Texto no telex não tem volta. Teclada a primeira palavra, passa-se à segunda, e assim até o ponto final. sem retoque, sem delete, sem 'return' e sem 'esc'.. A isso alguns repórteres que cobriam a guerra do Líbano, em 1982, chamavam "escrever com a pele". Foi para mim uma grande escola de jornalismo. Este blog reúne meus "escritos com a pele".
A primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, está dando um exemplo ao não citar o nome do atirador que massacrou 50 pessoas em duas mesquitas na cidade de Christchurch:
– Ele é um terrorista. Um criminoso. Ele é um extremista.
Mas ele, enquanto falo, não será nomeado – disse Ardern num discurso no Parlamento.
O atirador não terá o que mais o mobilizou: ser conhecido,
ou reconhecido, chamar a atenção.
Os dois atiradores da escola em Suzano queriam superar o
ataque em Columbine há 20 anos, com 15 mortos, incluindo os dois atacantes. Aí
está uma prova da influência causada pela espalhafatosa cobertura de jornais e tevês
a atentados terroristas. O terror é reinventado sempre mais para conquistar atenção
e ocupar espaços na mídia. O assassino neozelandês apresentou sua façanha ao vivo,
online, e distribuiu os links antes de apertar o gatilho.
– Eu imploro a vocês – continuou a premiê Ardern aos membros do Parlamento: -Falem os nomes dos que morreram, no lugar do nome de quem os matou. Ele pode ter querido notoriedade, mas nós, na Nova Zelândia, não lhe daremos nada. Nem mesmo o seu nome.
Transmissão ao vivo do massacre nas mesquitas
Como a mídia deveria reagir a atentados? Não noticiá-los me parece muito difícil. É notícia. Em Utrecht, na Holanda, depois de um atirador matar três pessoas dentro de um bonde, a polícia divulgou mensagens on-line pedindo que a população ficasse em suas casas. Advertia: há um terrorista à solta. Pelo tuíte, os desdobramentos do atentado eram atualizados às centenas, a cada segundo. Não há como interromper o fluxo das notícias na internet. O Facebook levou tempo para retirar do ar a transmissão do massacre nas mesquitas.
Utrecht (foto EFE)
Os provedores neozelandeses pediram ao Facebook, Twitter e
Google que participem da discussão do governo da premiê Ardern sobre como negar
acesso a conteúdo criado por assassinos.
O Estado Islâmico (EI) divulgou vídeos da degola de
prisioneiros e até criou uma revista de boa qualidade gráfica para manter vivo
o seu esforço de recrutamento de mais jihadistas. Perdido o Califado que
construía na Síria, o EI não morreu. O porta-voz dele ressurgiu agora, depois
de seis meses de silêncio, para clamar por retaliação aos mortos da Nova
Zelândia.
“As cenas do massacre nas duas mesquitas devem despertar
aqueles que foram enganados e incitar os apoiadores do Califado a vingar por
sua religião” – disse Abu Hassan al-Muhajir, num áudio de 44 minutos. Para ele,
o atirador seria um prolongamento da campanha contra o EI.
O presidente Trump deve apelar à união nacional em seu discurso desta noite sobre o Estado da União – ele que é acusado de desunir os americanos. Será o “estado da desunião”, publicou um jornal.
Alguns
repórteres tiveram acesso ao rascunho do discurso. O parágrafo que
mais chama a atenção diz:
“Juntos
poderemos romper décadas de impasse político”, e segue
propondo “pontes sobre antigas divisões, cicatrização
de velhas feridas, construção de novas coalizões, e ainda a
iniciativa deforjar novas soluções e de
destravar a extraordinária promessa do futuro da América”.
Da revista The New Yorker
Para
ganhar aplausos, Trump vai se comprometer a reduzir preços de drogas
à venda sob receita médica, uma reivindicação bipartidária. Ele
deverá falar de sua ofensiva contra Maduro, da Venezuela; das
relações comerciais com a China; de seu próximo encontro com Kim
Jong Un, da Coreia do Norte; e a retirada de tropas americanas das
guerras na Síria e no Afeganistão, mas sem dar trégua ao terror do
estado islâmico.
Suspensa
no ar ficará a decisão de declarar emergência nacional para
viabilizar a construção de um muro na fronteira mexicana.
Dois
ex-empregados ilegais do clube de golfe de Trump, na Flórida, foram
convidados pelos democratas – um deles já legalizado. Também foi
reservado um assento para um sobrevivente de matanças perpetradas
por atiradores solitários. É a pressão de militantes pelo controle
de armas.
