Dia apocalítico

Um

Templo de Jerusalém: duas vezes destruído, no mesmo mês Av, no espaço de 656 anos.

Papa reza no que restou dos templos: o Muro das Lamentações.

Papa reza no que restou dos templos: o Muro das Lamentações.

O dia das maiores tragédias na história do povo judeu, entre o pôr do sol do sábado ao de domingo, 25 e 26/7 neste ano, e a guerra apocalítica de Gogue e Magogue contra Israel, anunciada pelo profeta Ezequiel em seu livro do Velho Testamento, estão próximos.

“Muito próximos” – há quem o diga.

Av é o quinto mês lunar do calendário judaico, o 11 do ano laico; e Tishá b’Av, 9 de Av, o dia mais triste do judaísmo — dia de jejum até de água e luto fechado, como se algum parente estivesse morto. No calendário gregoriano, a combinação forma uma surpresa extra ao lembrar os atentados aéreos contra os Estados Unidos há 14 anos: o 9/11.

Tishá b’Av é precedido por Três Semanas de pesar e lamentações pela destruição dos dois templos de Jerusalém e o exílio do povo judeu. A lamentar neste ano de 5775 (equivalente ao 2015, até 13/9, ano novo judaico) foi a conclusão do acordo entre os EUA e mais cinco potências com o Irã, porque Israel não se convenceu das boas intenções iranianas. Ao contrário: está em pé de guerra.

Adoração ao bezerro de ouro

Adoração ao bezerro de ouro

O primeiro trágico Av foi o da morte de Aarão, aos 123 anos, no alto do monte Hor, perto de Petra, na Jordânia. Ele era o irmão mais velho de Moisés. Enquanto um estava demorando a voltar com o que seria os Dez Mandamentos, o outro não proibiu que seu povo, impaciente no deserto, passasse a adorar um bezerro de ouro. Adveio o castigo divino: Deus decretou que a geração do Êxodo morreria sem pisar a Terra Prometida. E assim se fez: só seus filhos foram para Canaã.

O primeiro Templo de Jerusalém, construído pelo rei Salomão, foi destruído pelos babilônios de Nabucodonosor em Tishá b’Av do ano 586 AC.; e 656 anos depois, em 70 AC., de novo num 9 de Av, os romanos de Tito arrasaram o segundo Templo de Jerusalém, erguido por decreto de Cyrus, o rei da Pérsia.

A revolta dos judeus contra Roma foi liquidada no Tishá b’Av de 135 AC.. Seu líder Simón bar Kochba e toda uma geração de líderes religiosos, inclusive o célebre rabino Akiva, foram executados.

As calamidades continuam em Tishá b’Av:

1095: o papa Beato Urbano II proclama a Primeira Cruzada na Terra Santa;

1290: judeus expulsos da Inglaterra pelo rei Eduardo I.

1492 (2/8): judeus expulsos da Espanha pelo rei Fernando;

1555 (26/7): papa Paulo IV confina os judeus no primeiro gueto de Roma;

1914 (1/8): Alemanha declara guerra à Rússia. Começa a Primeira Guerra Mundial;

1942 (8 de Av): inauguração do campo nazista de extermínio de Treblinka; e

1994 (10 de Av): atentado terrorista mata 85 judeus na Argentina.

Só tragédias? Não. Tishá b’Av também é vivido por muitos judeus como renascimento, 3.500 anos depois de Moisés quebrar as Tábuas da Lei, com os 10 mandamentos, ao descer do Monte Sinai. São sobreviventes de ruinas e perseguições, guardiões da memória viva de um povo vítima de genocídios. Derrotados, triunfaram. Mas estão agora diante de nova ameaça. As peças da terrível profecia de Ezequiel 38-39, a Guerra de Gogue e Magogue contra Israel, vão se encaixando como ao final de um quebra-cabeças.

Gogue e Magogue

A peça agora encaixada foi o Irã. Reabilitado ao mundo pelos EUA e mais cinco potências, em 14/7, com um acordo feito para retardar a produção de sua bomba atômica, o bíblico povo persa invadiu as Três Semanas das tragédias judaicas que culminam no Tishá B’Av, iniciadas em 17 de Tamuz, o domingo 5/7, dia em que os romanos derrubaram as muralhas de Jerusalém, no ano 70 da Era Cristã, e partiram para a destruição do Segundo Templo, encerrada em 9 de Av. Nos novos tempos, a Terra teve seu primeiro encontro com o último planeta então desconhecido do sistema solar, Plutão.

São 21 dias aflitivos, conhecidos por “entre os apertos”. Os judeus ortodoxos os vivem sem se casar, ouvir música, dançar, cortar cabelo, barbear-se, viajar a turismo, vestir roupa nova, comer frutas fora de estação e envolver-se em situações perigosas. Tempo de reflexão. Mas como esquecer o maior dos perigos, o Irã?

Israel é definido como “país de uma bomba só” porque basta apenas uma, detonada em Tel-Aviv, para desaparecer do mapa. Restariam-lhe cinco submarinos nucleares que submergeriam para retaliar. Ouça o que disse o ex-presidente do Irã, Ali Akbar Hashemi Rafsanjani — e tenha a dimensão do terror em que vivem os israelenses:

“Bem-vinda uma guerra nuclear com Israel. Ela pode matar 15 milhões de pessoas, mas ainda restarão dois bilhões de muçulmanos na Terra, enquanto não haverá mais nenhum judeu onde existiu Israel”.

Apenas 1529 palavras no livro de Ezequiel, capítulos 38 e 39, anunciam e descrevem a guerra devastadora que paira sobre a Terra Santa. Já renderam milhões de outras palavras que as tentaram decifrar, em muitas línguas e em várias religiões. Volta e meia alguém as retoma para anunciar: o fim está próximo. É o que está acontecendo.

A profecia


Profeta Ezequiel

Profeta Ezequiel

38.1   Veio a mim a palavra do SENHOR, dizendo:

38.2   Filho do homem, volve o rosto contra Gogue, da terra de Magogue, príncipe de Rôs, de Meseque e Tubal; profetiza contra ele

38.3   e dize: Assim diz o SENHOR Deus: Eis que eu sou contra ti, ó Gogue, príncipe de Rôs, de Meseque e Tubal.

38.4   Far-te-ei que te volvas, porei anzóis no teu queixo e te levarei a ti e todo o teu exército, cavalos e cavaleiros, todos vestidos de armamento completo, grande multidão, com pavês e escudo, empunhando todos a espada;

38.5   persas e etíopes e Pute com eles, todos com escudo e capacete;

38.6   Gômer e todas as suas tropas; a casa de Togarma, do lado do Norte, e todas as suas tropas, muitos povos contigo.

38.7   Prepara-te, sim, dispõe-te, tu e toda a multidão do teu povo que se reuniu a ti, e serve-lhe de guarda.

38.8   Depois de muitos dias, serás visitado; no fim dos anos, virás à terra que se recuperou da espada, ao povo que se congregou dentre muitos povos sobre os montes de Israel, que sempre estavam desolados; este povo foi tirado de entre os povos, e todos eles habitarão seguramente.

38.9   Então, subirás, virás como tempestade, far-te-ás como nuvem que cobre a terra, tu, e todas as tuas tropas, e muitos povos contigo.

38.10   Assim diz o SENHOR Deus: Naquele dia, terás imaginações no teu coração e conceberás mau desígnio;

38.11   e dirás: Subirei contra a terra das aldeias sem muros, virei contra os que estão em repouso, que vivem seguros, que habitam, todos, sem muros e não têm ferrolhos nem portas;

38.12   isso a fim de tomares o despojo, arrebatares a presa e levantares a mão contra as terras desertas que se acham habitadas e contra o povo que se congregou dentre as nações, o qual tem gado e bens e habita no meio da terra.

