ásia.

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1Istambul, 3 de junho de 1996 — Rebatizado de “Orient Express”, um ônibus “ligeirinho” de Curitiba ligou a Europa a Ásia, levando a bordo, orgulhoso, o governador do Paraná, Jaime Lerner, que marcou o momento com uma paradinha sobre a ponte do estreito de Bósforo, encerrada sob pressão de um policial turco irritado com a fila de carros que logo se formou atrás.

O Orient Express fará um novo passeio da Europa a Ásia, levando a imprensa internacional, depois de uma entrevista coletiva do governador Lerner, uma das estrelas do Hábitat II, em Istambul — cidade com sete colinas, minaretes espetados para o céu e única no mundo a ligar dos continentes. Dois repórteres portugueses, admitidos com os brasileiros na volta de pré-estreia, gostaram muito do que chamaram de “rapidinho”.

O motorista do ligeirinho-rapidinho-expresso do oriente, Cláudio Mariano, aprendeu uma lição no trânsito turco: “buzino bastante”. Os taxistas em Istambul já saem com o carro buzinando. Na verdade, só às vezes é que desligam a buzina. Difícil escutar o canto do muezim nas mesquitas tanto o buzinaço.

“Entrei no jogo deles”, diz Mariano, 34 anos, “para que achem que sou um da turma”. O problema será se habituar, porque é ele quem testa os candidatos a motorista em Curitiba, cidade da moda em Istambul, onde as cidades do mundo estão em discussão. Quando um repórter lhe perguntou se só ele veio a Turquia dirigir o ligeirinho, esclareceu:

“Além de mim, só eu”.

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Istambul

O governador Lerner contou que Mariano viajou 14 horas no gigantesco cargueiro russo Antonov que trouxe de Campinas a Ancara o “biarticulado”, como agora chamam o ônibus com três carros ligados por sanfonas em Curitiba. Só um detalhe: esqueceram de embarcar a comida para ele. Vermelho, 24,5 metros, placa AEFK 3036, a bandeira do Brasil ao lado da porta dianteira, o biarticulado chama a atenção em Istambul. Os ônibus turcos são menos articulados, só dois carros as vezes, ou mais altos, com dois andares. Nenhum com três, capaz de acolher 270 pessoas entre 53 assentos. Até 300 dá para levar.

“Cidade para Todos” é o tema da palestra do governador Lerner na Hábitat II. As cidades são soluções, não problemas, para ele, que discorda de todos os profetas que veem o apocalipse esgueirando-se pelos arranha-céus ou no trânsito sufocante e congestionado. “Curitiba não chega a ser um paraíso”, reconhece, “mas prova que se pode mudar”. A lição paranaense para o mundo se resumiria num princípio: “respeito ao cidadão”. Por respeitá-lo, o curitibano “tem boas soluções de moradia, um dos melhores sistemas de transporte no mundo, atenção com as crianças e preocupação ambiental”.

O Orient Express do Paraná “transporta mais passageiros do que o metrô de Washington a um custo 200 vezes menor por quilômetro”, ainda exultou o governador Lerner. O motorista Mariano avançava no trânsito turco quase raspando o retrovisor nos outros ônibus. Os passageiros olhavam a tarde cair sobre o estreito de Bósforo, onde a cada 15 minutos passa um navio singrando do Mar Negro ao Mar de Marmara. A travessia de um continente ao outro, dentro da mesma cidade, não demora mais que cinco minutos, e é a rotina de Istambul. Muitos moram na Ásia e trabalham na Europa.

 

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A Mesquita Azul

Era a hora do rush. A volta para a Ásia ocupava uma das pistas na direção da Europa. Comprimido em só duas faixas de tráfego, os carros seguiam lentos. Entre eles, o Orient Express. Então, o governador Lerner teve a ideia de registrar “a travessia histórica”. Mandou Mariano parar. Pulou para o asfalto, mas ao mesmo tempo chegou um policial já furioso, falando muito por rádio, e dando uma clara ordem com gestos, já que não o entendiam. O governador obedeceu.

 

Os dias em que não morri

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Foto Creative Commons

Por duas vezes, na guerra do Líbano, vivi a morte bem de perto. Mas sobrevivi e estou aqui, agora, relembrando. Nada heroico. Apenas o dia a dia de um correspondente.