O
Congresso terá três dias, até a sexta-feira, para preparar uma
proposta de orçamento para a assinatura de Trump. O prazo se esgota
dia 15. Como o dinheiro para o muro não será incluído, o governo
americano está ameaçado de nova paralisia, depois da que vigorou da
véspera de Natal até 27 de janeiro, um recorde de 35 dias.
O presidente Bolsonaro deu uma entrevista ao jornal The Washington Post, em Davos, na Suíça. Quando li o primeiro parágrafo, resolvi transformá-la em tuítes, principalmente porque não vi entrevista dele para a imprensa brasileira, exclusiva ou coletiva. Para ir mais rápido cortei formalidades, deixando Lula e Dilma onde havia “ex-presidente” e nomes completos, por exemplo, e fiz atalhos traduzindo o sentido mais que palavra por palavra de cada frase. Ao estourar o limite de um tuíte, cortava o que já é conhecido no Brasil. Só assim consegui resumir o que provavelmente os jornais nacionais darão melhor amanhã. À medida que fui tuitando, tomei um susto: a entrevista era grande e não só alguns poucos parágrafos. Aí vai:
BOLSONARO-1
-Você admira Trump? – perguntou a Bolsonaro a repórter Lally Weymouth, do The Washington Post.
–Sim, admiro porque ele está tentando tornar a América grande de novo. Nós também queremos um grande Brasil (…)
BOLSONARO 2
POST: Você acha que a mudança de regime na Venezuela é uma boa ideia? O que o Brasil pode fazer para que isso aconteça?
-Sempre fomos contra o regime Maduro, especialmente considerando que teve laços estreitos com os governos Lula e Dilma, como com Cuba.
BOLSONARO -3
POST: Como isso pode acontecer? (a mudança na Venezuela)
-É preciso, claro, remover Maduro do poder. Acontece que ele tem 70 mil cubanos do seu lado. Então, não será fácil.
BOLSONARO -4
POST: Você está disposto a usar tropas brasileiras?
-Não vamos embarcar o Brasil numa intervenção militar. Não temos uma história de resolver problemas com intervenção militar.
BOLOSONARO – 5 e 6 (um engano na numeração da sequência)
POST: Ao mesmo tempo, a Venezuela é uma tragédia humanitária…
-Brasil deu boas vindas e acomodou refugiados da Venezuela. Nós os realocamos e os assistimos. Chegamos ao nosso limite (…)
BOLSONARO -7
POST: Você acha que fez a diferença para Maduro?
– Acredito, sim. Nosso serviço de inteligência captou um alto nível de insatisfação entre militares na Venezuela (…) Não há mais coesão como antes.
BOLSONARO – 8
POST – Nos EUA muitos não gostaram de seus comentários sobre mulheres e a comunidade LGBT (a repórter prossegue com o azul e rosa de Damares).
-Tenho sido acusado de atacar mulheres, negros, gays, índios. Se isso fosse verdade, teria ganhado a eleição?
BOLSONARO 9
POST: Como você pôde dizer que ter uma filha foi um momento de fraqueza?
-Isso foi apenas brincadeira. É muito comum responder assim no Brasil.
BOLSONARO – 10
POST (a repórter insiste em que ele deve dizer algo mais sobre a pergunta feita)
–Eu já expressei minha visão a respeito.
BOLSONARO 11
POST: Você disse que seria melhor ter um filho que se droga do que um filho gay. Em retrospecto, você acha que deve ser presidente de todos os brasileiros e esquecer essas declarações?
– Esta é uma novidade para mim. Nunca a ouvi antes.
– Eu não estou duvidando de sua mídia. No Brasil, eles são todos iguais – os jornais,
POST: Você pode assegurar que as mulheres e a comunidade LGTB terão um lugar no seu Brasil?
-Eu amo mulheres
BOLSONARO 14
POST: E você pode reassegurar que a comunidade LGBT tem lugar no seu Brasil?
-Todos têm lugar no nosso Brasil. Quero que sejam muito felizes. Mas eu não permitirei que crianças de 6 anos sejam expostas a conteúdo homossexual nas escolas.
BOLSONARO 15
POST: Qual o seu compromisso com a democracia? (A repórter lembra o tempo da ditadura, que ele elogia).
-Os militares salvaram o Brasil.
BOLSONARO 16
POST: Os militares salvaram o Brasil?
