Berkshires, MA — Escrevia na cama todas as manhãs, largando no ar cada folha manuscrita para que pousasse oscilante no chão. Sua secretária recolhia a produção do dia e a datilografava.
Em 40 anos, Edith Wharton escreveu 40 livros – e com um deles, The Age of Innocence (original grátis em http://www.gutenberg.org/etext/541), conquistou em 1921 o primeiro prêmio Pulitzer concedido a uma mulher nos Estados Unidos.
O quarto das criações de Edith não era qualquer um. Ela o chamava, em francês, de boudoir. Tratava-o como a um santuário. Foi construído no canto norte de sua mansão de 42 quartos em Lenox, acima de uma biblioteca de 2.700 livros, e com vista para colinas distantes, o lago Laurel e um jardim de flores anuais, carregado de petúnias argentinas, em torno de um espelho de água retangular com uma fonte no meio.
Mãos habilidosas para escrever, plantar e arquitetar, Edith projetou com minúcias cada detalhe de O Monte, a mansão de estilo georgiano em que viveu por uma década. No lado norte, criou um giardino segreto, um jardim secreto murado com um mínimo de plantas, pedras cobertas de musgo, bancos debaixo de arcos e um pequeno lago com uma fonte. “Sou melhor paisagista do que novelista”, ela se gabava. Seu primeiro livro, escrito em 1897 com um arquiteto amigo, Ogden Codman, foi The Decoration of Houses. Depois, em 1904, publicou Italian Villas and Their Gardens.
Um dos quartos da casa foi especialmente arrumado para seu hóspede mais bem-vindo, o escritor Henry James, que muito a influenciou. De vez em quando a visitavam também o presidente Teddy Roosevelt e os escritores F. Scott Fitzgerald e Ernest Hemingway.
Mesmo cercada de amigos, na casa que construiu, autora de livros de sucesso e filha de pais magnatas de uma família nova-iorquina tricentenária, Edith era infeliz. Faltava-lhe o marido, Edward ‘Teddy’ Robbins Wharton, 12 anos mais velho do que ela, um socialite e desportista sem nenhuma propensão literária, artística ou cultural, e com a saúde mental e física decaindo progressivamente, a partir de 1903. Foi ele próprio quem confessou que desviava dinheiro da conta bancária comum para manter uma amante em Boston.
O casamento ruiu. E com ele, O Monte. Edith se divorciou em Nova York. “Divorciar em Nova York é um diploma de virtude”, escreveria. Ela deixou a mansão e os Berkshires em 1911, e nunca mais voltou. Foi para a França. De lá partiu de carro para as frentes da Primeira Guerra Mundial. Mandava notícias para os Estados Unidos como correspondente de guerra.
O governo francês a condecorou com a Legião de Honra por ter ajudado os sem-teto franceses e belgas. Mas o que ela encontrou mesmo na França nunca antes tinha vivido até os 46 anos: uma paixão. O amante era Morton Fullerton, um jornalista do London Times em Paris, amigo de Henry James. Tempos felizes… Seu novo círculo de amigos incluía o poeta, cineasta e novelista Jean Cocteau e o escritor André Gide, fora os americanos para quem Paris era uma festa.
Uma única vez Edith voltou aos Estados Unidos. Foi em 1923, quando recebeu o doutorado em letras pela Universidade de Yale – um título inédito para uma americana. Ela também se elegeu membro pleno da American Academy of Arts and Letters, em 1930.
Na farta bibliografia que deixou, o título de um conto chama a atenção: “Xingu” (download grátis: http://www.readbookonline.net/readOnLine/1584/) Mas ela nunca esteve na Amazônia. O rio aparece como cenário para a trama.
O Monte passou por seis proprietários, entre eles uma escola feminina e um grupo de teatro, Shakespeare & Company, até ser tombado e restaurado aos seus dias de glória. Está impecável, um museu com jardins fantásticos abertos para piqueniques.
Edith ficou na França, escrevendo até um ponto final — o ataque cardíaco em 11 de agosto
de 1937, quando tinha 75 anos. Ela foi enterrada no cemitério americano de Versalhes. Em seu túmulo, há uma inscrição em latim: O Crux Ave Spes Única (Salve, oh Cruz, nossa única esperança).