38.13   Sabá e Dedã, e os mercadores de Társis, e todos os seus governadores rapaces te dirão: Vens tu para tomar o despojo? Ajuntaste o teu bando para arrebatar a presa, para levar a prata e o ouro, para tomar o gado e as possessões, para saquear grandes despojos?

38.14   Portanto, ó filho do homem, profetiza e dize a Gogue: Assim diz o SENHOR Deus: Acaso, naquele dia, quando o meu povo de Israel habitar seguro, não o saberás tu?

38.15   Virás, pois, do teu lugar, dos lados do Norte, tu e muitos povos contigo, montados todos a cavalo, grande multidão e poderoso exército;

38.16   e subirás contra o meu povo de Israel, como nuvem, para cobrir a terra. Nos últimos dias, hei de trazer-te contra a minha terra, para que as nações me conheçam a mim, quando eu tiver vindicado a minha santidade em ti, ó Gogue, perante elas.

38.17   Assim diz o SENHOR Deus: Não és tu aquele de quem eu disse nos dias antigos, por intermédio dos meus servos, os profetas de Israel, os quais, então, profetizaram, durante anos, que te faria vir contra eles?

38.18   Naquele dia, quando vier Gogue contra a terra de Israel, diz o SENHOR Deus, a minha indignação será mui grande.

38.19   Pois, no meu zelo, no brasume do meu furor, disse que, naquele dia, será fortemente sacudida a terra de Israel,

38.20   de tal sorte que os peixes do mar, e as aves do céu, e os animais do campo, e todos os répteis que se arrastam sobre a terra, e todos os homens que estão sobre a face da terra tremerão diante da minha presença; os montes serão deitados abaixo, os precipícios se desfarão, e todos os muros desabarão por terra.

38.21   Chamarei contra Gogue a espada em todos os meus montes, diz o SENHOR Deus; a espada de cada um se voltará contra o seu próximo.

38.22   Contenderei com ele por meio da peste e do sangue; chuva inundante, grandes pedras de saraiva, fogo e enxofre farei cair sobre ele, sobre as suas tropas e sobre os muitos povos que estiverem com ele.

38.23   Assim, eu me engrandecerei, vindicarei a minha santidade e me darei a conhecer aos olhos de muitas nações; e saberão que eu sou o SENHOR.

39.1   Tu, pois, ó filho do homem, profetiza ainda contra Gogue e dize: Assim diz o SENHOR Deus: Eis que eu sou contra ti, ó Gogue, príncipe de Rôs, de Meseque e Tubal.

39.2   Far-te-ei que te volvas e te conduzirei, far-te-ei subir dos lados do Norte e te trarei aos montes de Israel.

39.3   Tirarei o teu arco da tua mão esquerda e farei cair as tuas flechas da tua mão direita.

39.4   Nos montes de Israel, cairás, tu, e todas as tuas tropas, e os povos que estão contigo; a toda espécie de aves de rapina e aos animais do campo eu te darei, para que te devorem.

39.5   Cairás em campo aberto, porque eu falei, diz o SENHOR Deus.

39.6   Meterei fogo em Magogue e nos que habitam seguros nas terras do mar; e saberão que eu sou o SENHOR.

39.7   Farei conhecido o meu santo nome no meio do meu povo de Israel e nunca mais deixarei profanar o meu santo nome; e as nações saberão que eu sou o SENHOR, o Santo em Israel.

39.8   Eis que vem e se cumprirá, diz o SENHOR Deus; este é o dia de que tenho falado.

39.9   Os habitantes das cidades de Israel sairão e queimarão, de todo, as armas, os escudos, os paveses, os arcos, as flechas, os bastões de mão e as lanças; farão fogo com tudo isto por sete anos.

39.10   Não trarão lenha do campo, nem a cortarão dos bosques, mas com as armas acenderão fogo; saquearão aos que os saquearam e despojarão aos que os despojaram, diz o SENHOR Deus.

39.11   Naquele dia, darei ali a Gogue um lugar de sepultura em Israel, o vale dos Viajantes, ao oriente do mar; espantar-se-ão os que por ele passarem. Nele, sepultarão a Gogue e a todas as suas forças e lhe chamarão o vale das Forças de Gogue.

39.12   Durante sete meses, estará a casa de Israel a sepultá-los, para limpar a terra.

39.13   Sim, todo o povo da terra os sepultará; ser-lhes-á memorável o dia em que eu for glorificado, diz o SENHOR Deus.

39.14   Serão separados homens que, sem cessar, percorrerão a terra para sepultar os que entre os transeuntes tenham ficado nela, para a limpar; depois de sete meses, iniciarão a busca.

39.15   Ao percorrerem eles a terra, a qual atravessarão, em vendo algum deles o osso de algum homem, porá ao lado um sinal, até que os enterradores o sepultem no vale das Forças de Gogue.

39.16   Também o nome da cidade será o das Forças. Assim, limparão a terra.

39.17   Tu, pois, ó filho do homem, assim diz o SENHOR Deus: Dize às aves de toda espécie e a todos os animais do campo: Ajuntai-vos e vinde, ajuntai-vos de toda parte para o meu sacrifício, que eu oferecerei por vós, sacrifício grande nos montes de Israel; e comereis carne e bebereis sangue.

39.18   Comereis a carne dos poderosos e bebereis o sangue dos príncipes da terra, dos carneiros, dos cordeiros, dos bodes e dos novilhos, todos engordados em Basã.

39.19   Do meu sacrifício, que oferecerei por vós, comereis a gordura até vos fartardes e bebereis o sangue até vos embriagardes.

39.20   À minha mesa, vós vos fartareis de cavalos e de cavaleiros, de valentes e de todos os homens de guerra, diz o SENHOR Deus.

39.21   Manifestarei a minha glória entre as nações, e todas as nações verão o meu juízo, que eu tiver executado, e a minha mão, que sobre elas tiver descarregado.

39.22   Desse dia em diante, os da casa de Israel saberão que eu sou o SENHOR, seu Deus.

39.23   Saberão as nações que os da casa de Israel, por causa da sua iniqüidade, foram levados para o exílio, porque agiram perfidamente contra mim, e eu escondi deles o rosto, e os entreguei nas mãos de seus adversários, e todos eles caíram à espada.

39.24   Segundo a sua imundícia e as suas transgressões, assim me houve com eles e escondi deles o rosto.

39.25   Portanto, assim diz o SENHOR Deus: Agora, tornarei a mudar a sorte de Jacó e me compadecerei de toda a casa de Israel; terei zelo pelo meu santo nome.

39.26   Esquecerão a sua vergonha e toda a perfídia com que se rebelaram contra mim, quando eles habitarem seguros na sua terra, sem haver quem os espante,

39.27   quando eu tornar a trazê-los de entre os povos, e os houver ajuntado das terras de seus inimigos, e tiver vindicado neles a minha santidade perante muitas nações.

39.28   Saberão que eu sou o SENHOR, seu Deus, quando virem que eu os fiz ir para o cativeiro entre as nações, e os tornei a ajuntar para voltarem à sua terra, e que lá não deixarei a nenhum deles.

39.29   Já não esconderei deles o rosto, pois derramarei o meu Espírito sobre a casa de Israel, diz o SENHOR Deus.


mapa

Na geografia do Velho Testamento, Magog hoje seria a Rússia; Pérsia, o Irã; Meseque e Tubal, repúblicas da ex-União Soviética; Gômer, Europa do Leste e Alemanha; Togorma, Turquia; Cush, Sudão; e Pute, Líbia.