–Os militares salvaram o Brasil de uma potencial ditadura em 1964.
POST – E quanto a você, Presidente? Você tem compromisso com a democracia hoje no Brasil?
-Nós vamos fortalecer a democracia a todo custo
BOLSONARO 17
Continuando do post anterior:
-Dilma Rousseff teve vários terroristas no governo dela, e ninguém disse nada. Lula e Dilma adoravam Fidel e elogiavam Kim Jong-un. São eles que falavam sobre democracia no Brasil. Eu represento liberdade e democracia.
BOLSONARO 18
…Nossas forças armadas garantem o que estou declarando a você.
POST: Nos EUA, temos uma grande força armada e uma grande democracia. Podemos ter os dois.
-As forças armadas garantem a democracia.
BOLSONARO 19
POST: O que seu governo fará para combater a corrupção?
-O ministro Moro tem disponíveis todas as ferramentas para seguir a trilha do dinheiro. Corruptos não terão mais vida fácil no Brasil.
BOLSONARO 20
POST: Tenho que lhe perguntar sobre seu filho, Flávio. Foi informado que ele contratou várias pessoas ligadas a gangues…
-Isso não é uma questão para o governo federal, nem de sua conta. Mas vou dar meu ponto de vista…
BOLSONARO 21
(O presidente continua)
-Em grande parte, o sobrenome, Bolsonaro, é a razão por tanta visibilidade. O que disseram contra ele são acusações politicas de gente que quer criticar meu governo (…) Se alguma prova aparecer contra meu filho, ele será punido.
A entrevista ao Washington Post prossegue com reforma da previdência, a facada na campanha eleitoral, a cirurgião na segunda-feira,
Bolsonaro “não brilhou” em sua estreia internacional, mesmo sem competir com Trump e a primeiro-ministra britânica Theresa May, ausentes. É a manchete do Diário de Notícias, de Portugal. Para o The Times, de Londres, quem brilhou no primeiro dia de Davos foi Sir David Attenborough, 92 anos, historiador, falando sobre nosso planeta, num debate moderado pelo príncipe William.
“Improvável protetor da Amazônia”, como a Bolsonaro se referiu a newsletter de Davos produzida pela revista digital Quartz, ele tentou convencer a plateia de que tem credenciais de defensor das florestas e do ar que respiramos.
Logo depois, num painel sobre desmatamento, a primatóloga, etóloga e antropóloga britânica Jane Goodall, 84 anos, declarou: “Todos estamos preocupados com a nova administração no Brasil”.
O jornal The Guardian publicou uma extensa reportagem de seu correspondente na América Latina, Tom Phillips, acrescentando à performance de Bolsonaro em Davos a sombra do escândalo protagonizado pelo filho e senador Flávio Bolsonaro no Brasil. Chamou-o de bola de neve, talvez inspirado pelas imagens de Davos.
O Forum Econômico Mundial oferece um ótimo programa que poderia fazer bem a Bolsonaro: 30 minutos de meditação guiada por Tsoknyi Rinpoche. É recomendado para “centrar” as pessoas. Outro bom programa não faz o gênero de nosso presidente: o guitarrista do Queen, Brian May, vai apresentar um novo trabalho baseado no pouso da Apollo na Lua.
Sir David Attenborough declarou que “nunca houve um tempo em que tanta gente está desconectada do mundo natural como agora”. Depois do príncipe William, quem fez dupla com ele foi o ex-vice-presidente dos Estados Unidos, Al Gore. A mensagem que ele deixou é assustadora: “O futuro do mundo natural está em nossas mãos. Podemos destruí-lo facilmente. Podemos destruí-lo sem mesmo notar que o estamos fazendo”.
Nos jornais europeus, o tributo ao jogador argentino Emiliano Sala Taffarel, atacante do Cardiff City, uma das quatro pessoas de um voo privado que não chegou ao destino, desaparecido no Canal da Mancha. Ele mandou uma mensagem do avião: “Se em uma hora e meia não tiverem notícias, já sabem”. No TuttoSport italiano, o grito de Marcelo: “quero a Juve”, onde já joga Cristiano Ronaldo.
A newsletter Quartz, especial sobre Davos, anuncia que Donald Trump está em Davos, “ao menos em espírito”, com Jair Bolsonaro, que faz/fez (15h30 local) o primeiro discurso de Forum Econômico Mundial, este ano dedicado a Globalização 4.0. Estão em Davos a chanceler Angela Merkel e o primeiro-ministro italiano Giuseppe Conte.