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Moussa Sadr

 

Saí correndo de Beirute atrás de um telex ao norte de Israel. Estava sem contato com a redação do jornal, em SP, desde que uma bomba destruíra, três horas antes, o gerador do hotel Commodore, onde ficávamos os repórteres que cobriam a guerra no Líbano. Sabotagem ou coincidência, sempre que o noticiário do dia era desfavorável à OLP, buuuum!, acabava a luz — e adeus transmissão de filmes, fotos e textos.

Peguei a estrada do litoral, deformada pelas sapatas dos tanques no asfalto amolecido pelo sol. Os correspondentes de tevês iam até Damasco, mais perto. Mas eu, barbudo, com carro com placa israelense e nome judeu, não seria bem recebido pelos sírios. Perto da veneranda cidade de Tyre, fundada em 2750 a.C., entrei num desvio sem mais asfalto, uma reta poeirenta com poucas casas do lado direito. Avistei uma multidão em passeata. Era muita gente, segurando cartazes e gritando.

E aí? Que fazer? Dar meia-volta, fugir? Isto já faria de mim uma presa, ou alvo de tiros. Ficar? Prisão certa, ou linchamento imediato. Não poderia acelerar contra a multidão… Então, travei portas e vidros automáticos, à espera.

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Israel no sul do Líbano, foto Creative Commons

A turba vinha furiosa. Reconheci a foto que muitos brandiam. Era o imã Moussa Sadr, líder xiita do sul do Líbano, nascido na cidade sagrada de Qom, no Irã.

A multidão engolfou meu carro, que balançou, balançou, mas ninguém tentou abrir a porta. Cegos de ódio, nem me notaram. Eu tremia. De repente, vi a frente livre. Saí devagar, depois acelerei fundo. Alguns quilômetros adiante, no asfalto de novo, parei para comprar água e saber o que estava acontecendo. Ouvi: Moussa Sadr havia desaparecido desde que seu avião fez escala em Trípoli, na Líbia, a caminho de Roma. Certos de que ele fora assassinado, seus súditos exigiam a cabeça do coronel Muamar Kadafi. O mistério não foi desfeito até hoje.

No mesmo Citroën esportivo branco, com placa do país invasor, me perdi uma noite em Beirute. Não existiam GPS, Waze e nem celular. Um sinal indicara que tinha entrado na “terra de ninguém”, uma zona neutra separando os inimigos. Como sair dali? E, dependendo da saída, quem encontraria?

Rodei a 20 km/h até ler uma placa em francês, Café du Brésil. Só podia ser um sinal para mim. O problema era um monte de terra, talvez uma trincheira abandonada, bloqueando o caminho. Mas fui! Acelerei, saltei ao bater na barreira, e pousei diante de alguns soldados que apontavam os fuzis para mim. Talvez não tenham atirado por causa da placa israelense. Ou deveriam, por isso mesmo: poderia ser um camicase com carro roubado. Pegaram meus papéis e foram checar com o serviço de imprensa, em Jerusalém, se eu era mesmo repórter credenciado. E a guerra continuou por mais cinco meses.

 

Lobo mau baleado. De verdade.

 

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O caçador deu um tiro no lobo mau. E não foi de mentirinha.

Sangrando, o lobo mau cambaleou três passos, sentiu a perna endurecer, tirou a máscara, e caiu desmaiado na cadeira da vovó.

A plateia ria de tanto realismo para um conto da carochinha. Chapeuzinho Vermelho “perdeu a voz”, tão assustada. A vovó irrompeu no palco, saindo detrás de um vaso, onde se escondera ao ser “comida” pelo lobo mau, e deu o alarme: “é sangue! … sangue!”

Era a abertura da anual Feira de Ciências e Cultura na Escola Cenecista Miguel Matias, em Campo Alegre, a 86 quilômetros de Maceió. A escolha de encenar Chapeuzinho Vermelho fora feita pelos 28 alunos do segundo grau. Tinham liberdade para decidir. O estudante José Claudevan, 21 anos, lembra: “No ano passado, tivemos câncer de mama como tema de uma exibição”. Mas, desta vez, “as meninas”, futuras professoras, sugeriram uma encenação que algum dia haverão de promover entre seus próprios alunos.

Campo Alegre dá as boas vindas aos visitantes com uma placa fincada pelo prefeito Miguel Felizardo no entroncamento da estrada para Arapiraca. “Alegre” e “Felizardo” não combinam com o clima de suspeição e hostilidade que paira sobre os forasteiros. É uma cidade dos boias-frias que trabalham no canavial de perder de vista da região. Diante de casas baixas, coloridas, muita gente fica sentada, gozando o fresco da sombra. São algumas compridas ruas pouco movimentadas. Crianças brincam de mirar os passantes com revólveres de plástico. A primeira impressão é a de que existem muitas funerárias para o tamanho da cidade. Mas, para um motorista conhecedor da zona da mata alagoana, “não faltam clientes”: a violenta política os produziria em abundância.