A faísca capaz de acender o apocalipse é um ataque de Israel a um aliado de Gogue — no caso, o Irã, ex-pérsia. O primeiro-ministro israelense Bibi Netanyahu o ameaça constantemente, desconfiado dos aiatolás que já armam grupos terroristas no Líbano e em Gaza em duas fronteiras de Israel. A seu favor, ele tem dois precedentes: em 1981, o premiê Menachem Beguin mandou sua força aérea destruir o reator nuclear Osirak perto de Bagdá, no Iraque — e quando ele próprio telefonou para dar a notícia a uma rádio em Tel-Aviv, o repórter desligou comentando: “Um louco ligou para dizer que bombardeamos a central nuclear de Saddam Hussein”.

Em 2007 houve outro ataque preventivo que destruiu uma usina atômica na Síria montada por norte-coreanos. Imperou o silêncio total, sírio e israelense, só rompido, quase um ano depois, com o vazamento de correspondência diplomática dos EUA pelo WikiLeaks. Curioso: Barack Obama, então senador, na época, deu o seu apoio ao direito de Israel a atacar para se defender.

Magog é introduzido no Gênesis 10:2 como neto de Noé. Seus descendentes acabaram se instalando ao “norte distante” de Israel, certamente a Rússia. As terras de Meseque e Tubal são identificadas como duas das ex-republicas soviéticas, então novamente conquistadas. A invasão da Geórgia, em 2008, que deu independência a Ossetia do Sul, e a da Ucrânia, em 2014, com a Crimeia trocando de soberania, serve como um prenúncio.

Na profecia de Ezequiel, Gogue só sairá da terra de Magogue para guerrear contra Israel depois de muita relutância. Tanto resistiu que Deus, ele próprio, o provocou ao confronto. A formidável aliança russa, incluindo turcos, sudaneses, líbios, etíopes e alemães, marcha então para a Terra Santa com “hábeis guerreiros”, escudos e capacetes, para punir os judeus pelo ataque aos persas.

Israel estará só na guerra, tendo perdido todos os antigos aliados. Os Estados Unidos só observam. Mas Deus vem ao socorro de seu povo. Ezequiel descreve o final:

E sucederá que, naquele dia, darei ali a Gogue um lugar de sepultura em Israel, o vale dos que passam ao oriente do mar; e pararão os que por ele passarem; e ali sepultarão a Gogue, e a toda a sua multidão, e lhe chamarão o vale da multidão de Gogue.

E a casa de Israel os enterrará durante sete meses, para purificar a terra.

(Ezequiel 39:11,12)

Veja também: Ah Jerusalém.

Link para Sinai

GOTAS DE SANGUE NO SERINGAL

TIT

XAPURI, 27/02/1997  – Gotas de leite pingam da seringueira ferida. Até estancar vão encher três colheres de sopa – a dose diária. Em um mês de sangradouro, darão 1 quilo e 800 gramas. Cada quilo está valendo R$ 0,60, embora cotado a R$ 1,30. Com uma “estrada de 150 pés”, o seringueiro Manoel Barbosa de Brito faz R$ 13,50 por mês, na selva no fim do Brasil, quase Bolívia, a três horas de barco de Xapuri, no Acre. Seringais abandonados, cidades incham com os miseráveis ex-protetores da floresta em busca de trabalho inexistente. A herança do líder seringueiro Chico Mendes está se exaurindo, como uma seringueira seca, coberta de cicatrizes.

“Não quero flores no meu enterro, pois sei que vão arrancá-las da floresta”, pediu Chico Mendes numa palestra em São Paulo, 17 dias antes de ser assassinado por um tiro de escopeta que lhe abriu 48 perfurações no corpo. Mas flores lilases nasceram em seu túmulo. Arrancados da floresta, os seringueiros do Acre estão hoje em três ônibus a caminho de Brasília. Querem falar com o presidente Fernando Henrique Cardoso. E vão esperá-lo acampados diante do Palácio do Planalto na segunda e terça-feira.

xapuri-acre  O padroeiro de Xapuri lembra uma seringueira ferida. Da estátua de São Sebastião, no porto em que os Rios Acre e Xapuri se encontram, o sangue escorre como látex. Foi por acaso que o seringalista Antero Almeida da Silva encostou-se na estátua para lamuriar-se: “Já produzi num ano 143 toneladas de borracha, mas não ganhei nada.” Aos 57 anos, 31 no seringal, ele não ganhou nem mesmo um sucessor entre os dez filhos. “Nenhum quer ir para lá”, diz, apontando para além da confluência dos rios, onde brincam três botos-rosa. “Lá na mata, o quilo da borracha está a R$ 0,60.” Desembarcada no porto, a borracha pode valer R$ 0,80. “Só em 96 gastei R$ 2 mil com transporte de seringueiros doentes.” Para ele, “não dá para o Brasil competir com a borracha da Ásia”.

Os seringueiros da Amazônia produziram 4 mil toneladas de borracha em 96.

Outras 37 mil toneladas foram extraídas de seringais em Mato Grosso, São Paulo e Bahia. Com uma produção de 41 mil toneladas, o Brasil consome 145 mil toneladas. “E já fomos responsáveis por 100% da produção de borracha no mundo”, lembra o vice-presidente do Conselho Nacional de Seringueiros (CNS), Juarez Leitão dos Santos. A reviravolta é creditada a um inglês, Sir Henry Wickham. Em 1876, ele contrabandeou 70 mil sementes da seringueira Hevea brasiliensis, “a que dá o látex mais puro”. Levadas para a Malásia, Indonésia, Vietnã e Tailândia, hoje produzem borracha que vai custar US$ 2 o quilo, depois de beneficiada. A produção brasileira chega ao beneficiamento por três dólares.

FESTA NO SERINGAL, POR ÂNGELA GOMES

FESTA NO SERINGAL, POR ÂNGELA GOMES

“Todo mundo vem para a Amazônia saquear; ninguém para investir”, reclama Leitão dos Santos, caminhando sobre bolas de borracha defumada de uma praça dedicada aos seringueiros em Rio Branco, a 185 quilômetros de buracos e lama de Xapuri, centro da Reserva Extrativista Chico Mendes, espalhada por sete municípios, com 9.705 quilômetros quadrados. Ele ainda lembra um aspecto social muito importante: comprar da Malásia “é premiar um trabalho sob péssimas condições sociais”, enquanto “o correto seria investir nas 22 mil famílias que sobrevivem do extrativismo só no Acre”.

“Uma espingarda custava 20 quilos de borracha em 1948”, conta Leitão dos Santos. O auge da borracha passou com a Segunda Guerra Mundial. E a “degradação” veio com a borracha sintética. “Hoje não se compra uma espingarda por menos de 400 quilos”, ele acrescenta. Os soldados da borracha de um exército instituído pelo presidente Getúlio Vargas, como alternativa à convocação para a guerra, voltaram endinheirados às suas cidades, a maioria no Ceará. Restam alguns soldados aposentados em Xapuri. Vendem picolé de cupuaçu a R$ 0,10 pelas ruas. “Até o presidente Collor, trocava-se 1 quilo de borracha por 1 de carne, mas desde então viramos miseráveis”, conta Leitão dos Santos.