Cidades Escuras
O Rio iluminado pelas estrelas é a combinação de duas fotos, ou realidades, uma do céu e outra da cidade, que cria uma terceira realidade para o artista francês Thierry Cohen. “Fotografia é um meio de mostrar coisas que não podemos ver. Fotografia é um caminho para o sonho.” Outros exemplos de Cidades Escuras de Cohen.M
O jornal The New York Times publica sua lista anual dos 52 lugares do mundo que merecem a visita de turistas este ano de 2019. O primeiro “paraíso” é a ilha de Porto Rico, recuperada do furacão Maria que a devastou no ano passado. O segundo lugar coube a Hampi, na Índia, uma das mais ricas cidades do mundo no século XVI. Lá estão mais de mil monumentos preservados, incluindo templos hindus. Santa Barbara, na Califórnia, ganhou o terceiro lugar. Salvador, na Bahia, o 14º, é o único destino brasileiro recomendado. Paris? Não. Na França, o quente deste ano são Lyon e Marseille. Para mim, a surpresa é o Irã, recomendado apesar do perigo de guerra ou conflito interno permanentes. Vale a pena dar uma olhada: texto bom, fotos ótimas. Link: /www.nytimes.com/interactive/2019/travel/places-to-visit.html?em_pos=large&emc=edit_tl_20190112&nl=travel-dispatch&nlid=33543102edit_tl_20190112&ref=headline&te=1
Trump trabalhou para os russos?
(O FBI está investigando, segundo o The New York Times de hoje).
Um livro a cada 12 minutos
Entrou na APPStore um programa que resume livros a 12 minutos de áudio. O resumo pode vir em texto também. Os comentários de quem baixou o “12min” são, até agora, elogiosos. Logo teremos uma geração que leu todos os clássicos, mas dessa forma, rasteira.
Novo na Banca
Dando bandeira
Esta Bandeira do Voto Popular foi desenhada pelo programador Toph Tucker (ex-Businessweek, Twitter, GituHub, Medium…) com um algoritmo que decide o tamanho das estrelas e das listras segundo o número de habitantes dos 50 estados (estrelas) e das 13 colônias originais (listras) que declararam independência do Reino Unido. (via Kottke.org)
Criar asas, e partir.
Aproveito a ideia do escritor japonês Sebuyama, para a revista Kakaku, e crio asas para voar em férias por dez dias. Pousarei num local sem wifi e sinal celular. Até a volta.
No telão, quatro Barack Obama, lado a lado, falam simultaneamente. Aí o gênio Supasorn Suwajanakon pergunta à plateia:
– Qual deles é o verdadeiro?
– Nenhum – ele próprio responde.
Se uma foto vale mil palavras, quantas valeria um vídeo? Na campanha eleitoral para o governo de São Paulo alguém produziu um vídeo em que João Dória aparecia numa cama com várias mulheres. Mas o sultão no harém era tão mal feito que logo desapareceu.
Barack Obama estrela um outro vídeo em que mostra o momento em que já não é mais ele falando o que está dizendo. Então, adverte:
-Estamos entrando uma era em que nossos inimigos podem fazer qualquer um dizer qualquer coisa em qualquer momento.
O gênio do Google Brain, com esse nome impronunciável, Supasorn Suwajanakon, teria nascido onde? Parece indiano, país avançado em tecnologia. Hoje, ele é palestrante da Vistec, um novo instituto de pesquisa em Rayong, na Tailândia. Diz que podemos chamá-lo de “Aek”, obrigado. Seria tailandês? Googlei sem tempo, quase estourando o deadline. Depois de percorrer jornais e sites brasileiros e internacionais que falaram dele e exaltaram seu currículo, desisti. Já tinha o bastante para mais um dos motivos do declínio de credibilidade da mídia: as notícias incompletas, descaso com a curiosidade dos leitores, ouvintes ou telespectadores. Quantas vezes na imprensa lemos sobre um jogo de futebol em que falta o essencial: o resultado?
Temos aqui o futuro, o deepfake, e o presente/passado do jornalismo, a falta de informações nas notícias, que colaboram para o estado de desconfiança que paira sobre toda a mídia.
Mas não só.
“Califórnia institui a sharia” (a lei islâmica).
NADA É REAL
“Ex-presidente Bill Clinton se tornou assassino em série”.
“Michelle Obama está realmente namorando Bruce Springsteen?”
