Não encontrei mais o líder Arafat combatente,
nem o bravo que apertou a mão de
Yitzhak Rabin na Casa Branca, em 1993.

Ao partir para tratamento na França, onde morreu em 11/11/2004
GAZA, 3/8/1995 – O Nobel da Paz Yasser Arafat perdeu a auréola do combatente. Estava pálido, agasalhado com um colete de manga comprida sob o sol do deserto, e despido da mística e do revólver que sempre o armaram, quando recebeu para almoço uma delegação brasileira que veio oferecer ajuda para a construção da Palestina, assim honrando o próprio nome de guerra dele – Abu Amar, Pai Construtor.
“Era mais fácil guerrear” – resumiu um veterano de guerras da OLP, guarda-costas de Abu Amar. Mais fácil quando Arafat era “casado com a revolução”, e não com uma mulher. Quando não tinha endereço fixo, como o que ele próprio chama de “prisão”, em Gaza. Quando era um revolucionário; não um “moderado”. Enquanto posava com o chanceler Luís Felipe Lampreia para a TV Palestina e alguns fotógrafos, perguntei:
– Presidente, o que o senhor espera do Brasil?
Arafat, 66 anos, também chamado de “O Velho”, carinhosamente, parecia que nem ia responder, quando então começou: “Não podemos esquecer o forte apoio que recebemos de Brasília”. Falava baixinho. (A última vez que foz uma pergunta a Abu Amar, na Beirute destroçada sob o cerco de Israel em agosto de 1982, ele vibrava, carregado de energia, mesmo que estivesse no porto prestes a zarpar no navio Atlântida, rumo à Palestina perdida, o exílio em Tunis, longe do Oriente Médio.)
“O povo do Brasil, os partidos, o presidente, todos, em todas as circunstâncias, nos ajudaram” – acrescentou Arafat, o tradicional keffiah preto e branco na cabeça. “Ajudaram no passado, no presente e ajudarão, sem dúvida, no futuro”. Outro repórter perguntou se ele estava contando com a ajuda da grande comunidade árabe brasileira. “Estamos atrás do apoio de todos os brasileiros, e não só dos palestinos que vivem no Brasil”.
Só olhar em volta para constatar o quanto o Pai Construtor está precisando de ajuda para construir. Ela é tão vital para a paz que até o chanceler israelense Shimon Peres faz campanha mundial para promovê-la. Antes da delegação brasileira estiveram com o presidente Arafat alguns rabinos de Nova York. Há dois anos a cena seria uma miragem no deserto. Mas ali estava agora o grupo de keffiahs e quipás, diante da imprensa, prometendo “lutar pela paz”. A paz não tem um preço definido. Com 50 quilômetros de comprimento superpovoados por cerca de 1 milhão de habitantes, 60% desempregados, 60% refugiados, celeiro do radicalismo islâmico, Gaza depende de água, energia e trabalho de Israel. Significa “Tesouro”, em árabe. Os israelenses a chamam de Aza, ou Forte. Aqui, Sansão perdeu a força, foi preso e morreu. … uma das cidades mais antigas do mundo, no meio da estrada entre o Egito e Assíria.
O embaixador Pedro Paulo Pinto Assumpção vai ficar em Israel para chefiar “a missão interdisciplinar exploratória” oferecida pelo chanceler Lampreia ao Pai Construtor. “Virão técnicos dos ministérios da Agricultura e Saúde, da Embrapa, do Fundo Nacional da Saúde e da Agência Brasileira de Cooperarão”, ele explicou. “Vamos explorar as áreas em que poderemos cooperar”. O pacote de ajuda foi inicialmente montado com base num estudo do Banco Mundial. As reuniões estão marcadas para Ramallah e Gaza.
“Este é um lugar de futuro”, acredita Assumpção, que está deixando a chefia do Departamento de Oriente Próximo no Itamaraty para assumir a embaixada do Brasil em Tel-Aviv. Há um boom visível de obras por toda parte. Ao lado do quartel do presidente Arafat, diante do Mediterrâneo, o governo holandês dá a sua contribuição, levantando prédios. O motorista Akrim, “Generoso” em árabe, não viu ainda nenhum futuro: com 15 filhos e 24 irmãos, ele diz que sem trabalho em Israel “não há o que comer”. Quase todo o orçamento da Autoridade Palestina é esvaziado para pagar 14 mil ex-guerrilheiros, agora divididos em oito diferentes forças, numa grande mistura de uniformes. Muitos ficam sentados num salão em que circula a brisa do mar, tomando chá, café e esperando as ordens de Abu Amar. São simpáticos e alegres. Também perderam a auréola de revolucionários.
O presidente Arafat ofereceu charutinhos de carne, húmus, franguinho a milanesa e água mineral egípcia aos amigos brasileiros. Foi convidado por carta do presidente Fernando Henrique Cardoso a visitar o Brasil. E indicou que vai, em outubro, aproveitando uma visita já programada para a América Latina. O chanceler Lampreia prometeu a imprensa internacional, ao sair de Gaza: “Vamos cooperar com a Autoridade Palestina em tudo que pudermos”. Abu Amar o levou até o carro.
Arafat a bordo do Atlantis,
zarpando do Líbano para o exílio,
em 1982. Fui ao porto para a
sua despedida de Beirute.
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