Alistada no exército da borracha aos 13 anos, em 1943, Lindaura Viana da Silva passou para a “reserva” em 1968. É a dona do Hotel Veneza, o único recomendável de Xapuri, com 20 quartos recendendo a mofo e várias paredes grafitadas por hóspedes, dispensando quadros. Grudada ao lado do seio esquerdo, quase à mostra, uma folha de capeba combate um tumor crescente e dolorido. Ela tem também uma receita caseira para a penúria que corrói a cidade que Chico Mendes tornou famosa mundialmente: “Não corta seringa tem que quebrar castanha.” Mas é o que fazem os seringueiros isolados na floresta. Só que ganham R$ 0,80 por lata com 18 quilos de castanha. Como a borracha, “o preço não compensa”.

seringueiro Numa palafita à margem do igarapé Riozinho, a uma hora por voadeira Rio Xapuri acima, Sebastião Diogo, de 58 anos, vai além: planta milho, arroz e banana.

“Com o seringal não dá nem para comprar sal”, rima e reclama. Por baixo da casa ciscam galinhas, patos e chafurdam leitões. A família pisa na lama descalça. E reza com vizinhos distantes, aos domingos, numa pequena capela levantada nos fundos. Padre Luiz vem num lento barco a motor. Daria um dia de viagem desde Xapuri, remando. A clareira até a floresta torna-se fechada e densa e lembra alguma obra do polonês Frans Krajberg, com árvores derrubadas e troncos calcinados.

Com R$ 13,50 por mês, o seringueiro Manoel Barbosa de Brito, de 58 anos, não poderia viver. Então, ele vai trocando, aos poucos, a borracha por arroz. A caminho do arrozal, ainda “risca” algumas “madeiras”, como diz. Faz um corte diagonal, em 1/3 da circunferência do tronco, e espera sangrar. O látex cai numa latinha que recolherá quando voltar, já anoitecendo. Tem 150 pés, numa “estrada” imaginária, sem ser contínua. Os troncos próximos mostram cicatrizes antigas. São árvores no auge da safra, entre 15 e 30 anos. Um filho de 10 anos, Marivaldo, vai junto “para aprender”. Também já está riscando. O próprio Chico Mendes às vezes o acompanhava. “Éramos muito amigos; vivo hoje, ele não permitiria que os preços caíssem a ponto de nos ameaçar.” Rio Xapuri abaixo, o seringueiro Francisco Roque, de 48 anos, também diz que “está faltando um líder como foi Chico Mendes”. E explica: “O homem sabia apertar os políticos em Brasília.” Mas ele lembra que “já houve tempos piores”, sem que lhe ocorram exemplos. Para safar-se da crise, diversificou a produção.

Tornou-se um modelo apresentado num programa nacional de tevê. No sítio que divide com o irmão e a avó de 80 anos, Judite, tem arroz, milho, banana, castanha, animais e 200 seringueiras. Planta até a palmeira aricuri para as folhas que servem de teto. E os urucuzeiros estão em flor, pontilhando a floresta de vermelho.

Roque vive num oásis dentro do caos, sob a proteção de São Sebastião, que zela em vários quadros do alpendre o mundo líquido de sangue, látex e rio caudaloso e barrento. O extremo oposto está na Sibéria, um bairro de Xapuri em que vivem Joana Batista de Oliveira e seus sete filhos – a família de Pelé, como é conhecido Antônio Marcelino Pereira, um seringueiro que fugiu da floresta para o desemprego na cidade. Ele só aparece aos sábados, vindo de biscates distantes.

“Aqui sofremos mais do que no seringal”, lamenta Joana, gêmeos de dois anos no colo. O quartinho em que dormem amontoados em redes foi dado por um compadre.

“É difícil ter comida.” Os filhos maiores não estudam nem trabalham.

“Estaríamos todos nus se não ganhássemos roupas.” E ela própria está fraquejando: “Comecei a sentir falta de ar e doidice na cabeça.” Crianças chorando, o quarto quente como sauna com o fogão a lenha queimando, ela não perde o humor: “Aqui só está faltando uma tevê.” E ri sozinha.

De Xapuri emana um humor mórbido. Ao lado do cemitério, na entrada da cidade, foi inaugurado um clube de dança batizado de Pé na Cova. Ainda há outros: Pau do Meio, Periquitão, Espoca Chato e Forró do Gavião. Baila-se a partir de quinta-feira até o domingo, todas as noites, como na época áurea do boom da borracha. “Tivemos o melhor carnaval dos últimos tempos”, dizem saudosos foliões. Prefeito há 50 dias, Júlio Barbosa de Aquino, o sucessor de Chico Mendes no Sindicato Rural de Xapuri, tem uma explicação: “Aqui tudo funciona como enfeite de boneca.”

RIO ACRE

RIO ACRE

Meus Murilos

MU(Este texto contém formatação incompatível com as limitações de um blog. Por isso, título e abertura, abaixo, foram escaneados. A partir daí, outras fontes citadas não aparecem, como no original, publicado no blog “amigosdomurilo”, criado após sua morte, em maio de 2007.)

abre MU

O tipo que marcou o nosso reencontro, na última fase da vida do Murilinho, foi o Gulliver, do holandês Gerard Unger, que também fez o Coranto, usado pelo jornal Valor. Pena que não o tenha agora para vestir este tributo. Então, vamos adiante mesmo com o Georgia, que é um dos meus preferidos atualmente.

 Havia tempo que não trabalhávamos juntos. Separamo-nos quando Mu passou para a publicidade, e eu continuei no JT/ Estadão/Eldorado, correspondente oito anos em Israel, seis em Washington e mais dois anos em Paris, então para a Época – quase 20 anos sem nos ver, falar ou escrever.

Foi o Murilo quem me tirou de Belo Horizonte, no final de 1965, para formar a equipe que fundaria o JT no começo de 1966, e também do Brasil, para o Oriente Médio, em 1977, quando o presidente egípcio Anuar Sadat visitou Jerusalém, iniciando o processo de paz com Israel, ainda hoje muito longe de ser concluído.

– Vai e espera a paz – ele me pediu.

Agora estávamos de volta ao JT para recriá-lo, sob a direção de Fernão Mesquita. Reencontrei Murilinho excitado com o trabalho, como nos primeiros tempos. Mas sua saúde estava fragilizada, desde um escorregão feio na neve, em Nova York. Quebrou uma perna. Ficou um tempo hospitalizado, até voltar a São Paulo. Já não carregava mais jornais e revistas debaixo do braço, a sua antiga marca registrada. E mancava. Saía da redação para sessões de fisioterapia. E parecia ainda mais encurvado que antes. Tomava uma cápsula dissolvida em água, e alguns outros comprimidos, mas não os apresentava nem os explicava a ninguém. Já não ria da hipocondria que costumava projetar nos amigos. Nem se vangloriava de sua terapia ortodoxa.

– O Samuel anda de farmácia em farmácia perguntando: chegou alguma novidade da Bayer? – era um de seus casos preferidos. Ele próprio tinha se revelado um hipocondríaco sofisticado ao perguntar ao “Dr. Lisboa”, na verdade apenas um jornalista: “Existe câncer no coração?” Uma vez, a bordo de seu Opala branco, todo branco por dentro, como as paredes e os sofás de sua sala na redação, atravessou a Rebouças distraído. Um carro o pegou. Perdeu a memória por quase um mês. E recomeçou a viver com muito medo da morte. Tornou-o público, em conversas com amigos.

imgres-3Mudou de assunto – não mais a morbidez que o perseguia. Quando não falava de jornalismo, contava da interminável reforma em seu apartamento. Interessava-se por qualquer obra em andamento. Queria saber de pisos, maçanetas, pias, azulejos. E dava palpites, tão informado quanto em sua outra incontestável especialidade, os aparelhos de som. Pedia-me para entrar em sites suecos, ele que ainda não sabia navegar na internet, para ficar apreciando válvulas. E se deleitava. Prometia que logo compraria um computador, só que antes queria ter certeza: Mac ou PC? Não tinha email. Ele gostava é de bilhetes em laudas, quanto mais comprometedores melhor. Colecionava-os. Uma vez me surpreendeu trazendo todos os meus pedidos de demissão, alguns amarelecidos pelo tempo.