“Fazendeiro de Iowa afirma que Bill Clinton fez sexo com vaca durante Festa da Cocaína”.
Impressionante: seis milhões de pessoas acreditam nestas manchetes do site America’s Last Line of Defense (A última linha de defesa da América), apesar de avisadas, 14 vezes, que “Nada nesta página é real”. Mas para a audiência que lembra a “Velhinha de Taubaté”, do escritor Luís Fernando Veríssimo, tudo é factual. O incrível, repassado, viraliza. E Christopher Blair, 46 anos, embolsa 15 mil dólares em publicidade por mês. Sua ideia original era fazer um site de humor, como a Falha de São Paulo.
“Não importa o quanto racista, intolerante e ofensivo, ou tão óbvio que seja fake, os visitantes voltam sempre” – disse Blair ao jornal The Washington Post em novembro. Em sua página do Facebook, ele pergunta: “Qual o limite? Há um ponto em que as pessoas, descobrindo que estão comendo lixo, voltarão a realidade?”
Sobre a mesa de Blair há uma frase definidora: “Vivemos numa idiocracia”.
O Post foi ver o outro lado. Encontrou a senhora Shirley Chapian, 76 anos, em Pahrump, Nevada, diante de uma petição para impedir a lei da sharia na Califórnia, “antes que seja tarde”, na tela do computador. Ela clicou: “Like”. Aí surgiu outro pedido: “Compartilhe para ACABAR com a atual invasão de migrantes”. Ela: “Share”.
A senhora Chapian só sabe do mundo através do monitor de seu computador. Viveu na Europa, San Francisco, New York e Miami, foi uma das primeiras mulheres a entrar para a National Organization for Women, onde batalhou pela equiparação aos salários de homens. Parou de assistir os noticiários de TV ao constatar quão distantes ficavam em relação ao que lia online. “Onde estava a notícia de que (o bilionário doador) George Soros foi um nazista assumido?”
Ela diz que não é do tipo que produz teorias conspiratórias, “mas…”
TRUMP, UM VÍRUS
Quando o presidente Donald Trump tuíta, 56 milhões de seguidores o leem. Ele não precisa da imprensa, a que chama de “Inimigo do Povo”. As notícias que o desmentem ou contradizem são rotuladas de fake-news, duas palavras que não vão bem juntas. Notícia é o relato de um acontecimento real. E Fake, falso. Um exemplo de fake-news mundial foi a informação divulgada pelos Estados Unidos, com apoio do Reino Unido, de que o Iraque de Saddam Hussein tinha um arsenal de armas de destruição de massa, base para a guerra de 2003. Já se passaram 15 anos, e nada: deve ter sido apenas uma miragem no deserto.
O presidente eleito Jair Bolsonaro também tuíta, dispensando a mediação dos meios de comunicação. Proíbe a entrada da TV Brasil, do próprio governo, quando recebe as demais tevês para entrevistas. E anunciou que irá fechá-la. Ameaçou o jornal Folha de S. Paulo com o corte de propaganda oficial. Com os filhos, taxa notícias de fake-news, sem contribuir para que se tornem truth-news. Já o chamam de Trump Tropical, embora tenha recuado de peitar a China e mudar a embaixada brasileira de Tel-Aviv para Jerusalém, seguindo os passos do Trump do Norte.
A revista americana The Atlantic diagnosticou: Trump é um vírus. A mídia, um hospedeiro, que o distribui, causando infecção. Dilema 1: não se pode deixar de noticiar o que diz um presidente. Dilema 2: a 26 mentiras ou falsidades por dia, o presidente já chegou a 5 mil desde que tomou posse. Dilema 3: um vírus sempre mata o hospedeiro. Dilema 4: ainda não há um antivírus efetivo.
“Crianças mentem dizendo que escovaram dentes; políticos esticam verdades no calor da campanha; repórteres já foram flagrados mentindo; escritores, também; empresas; esposas e, naturalmente, o governo”, escreveu o professor de filosofia da Universidade de New England e autor do livro “Porque Mentimos”, David Livingstone. Mentiras estão cada vez mais tão comuns como a verdade. Monótono ouvir, entre acusados da Lava Jato, que nada sabem, ou que provarão nos autos que estão com a verdade.
A própria mídia contribui também para seu crescente descrédito. Como jornais importantes permitem a publicação de matérias delicadas baseadas em fontes anônimas? Ou fonte alguma? Como um repórter se torna mais importante que a notícia? Por que editores permitem a coleta de dados pela internet? Muita demissão, pelo decréscimo de circulação e êxodo dos anunciantes, sobrecarrega os sobreviventes, pressionados por deadlines cada vez mais apertados. Acabou o ménage à trois entre jornais, publicidade e leitores.