Não é de espantar, assim, que o final inesperado de Chapeuzinho Vermelho tenha alcançado Maceió, numa nota de três parágrafos ao pé de uma página interna de jornal, como mais um caso de agressão. Não foi. O lobo mau José Claudevan é muito amigo do caçador Iran do Carmo.

Soro na mão, esparadrapos no buraco de entrada e saída da bala na coxa direita, Claudevan deve receber alta hoje. Do palco no pátio da escola dois professores o levaram sangrando muito ao pronto-socorro de Arapiraca. Mas lá ninguém estava sendo atendido, por causa da greve geral nos serviços públicos estaduais de Alagoas. O jeito foi seguir para Aracaju, em Sergipe.

Lobo mau Claudevan conta que o anestesiaram para limpar os fragmentos “de chumbo ou pólvora”, observaram-no por três dias e o mandaram de volta para recuperação no hospital Senador Arnon de Mello (pai do ex-presidente Fernando Collor) em Campo Alegre.

“Nunca trabalhei em teatro”, explica Claudevan. E para ser lobo mau só ensaiou três vezes, todas na quarta-feira, véspera da estreia na Feira de Cultura e Ciências.

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Quando entrou em cena, o lobo mau, na verdade, era um macaco. “Não havia máscara de lobo… então, usamos a que encontramos” – conta Claudevan, de boné do time de basquete Chicago Bulls na cabeça e um radinho de pilha na cabeceira, dividindo um quarto da enfermaria com outro paciente.

Fada da Bela Adormecida e uma vez até “Nossa Senhora”, agora Sandra Madense, 18 anos, seria Chapeuzinho Vermelho, no lugar de outra “atriz” que desistiu de vergonha de cantar “pela estrada afora…” Também muito tímida, ela diz “não ter voz”. E fala pouquíssimo.

Sandra Chapeuzinho Vermelho lembra que a peça estava no momento em que ela correria atrás de socorro do caçador, desconfiada daquela boca grande do lobo mau. “Pra te comer”, disse-lhe o macaco-lobo.

Entra em cena Iran, o caçador. Tem nas mãos uma espingarda velha que “disparou” várias vezes nos três ensaios do dia. Do tipo “soca-tempero”, todos a experimentaram de brincadeira. Mas “arma antiga gosta de pegar resíduos de chumbo”, sabe o experiente vigia da escola Cenecista Miguel Matias. Para ele, foi apenas o que aconteceu. “Um infortúnio”. E nada mais pode declarar, desconfiado. No 2° Distrito Policial de Campo Alegre, o plantonista garante que não conhece ainda a nova versão de Chapeuzinho Vermelho. E que não há um processo teatral em investigação. Nem espingarda apreendida.

Sandra Chapeuzinho Vermelho tem namorado, e ele não é nem o lobo, nem o caçador. Assim ficaria afastada a suspeita de “agressão” provocada por ciúmes ou disputa entre dois adolescentes. Iran, o caçador, só não apareceu no sábado no hospital Arnon de Mello, o primeiro dia de visitas a Claudevan, porque vive em outro município, Limoeiro, e ainda afastado da cidade, na fazenda Recanto.

A “vovó” Alzineide Nazário dos Santos, 18 anos, sentou-se à beira do leito de Claudevan. Na hora em que o caçador quase matou de verdade o lobo mau ela estava escondida atrás de um vaso, já “devorada”. Ficaria dentro de um armário, cumprindo o roteiro da “narradora” Andrea Maria dos Santos, 18 anos. Não conseguindo, “o jeito foi improvisar com uma planta”.

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Publicado no Estadão em 16/9/1996

 

As visitas lotaram a enfermaria. Uma diretora do hospital ameaçou mandar todos embora por causa do repórter e fotógrafo “presentes sem autorização”. Um funcionário chegou a pedir que “essa história fosse esquecida”, porque “Alagoas já foi muito difamada por causa do (ex-presidente) Collor e do (empresário) PC Farias”.

Um final feliz: Chapeuzinho Vermelho e a vovó revelaram que, “agora, o lobo mau ficou sabendo que é muito querido por todos colegas de classe.”