A primeira missão que recebi no nosso reencontro foi a de descobrir qual era, afinal, aquele tipo usado no USA Today. A reforma do Murilo já estava andando quando voltei ao JT. Eu recuperava os anos de separação rapidamente. Muita coisa continuava igual. Redatores paparicados ontem, hoje desprezados. Tensão nas relações, nas reuniões e pelos corredores. Reclamações zangadas. Novo layout na redação para afastar quem tinha se tornado vizinho inconveniente da chefia. E a musa. Numa redação de Murilo havia que ter uma. Assim foi no Departamento de Pesquisa do JB. E no JT. Tudo temperado por muita fofoca, venenos inventados que criavam um clima no qual ele se sentia bem à vontade. Assédio moral? Não, isso não existia, mesmo que não o tratassem mais como um déspota, a “Rainha”, o célebre apelido que acabou ao se colorir a fase do puro branco.

Foi facílimo me desincumbir da primeira missão. Bastou um rápido telefonema para o Departamento de Arte do USA Today. “Gulliver”, respondeu quem atendeu. Nem nos apresentamos. Pus o nome do tipo no Google e cheguei a Gerard Unger, em Amsterdã. O negócio foi fechado alguns dias depois – e, se não me engano, por 25 mil dólares. Para se ter uma idéia, comprei uma fonte nova para o jornal que hoje dirijo – esta, Palatino Linotype, por apenas 90 dólares. A outra que ainda comprarei, Miller, está orçada abaixo de 500 dólares.

Que não se pense que o Murilo, ao ter o Gulliver em todos os computadores da redação, adotou-o assim, sem mais nem menos. Colocou-o em testes. Combinou inúmeras variações. Casamentos entre tipos diferentes. Encomendou centenas de provas. Queria estabelecer o espaçamento ideal entre as letras. E regras de uso. E eis que um dia, enfim, quando estávamos todos exaustos do laboratório gráfico, o Gulliver apareceu para os caros leitores do JT. O jornal se vestia de primeiro mundo numa roça que pouco ou nada o percebeu. Não houve cartas de leitores emocionados.

01Importante é que o Murilo estava contente. Agora vai, todos torcíamos. Nem mesmo o sumiço da lapiseira com que sempre desenhava a capa do jornal arrefeceu o seu ânimo. Substituiu-a por uma das comuns, amarelas, uma daquelas que a gente descobre ter sido clonada na China. Ficou de ótimo humor por alguns dias. Assobiava Mozart, e não porque estivesse morrendo de ódio, como antigamente, na primeira fase do JT. Era só ouvir Mozart, e todos saíamos de perto. Vivaldi também.

Murilo era um tipo de manias. Seria assim como a fonte Kristen, associada à instabilidade, mas também à criatividade, ao feminino, à rebeldia e à excitação, como concluiu um estudo de percepção de fontes divulgado recentemente nos principais blogs de designers nos Estados Unidos. Sempre foi também ritualista, metódico. Repetia os restaurantes de que gostava, se possível sentando na mesma mesa, atendido pelo mesmo garçom, comendo o mesmo prato. Nos primórdios do JT, era o Gigeto. Depois, o Giovani Bruno, onde nem precisava pedir.

Eu, por Murilinho.

Eu, por Murilinho.

Nessa época, ele bebia vinho, e vinho importado, para desespero dos repórteres que o acompanhavam e com quem ele dividia a conta. Para nós, bastaria um chope, ou uma caipirinha. Nos últimos tempos freqüentava o Spot. Comigo gostava de comer bacalhau no La Bourse, na Bolsa de Valores, no velho centrão, onde nos reencontrávamos as sextas-feiras, depois que ambos deixamos o JT. Quando ainda havia pregão, encontrávamos os corretores jogando numa mesa de fundo do restaurante. Ele ficava fascinado, vendo-os. Tinha muito de sua economia pessoal em jogo ali naquele prédio, movimentado talvez por aqueles jogadores.

Outra mania notável do Murilinho o levou a conhecer os expedientes dos jornais internacionais. Guardava como um tesouro a coleção completa da revista alemã Twen, do revolucionário Willy Fleckhaus, que idolatrava. Falava com desenvoltura de mudanças em redações em Nova York e Londres. Sabia das últimas do mundo editorial. Do redesenho no Financial Times, que ele aplaudiu. Do nascimento do Sun NY, pró-israelense, que achava apenas correto, “todo certinho”. (Nunca vi ninguém querer tanto ser judeu… Sabia o significado das principais festas judaicas. E perguntava quando estourava mais uma crise no Oriente Médio: “Como é que estamos?” – por nós, entenda-se, os israelenses. Pensei em escolher para este texto fontes hebraicas – Aharoni, David, Miriam, Guisha, Levenim… Mas nem todas têm caracteres ocidentais. Seria uma forma de homenagear essa faceta dele que remetia a Woody Allen.

Murilo e Mino Carta deram uma lição única ao jornalismo brasileiro com o JT. Na maioria dos jornais, até hoje, repórter e redator preenchem módulos pré-moldados pela diagramação. A realidade que se adapte aos formatos, ou se limite aos tamanhos disponíveis. No JT, não: cada página era uma. O editor a desenhava depois de ler o texto e ver as fotos, muitas vezes já tendo um título pronto. Eu aprendi a desenhar páginas como se escrevesse um texto. Mas dei muitas rabinadas, como eram chamados os meus erros. E fugia constantemente do padrão: ai já era um neilismo, em homenagem a Neil Ferreira, com quem eu almoçava às vezes num restaurante macrobiótico, no Largo do Arouche. Os dois trabalharam juntos na Folha e depois na DPZ, um com o D e o outro com o Z. Também fui rabininho, nos acertos. E rabinóia, se baixasse em mim a paranóia de que estava sendo perseguido, aliás normal em judeus.

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Mino não cultuava tanto o formalismo como o Murilo. Desenhava páginas também, e boas, mas era mais conteúdo. Sentava-se ao lado de repórteres com que topava travados em textos, pela madrugada, quando já ia embora, e ficava um pouquinho mais para socorrê-los. Um dia me pegou, procurando sem achar uma abertura, e me perguntou: “Mas qual foi a última coisa que aconteceu nesta sua matéria?” Depois, emendou: “Comece com ela…” Simples! Usei a ‘técnica’ para escrever num telex em Beirute que podia usar só por meia-hora por dia. Com uma agravante: telex não tem retorno, arrependimento. Escreveu, está escrito. Depois da primeira palavra, digita-se a segunda, então a terceira e assim até o final. Sem correções.

Murilo dava idéias ótimas de pauta, títulos certeiros e criava capas excepcionais. Mas pouco ou nada escrevia, além de legendas e olhinhos durante o fechamento. Ditava para o redator, na maioria das vezes. Na verdade, só li um texto dele, ótimo, publicado na revista Senhor: “A História das Histórias em Quadrinhos”. Vi em seu apartamento um belo piano de cauda. Também nunca o flagrei tocando. Amigos me disseram que tocava, sim, e até bem.

Os dois mestres brigaram uma noite no Gigeto, quando não trabalhavam mais juntos. Murilo levantou-se de sua mesa e foi cochichar em outra uma maldade sobre o Mino, e para – é claro! – o próprio Mino. Fofoca era irresistível para ele. Sucumbia à tentação sem medir conseqüências. Mesmo que o preço fosse alto. Acho que os dois nunca se reconciliaram. Nem na morte. Nós também brigamos uma única vez, neste reencontro no JT. Mas fizemos as pazes em seguida numa conversa no corredor, quando eu já ia embora.