Jornais centenários estão competindo com as notícias circulando velozmente na internet, acessada por bilhões de pessoas. O WhatsApp já passou dos 800 milhões de usuários. Twitter, 300 milhões (estimativa, porque a empresa não divulga números). “Todos se tornaram jornalistas”, proclamou o professor da Universidade de Colúmbia, Clay Shirk, em seu livro Here Comes Everybody. A verdade acabou sufocada por tantos tuiteiros. No Oriente Médio, israelenses e palestinos postam versões opostas, aberta uma outra frente de guerra. Cartas aos jornais incluem spam que exalam ódio. Fotos de cataclismos do cinema surgem como se fossem fotos do novo furacão em Miami.
SOLUÇÃO À VISTA?
Quem mantiver a credibilidade na Torre de Babel da mídia poderá ter seu futuro assegurado. OK, mas não será tão simples assim. Ser independente é servir ao público, não ao lucro. Exemplos são o ProPublica, americano; El Diario, espanhol; OjoPublico, peruano; Connectas e La Silla Vacia, colombianos; Animal Político, mexicano; e Nexo, brasileiro. Há mais no Brasil, como Mídia Ninja, Jornalistas Livres e Nós, Mulheres da Periferia, mas eles militam para minorias. Atender ao público, não aos anúncios ou grupos, o princípio da sobrevivência, deverá secar os investimentos no jornalismo tradicional que não migrar para o mundo da multimídia, interatividade e múlti plataforma, exceção aos grandes internacionais – The New York Times, New Yorker, The Economist, The Washington Post e os principais europeus. Várias organizações já existem para a defesa dos independentes.
O jornal desse novo tempo que faz mais sucesso é o holandês De Correspondent, de 2013, com 56 mil leitores que pagam 63 dólares por ano, gerando o suficiente para manter 21 jornalistas fulltime e 75 freelancers. Com a bênção do professor Jay Rosen, da Universidade de Colúmbia, em New York, uma edição norte-americana já está em gestação, com o apoio de 515 mil dólares da Knight Foundation e do Democracy Fund.
Aclamado “embaixador” do The Correspondent nos Estados Unidos, Jay Rosen explicou o que ele chama de “otimização para a confiança” – o único antidoto para a perda de credibilidade. Nada de anúncios, nem caça-cliques. “Se você não está pagando pelo produto, você é o produto”, diz ele. Não há nenhum grupo a ser atingido ou a satisfazer. Nenhuma informação sobre o assinante vai para terceiros, nem mesmo para alguns serviços usados, como YouTube, Vimeo e Sound Cloud. Liberdade nas 24 horas do ciclo de notícias. Uma importante questão: como tratar o noticiário que está em todos os jornais? A resposta é interessante: “Não o tempo, mas o clima”. Quer dizer que a redação pode ignorar os flashes do dia se focar nos padrões que os produzem. Ninguém cobrará pontos de vista aos editores. Por fim, o fundamental: deverá haver uma rica interação com os leitores — os donos do futuro jornalismo com credibilidade.
O curador de The Internet Archive, Jason Scott, tuitou:
“Eu não falo português, então espalhe como achar melhor: Se você tiver cultura, conteúdo ou dados brasileiros, faça o upload diretamente para o Arquivo da Internet ou nos envie discos rígidos que ficarão armazenados. Uma incrível quantidade de material será perdida. Nós vamos hospedá-lo.”
The Internet Archive, fundado em 1996, em São Francisco, EUA, informa ter recebido inúmeros pedidos de brasileiros que estão antecipando uma temporada de censura promovida pelo governo Bolsonaro, em entrevista a Mathew Ingram, editor-chefe digital da Columbia Journalism Review (CJR).
A Freedom House, que quantifica a liberdade de cada país ao livre fluxo da informação, registrou um declínio do Brasil por causa de restrições ao conteúdo de candidatos políticos na internet, depois de aprovada no Congresso, ano passado, a lei que requer das redes sociais que removam, imediatamente, qualquer postagem anônima considerada ofensiva ou difamatória.
“Como a campanha e a administração de Trump fizeram nos Estados Unidos, o governo Bolsonaro tem atacado jornalistas e mídia acusando-os de divulgação de fake news”, diz a CJR.