Todos se conhecem num kibutz. Chamam-se pelos nomes. Comem juntos as refeições. Resolvem problemas ou decidem sobre tudo juntos. A roupa suja é lavada na mesma lavanderia. As crianças vivem juntas num minikibutz. O armazém, carros, piscina, o cinema e os lucros, ou prejuízos, a todos pertencem. Uma grande família reunida pelo ideal socialista para ocupar, plantar e defender Israel desde antes de sua independência, forjando o até então raríssimo judeu agrário. O detalhe oculto: é uma comunidade, sim, mas também o seu contrário, porque constituída de membros solitários. Quanta solidão os separa!
O maior novelista israelense Amós Oz está de volta ao kibutz com um belo livro de oito contos entrelaçados, Entre Amigos (tradução de Paulo Geiger, Companhia das Letras). Na verdade, nunca saiu dele. Tinha 14 anos quando entrou em Hulda, fundado por um pioneiro ucraniano entre Tel-Aviv e Jerusalém. Estava destroçado pelo suicídio da mãe, Fania, aos 38 anos, e rebelado contra o pai. “Ele era acadêmico; eu seria tratorista; era de direita, e eu, então, socialista”. Adotou o sobrenome Oz (poder, força, em hebraico) no lugar de Klausner.
De força, Oz precisava. Foi kibutznik por mais de 30 anos. Ele e a mulher, Nily, só partiram porque Daniel, o terceiro filho, com asma aguda, viveria melhor na Meca dos Asmáticos, a pequena Arad, no deserto do Neguev. No tempo de Hulda ele conseguiu trocar as beterrabas pelo trabalho de escrever, um dia por semana. Quando ficou conhecido, deram-lhe dois dias. E quando passou a dar lucro, perguntaram-lhe se queria um ou dois assistentes. Havia um chaver (companheiro) que penteava o cabelo antes de passar por sua janela, para “sair bem” no próximo livro.
O kibutz em que Oz passeia seus personagens ganhou o nome de Ikhat (Yekhat, na edição em inglês), pela distante associação entre afiado e monótono, em hebraico. Lá está Provizor, o jardineiro que colhe notícias ruins. Como muitos israelenses, o rádio ligado nas hadashot (noticiários), ele se aproxima das pessoas com aviões caindo, vulcões em erupção, ameaça de guerra nas fronteiras – o mensageiro de tragédias. A professora viúva Luna Blank aceita ser sua ouvinte. Os dois se encontram, ela lhe faz biscoitos; ele lhe dá mudas. Tomam chá à noite e visitam os jardins impecavelmente tratados. As fofocas e a relação crescem. Até que ela pega a mão dele e a leva ao peito. Daqui em diante, surpresa! Mas só o livro a revelará.
Ali está indo trabalhar no galinheiro a divorciada Ariella, também chefe do comitê de cultura de Ikhat. Acaba de seduzir e tomar Boaz, marido de Osnat, que trabalha na lavanderia. A ex-mulher, conformada, envia à sucessora um bilhete com os remédios e hábitos alimentares com que ela terá, doravante, de se preocupar. É então que recebe de volta uma longa carta com a proposta de compartilharem ambas solidões. O final, no livro.
Os personagens de cada conto são marcantes. O professor Degan, marxista devoto, é um dom Juan. Ante o convite de um tio rico para estudar na Itália, Yotam se debate: terá coragem de trocar o kibutz pelo mundo? E Nina, que não consegue ficar com seu marido sequer uma noite mais? A traída Osnat volta no conto final, cuidando do moribundo sobrevivente do holocausto Martin Vandenberg, sapateiro que ainda quer ensinar Esperanto, a linguagem universal, para que a humanidade possa se entender.
Os kibutzim já representaram 4% da população de Israel. Hoje, menos que 2%. Alguns começaram a empregar mão-de-obra árabe. Muitos agora produzem startups de programas para computadores ou sites para internet. Oz conta que dois terços de seus caracteres jazem no cemitério de Hulda. E é lá que quer também ser enterrado. Mas Entre Amigos não sepulta seus tempos de kibutznik. Ainda há muito que escrever, como ele próprio declarou ao jornal Haaretz: “O kibutz é uma universidade da natureza humana”.
Fora os livros, Oz escreve ensaios para jornais e revistas. Logo que um deles aparece na imprensa israelense é traduzido para publicação em jornais e revistas europeus e americanos. Ele lutou nas colinas do Golan, fronteira com a Síria, nos anos 50 e em 1973, e foi tanquista em 1967, no Sinai, durante a Guerra dos Seis Dias. Ao deixar o exército, fundou, com outros oficiais, o movimento Shalom Arshav, ou Paz Agora. A paz com os árabes, para ele, só virá após a aceitação por todas as partes de dois estados independentes – um palestino, outro israelense. Tema, talvez, para outro livro, Entre Inimigos.
Li diversos livros dele, recomendo. Uma pena que o lado arabe não leia e se inspire nas ideias pacifistas e se deixe levar pelos extremistas.
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