Armava-se um vendaval no Grupo Estado. E nos separamos assim que ele desabou. Murilo foi o primeiro a ser abatido. Eu o vi saindo, encurvado e humilhado, e senti uma imensa tristeza. Lá ia o homem que tentava recriar o jornal de sucesso que criou décadas atrás. Partia sem volta. Para sempre. Quanta dor não terá sentido! Eu me antecipei, avisando que iria embora para dirigir o Diário do Comércio, publicado pela Associação Comercial de São Paulo. Era um novo desafio para mim. Não tinha aceitado o convite antes a pedido do Murilo. Agora sem ele, e indignado com o que lhe fizeram, era a única escolha. Mas me pediram que ficasse um pouco mais, tocando o jornal.

Murilo virou um poço de amargura. Escandalizava-se com o rumo popularesco dado ao JT, na contramão de tudo o que recomendava uma pesquisa feita ainda ao seu tempo. Numa sexta-feira de bacalhoada, que agora nos unia, paramos numa banca de jornal. Estava lá o jornal exposto. Não nos identificamos nenhum milímetro com o que vimos.

– Assim, o JT vai acabar – ele prognosticava. Mas agora eu acho que era ele, Murilo, que já estava morrendo. Suas visitas ao Diário do Comércio rareavam. Ele gostava de rever algumas das vítimas do vendaval no Estadão incorporados à minha equipe, ouvia meus impasses tipográficos sem opinar e nunca criticou o jornal, embora o recebesse toda manhã. Sumiu. Amigos comuns contavam: “ele comprou um Mac, finalmente”; “acabou a reforma infindável em seu apartamento”; “viajou para Lavras” (a sua cidade, em Minas); “o irmão morreu…”

Fui atrás do Murilo. Marcamos um bacalhau. Ele pediu: “convida a Tatiana”. Em cima da hora, nós já caminhando para o La Bourse, tocou meu celular: não estava bem, não viria. “Tudo que engulo embrulha meu estômago”. Na quinta-feira seguinte, voltou a chamar: “Não estou bem ainda. Acho que é um remédio que está me fazendo mal. Vamos tentar a próxima sexta”. E na próxima sexta eu é que liguei. Atendeu a filha, Carlota: – Papai acabou de morrer!

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A primeira capa do JT

A primeira capa do JT

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A crise que produziu uma safra de enforcados

Essa crise econômica só começando

remeteu-me a outra, em 1995, há 20 anos,

em que 19 endividados de Irecê, na Bahia, foram

encontrados balançando em umbuzeiros.

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Foto de um enforcado em umbuzeiro em Saloá, PE, feita pelo vereadorwellingtonfreitas.blogspot.com

ireIRECÊ, Bahia (23/10/1995) — Como frutos dos umbuzeiros da caatinga, balançam os corpos dos enforcados. A safra dos suicidas é alarmante: 19 corpos já foram colhidos em cinco meses pela Delegacia Regional de Irecê, no médio São Francisco, a 474 km de Salvador. A maioria, 14, pendia como imbus, presa aos galhos por cordas de sisal ou por um cipó.

“Aqui jaz o Plano Real” — diz em Irecê o vereador e agricultor Indolécio Vanderlei Soares.

“Vivemos uma crise muito grande” — explica o prefeito Henrique Sobral.

“A maioria dos suicidas é agricultor ou tem algum elo com agricultura” — constata o delegado-regional Carlos Laranjeira.

“Três anos consecutivos de seca, somados às dificuldades geradas pelo Plano Real, com elevadíssimas taxas de juros e a falta de crédito agrícola, mergulharam no mais completo e absoluto caos os 19 municípios da microrregião de Irecê – até pouco tempo o maior celeiro de grãos do Nordeste, responsável pela produção de 20% do feijão consumido no Brasil” — protestou na Câmara, em Brasília, o deputado Cláudio Cajado (PFL-Bahia).

O ÚLTIMO – Do monte de sisal beneficiado, José Evaristo Cunha tirou um feixe. Foi para a roça no interior de Canarana, onde morava com a mulher e cinco filhos, a 46 km de Irecê. Ao camponês que o viu entrando na caatinga, avisou: “Vou buscar um jegue”. Procurado mais tarde, tanto que demorava a voltar, lá estava ele, balançando num umbuzeiro.

Morreu no dia em que nasceu, 18 de outubro, com 54 anos. Vestiu-se com uma roupa velha, porém limpa, e cobriu a cabeça com um chapéu. Amarrou-se na árvore escolhida apoiando-se num balde. Chutou-o, então, e à própria vida. A família passou com o corpo por Irecê, para autópsia, e prosseguiu viagem para o enterro em Conceição do Coité, a uns 100 quilômetros de Feira de Santana. O escrivão e repórter policial Ezequias Dourado inaugurou  o item “Canarana” em sua lista dos suicídios.

Dois cunhados de Evaristo explicam o suicídio com motivos contraditórios. O que o ajudou a recobrar-se do Plano Collor, dando-lhe um motor para beneficiar o sisal, Deraldo da Cunha, o Vavá, lamentava na sexta-feira: “O finado foi vítima de dois planos econômicos”. Lembrou: “Ele estava começando a se organizar de novo”. Até emprestava dinheiro a juro, dois anos e oito meses depois de trabalhar como servente em Salvador. “Mas, com a crise, ninguém estava podendo lhe pagar…” Nico acrescenta um sintoma visível do suicídio em gestação: “Vivia sem assunto, arredio”.

Dona do restaurante e hotel “Volte Sempre”, em Canarana, Durvalina Araújo Carneiro concorda com Vavá: “Evaristo não caçava conversa com ninguém”. Só que sua explicação não é a crise econômica, mas a mental. “Ele achava que tinha uma doença que lhe inchava o rosto”, nunca inchado. Cunhada, e também prima, ela o lembra com “uma pessoa de ouro”, que “pagava todo mundo direitinho para morrer sem dívidas”.

Foto: acopaccaldeiraoaraci.blogspot.com

Irecê (foto: acopaccaldeiraoaraci.blogspot.com)

Na informal “bolsa de valores” de Irecê, onde reina a comerciante Edna Paes Cunha entre produtores de cenoura, feijão, mamona, beterraba e cebola, não se faz segredo da agiotagem desastrada de Evaristo. “Seis devedores lhe deram o calote”. E numa safra de indiscutíveis suicídios econômicos, tornou-se mais um na relação oficial da 19a Delegacia Regional. Simples raciocínio: “A situação econômica pode ter agravado a cisma com o inchaço, levando-o à forca no imbuzeiro”.

COM A CAMISOLA – “O pai estava com os olhos abertos e a língua de fora” — conta Josemar, seis anos. Foi quem primeiro o viu. O corpo balançava na cozinha do barracão inacabado, suspenso por uma camisola enrolada. Os outros três irmãos pequenos tinham ido para a casa do vizinho com a mãe, enxotada aos gritos: “Saía, vai ver TV”.

Por três vezes, Maria Lúcia enfrentou o marido, Edilson José Leite, dizendo-lhe “não”. Mas ele ia se tornando cada vez mais furioso. Então, ela pegou Elimara, de oito meses, e saiu. Foi seguida por Jocimara, três anos, e Edmar, oito. Só Josemar ficou, escondido: “Gostava muito do pai”. Todos o apreciavam no miserável povoado de São Gabrielzinho, a nove quilômetros de Irecê, queimado pela seca.

“As crianças sofriam; ele sofria” — explica “o grande amigo” Edmilson Gomes dos Santos. A estiagem secou também os empregos. Sem irrigação, nada se planta e ninguém trabalha. “Meu marido ficava agoniado com a falta de dinheiro”, diz Maria Lúcia. Jovem, 28 anos, ela está agora sozinha com uma filha no colo, e três outros filhos pequenos em volta. “O povo vai nos dando coisinhas”, consola-se. Do barracão inacabado a família passou para um quartinho em frente, “melhor porque tem luz”. E sob uma cruz branca de madeira, no próspero cemitério do povoado, ficaram enterrados os problemas de Edilson, 35 anos.

VIDA CIGANA – No mesmo dia em que o ex-rico agricultor José de Diva se enforcou numa imburana de sua fazenda em João Dourado, na região de Irecê, “um cigano” apareceu para cobrar um cheque de R$ 5.400, parte de uma dívida de R$ 110 mil.

A dívida e a vida venceram em 5 de julho para Diva. Ele amarrou a corda de sisal, tirou o óculos, descalçou os sapatos, e se enforcou. Um empregado o viu de longe. E avisou a família. A mulher e os sete filhos não sabiam do empréstimo com “os ciganos”. Como diz Josielda Souza Marques, 25 anos: “Meu pai já foi homem de comprar 15 tratores”. Mas agora que sabem, “vou honrá-lo”, embora achem que “filhos herdam bens, não débitos”.

Diva tinha 57 anos. Plantava feijão, cenoura e beterraba. “Foi um grande produtor”, lembra-se na bolsa de valores de dona Edna, em Irecê, com muita surpresa ainda hoje. “O pai vinha mal desde o Plano Collor”, explicou Josielda, contendo-se para não chorar. “Com o real de Fernando Henrique Cardoso, ele piorou”. E passou a sofrer muita pressão dos agiotas, ciganos que vivem em Utinga, a 150 km, na rodovia BA-142, ao sul da Serra do Tombador.

Plantação na seca (acopaccaldeiraoaraci.blogspot.com)

Plantação na seca (acopaccaldeiraoaraci.blogspot.com)

“Se tivesse nos contado, poderíamos lutar juntos para pagar as dívidas”, lamenta Josielda. A imagem que fazia do pai não mudou com o suicídio, embora ele próprio menosprezasse os suicidas. “Eu o admiro muito; orgulho-me de ser sua filha”. Ela também o compara a Jesus Cristo: “Morreu pelos filhos”. Todo dia às 6 horas da tarde ela sente um aperto no coração: era a hora em que o pai voltava da fazenda para casa.

MATA-SE O COVEIRO – O repórter Levi Vasconcelos, do jornal A Tarde, de Salvador, encontrou em João Dourado um coveiro entre seis camicases do Plano Real. “A mulher dele me disse que já não tinham nem mais um grão de arroz”.

A lista do escrivão Ezequias Dourado contabiliza seis suicídios em João Dourado, sete em Irecê, um em São Gabrielzinho, dois em Juçara, um em Cafarnaum, um em Canarana e um em Ibipeba. “Mas houve outros suicídios, como o de um policial militar que não podia tratar o filho doente, e de um menino que não conseguiu pagar R$ 10 que devia de uma bicicleta”, lembra o delegado Laranjeira. Em 11 meses, cerca de 100 pessoas foram demitidas no comércio de Irecê. Uma loja que vendia 120 tratores por ano está vendendo apenas seis.

“Muita dívida”, comenta Janete, recepcionista no hotel Caraíba. Todos sabem da onda de suicídios que brotou da nova seca de três anos. “Notícia ruim corre rápido”, comenta-se na praça principal. Alguns acham que os mortos já chegam a 30. Na bolsa de valores de dona Edna uma certa esperança renasce com a primeira chuva de umbu, que molhou há poucos dias a terra queimada. “O mar está mais quente, sinal de muita chuva”, diz o agricultor Ermenito Dourado, que brinca: “Por enquanto, a situação está pecuária” (ao invés de precária).

A única solução para a microrregião de Irecê, com 19 municípios e 400 mil habitantes, é a irrigação. A terra fértil se cobrirá de frutas, feijão, milho, soja, beterraba e cenoura. “Será o fim dos suicídios”, espera o produtor Edmarcos Messias Paiva, 26 anos. E ele o prova: sua plantação de cenoura, irrigada, está verdejante. “Vou passar a plantar um hectare por semana”, promete.

Umbuzeiro dos suicidas (www.onordeste.com)

Umbuzeiro dos suicidas (www.onordeste.com) 

A esperança do vereador Indalécio está plantada na perenização de rios temporários. “Mas o governo privilegia mais o Sul do que o Nordeste”, ele reclama. O prefeito Sobral já garantiu R$ 42 milhões do Banco do Nordeste para projetos de irrigação. A solução a longo prazo, porém, só virá com a construção do canal do rio São Francisco, a 100 km. No curto prazo, a prorrogação da dívida dos agricultores, anunciada na semana passada, “só produzirá resultados se seguida de abertura de crédito”.

No gabinete do prefeito Sobral há uma foto do presidente Fernando Henrique em Irecê. Ele mostra o polegar. “… O dedo da agricultura”, brinca um assessor. O visível borrão ao lado apaga um opositor, que aparecia sorrindo. “Existe saída para tudo”, comenta-se. “Como a prorrogação da dívida dos agricultores, que pode estancar a onda de suicídios”.

“Mas o último suicídio coincidiu com o anúncio da rolagem da dívida para pequenos e médios produtores” – alguém comenta.

“… Que o suicida não tinha sido avisado” – outro acrescenta.

“Na garganta, só cerveja; corda, não: É o que se diz agora em Irecê” – conta  o prefeito Sobral.

Seleção de recortes sobre a Seleção

O CHEF DA PRESIDÊNCIA

O marqueteiro João Santana é um exímio chef na cozinha.

Provei de uma moqueca que ele fez. Mais que isso, eu o vi prepará-la,

VivaSenior.com.br

ensinando: “não se pode machucar os ingredientes”.
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Revendo o bufê servido na campanha de Dilma

Rousseff, hoje, dia de denúncia

oficial das pedaladas fiscais escondidas do

eleitorado, concluo que o chef da Presidência

machucou, e muito, os ingredientes.  Que exagerou no tempero.

E que está provocando uma indigestão nacional.

Requentei e atualizei um artigo que circulou restrito num jornal  

que não existe mais, e aqui o ofereço.

Bom apetite.

Vídeo da campanha de João Santana para Dilma

Vídeo da campanha de João Santana para Dilma: prato vazio.

A recomendação do chef João Santana, ao assumir a cozinha lá de casa, no final dos anos 80 do século passado: “Não podemos machucar os ingredientes”. Cortou uma, duas, quatro cebolas com tanta perícia que nem elas, nem nós, choramos. Picou tomates carinhosamente. Tratou os temperos com devoção. Levou o peixe ao fogo com delicadeza e até certa culpa pelo calor que o transformaria, meia hora depois, numa moqueca baiana. No final, um prato agradecido por tanto cuidado e respeito — ao que retribuiu, delicioso.

Brusco salto para 2014. Para papar a sétima eleição da série interrompida com a derrota de seu candidato no Panamá, em maio, o marqueteiro João Santana convenceu a presidente Dilma Rousseff a torturar e espancar os ingredientes que ameaçavam o primeiro turno de seu refogado predileto — a reeleição. E tome, Marina! Tome, Aécio! E tomemos, nós!

Temperou o banquete eleitoral com o terrorismo da fome ante pratos vazios, desemprego, banditismo de meninos de rua desamparados e fantasmas renascendo de um passado assombrado, numa sequência de filmes de horror publicitário nunca antes vista nestepaiz. A rival Marina foi desidratada, desconstruída e afogada em banho-maria. O rival Aécio, salpicado na blogosfera com cheiro de pó, fritado em fogo lento à manteiga Aviação, embarcada no aeroporto aberto perto de sua fazenda de Cláudio, em Minas, e servido com o consagrado molho de “privataria tucana”.

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Cena de La Grande Bouffe (A Comilança), filme franco-italiano de 1973.

Dilma? Irretocável, qual bolo de noiva! Gerentona, mãe do PAC, incorruptível, a senhora Muda Mais Brasil, poste aceso pelo companheiro ex-presidente, Dama de Ferro na administração da Petrobras, benfeitora de Cuba, protetora dos degoladores do califado islâmico em formação na Síria e Iraque, chefa de um grupo político acima de qualquer suspeita e já considerada reeleita até 2018 por clamor popular, antes mesmo da eleição.

Entre chef e marqueteiro, entre incapaz de torturar uma berinjela e comandante de um pelotão de fuzilamento de reputações, João Santana fez outras escalas na vida. Foi bicho-grilo empenhado, turista em viagens de ácido e cogumelos alucinógenos ao interior de si mesmo. Foi músico no tropicalismo dos anos 70, amigo de Caetano e Gil.

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Dilma e João Santana (www.cristianolima.com)

Chamavam-no Patinhas e ele tinha o cabelo black power. Ao jornalista Luiz Maklouf Carvalho ele se definiu como “um dos últimos socialistas românticos e um dos primeiros socialistas cibernéticos – ao mesmo tempo utópico e descrente, ao mesmo tempo sério e debochado”.

Contou também que “aprendeu hipnotismo em dez lições” e praticou “até com levitação”; e que “hoje é adepto da quiromancia”. Seu pai espiritual “é ainda” o suíço-baiano Anton Walter Smeták (1913-84), violoncelista, compositor, escritor e escultor – o guru dos tropicalistas: “Ensinou-me a virar os olhos para dentro da cabeça e o ouvido para dentro do silêncio da alma” (Época, versão Kindle, 2014).

Quando nos conhecemos morávamos perto um do outro – ele em Washington, DC, e eu em Bethesda, Maryland, ligados por metrô. Patinhas passava um ano sabático nos Estados Unidos, com a quinta ou sexta de suas mulheres, que hoje totalizam oito – e, prometido, não serão mais.

Era então um jornalista famoso no Brasil. Tinha sido dele o golpe mortal desferido contra o presidente Fernando Collor. Derrubou-o ao descobrir o motorista Francisco Eriberto Freire França, testemunha-chave no processo de impeachment: ele entregava dinheiro em pacotes do tesoureiro PC Farias em domicílios brasilienses e ainda se encarregava de providenciar bodes, galinhas “e o escambau” para rituais de magia negra na Casa da Dinda. Aquele famoso Fiat Elba da primeira-dama Rosana foi compra dele.

De diretor da sucursal de Brasília da revista IstoÉ, Patinhas promoveu-se a marqueteiro político, associando-se ao “mago” Duda Mendonça, que foi quem elegeu Lula pela primeira vez. De repórter investigativo das falcatruas de todo-poderosos passou à defesa de todo-poderosos contra a imprensa. Uma reviravolta e tanto. A mesma do carinho com hortaliças ao bombardeio impiedoso da verde Marina. De bicho-grilo a sombra da presidenta do Brasil. Marketing, para ele, é a adaptação de um produto ao gosto do consumidor, assado de chef, enquanto a publicidade cuida de vender.

Tucano de nascimento, pois que nasceu em Tucano, a cerca de 200 quilômetros de Salvador, João Santana já trabalhou para o falecido Hugo Chávez, da Venezuela, e José Eduardo dos Santos, de Angola. Ele “perdeu a sensibilidade para as questões fundamentais do Estado do Direito”, criticou-o Alberto Dines, jornalista observador da imprensa, num artigo em que lamentou a perda de ótimos repórteres investigativos para o marketing.

A ABOBADA DILMA COZINHEIRAO poder de Patinhas é imenso. Como se fosse massinha, moldou Dilma segundo sua percepção das pesquisas de opinião pública diárias que mandava fazer. Escreve os discursos mais importantes. Criou as marcas PAC; Minha Casa Minha Vida; o Brasil de Todos; o País sem Fome… Ele dá o rumo, determina a agenda e escolhe o inimigo.

Aí mora o perigo. Talvez Marina não devesse ter sido picada, refogada e queimada no fogo alto de Dilma. Talvez não devesse ter servido ao eleitorado um bufê de inverdades com salada de alho e bugalhos. O chef Santana machucou os ingredientes. Salpicou pimenta baiana ardida até na sobremesa, sonhos. E mais de 51 milhões de brasileiros estão com indigestão.

Tempestade de mísseis

Destino: Ashkelon. Mas ficou dentro de Gaza

Destino: Ashkelon. Mas ficou dentro de Gaza

As sirenes de ataque aéreo soaram esta noite ao sul de Israel. Mas eu as estou escutando há alguns dias.

O último míssil mirou Ashkelon. Os indícios são de que ele não passou de Gaza. Uma semana atrás, foi disparado um Grad, com mais potência e mira, na direção de Ashdot. Em ambos, a surpresa: o grupo Hamas, normalmente o suspeito número um dos dois ataques, conseguiu avisar a Israel que não pôs o dedo no gatilho.

Se não foi o Hamas, foi Gaza. O grupo que está assumindo os disparos tem ligação direta com o Estado Islâmico, EI. Autodenomina-se Brigadas do Sheik Amar Hadid.

É este o alarme que ando escutando.

Patrulhas do Hamas em Gaza

Patrulhas do Hamas em Gaza

Em Israel prevê-se uma tempestade no verão que está chegando. Tempestade de mísseis. Cem mil mísseis, de uma vez só, disparados das fronteiras síria, libanesa e de Gaza. Não há sistema de defesa antiaérea capaz de formar um guarda-chuva protetor para a população civil em todo território israelense.

A estimativa é de que haverá 4 mil mortos nos primeiros dias da tempestade. No Líbano, milhares de refugiados, com a retaliação israelense.

“O Irã quer cobrir Israel com fogo intenso” — disse o primeiro-ministro Bibi Netanyahu à imprensa internacional em Jerusalém, na semana passada.

Os iranianos têm seus representantes no Líbano, o Hezbollah, equipado com armamento moderno. O califado islamita sendo implantado no Iraque e na Síria já chegou a Gaza e dá tiros no lugar do Hamas. O Irã é visível também nas colinas do Golã, preparando o novo front.

Ex-ministro da Defesa e primeiro-ministro, Ehud Barak pediu aos israelenses que não sejam presunçosos, certos de sua superioridade militar. “Nunca estivemos sob 100 mil mísseis, ainda por cima mais certeiros. Isto é uma situação completamente diferente”.

As Forças de Defesa de Israel estão ensaiando alguma resposta ao “tapete” de mísseis previsto para o verão, que é quando começa a maioria das guerras no Oriente Médio. Os túneis usados pelos palestinos do Hamas para vencer a fronteira israelense em Gaza, ano passado, já não representam mais tanto perigo, porque agora são levados em conta, sem surpresas.

Se os aiatolás atômicos iranianos forem responsabilizados pela tempestade de 100 mil mísseis, a próxima guerra não deverá se limitar às fronteiras tradicionais dos países vizinhos. Alcançará Teerã, provavelmente.

As nuvens que prenunciam a tempestade devem encobrir as negociações para a limitação nuclear do Irã, reiniciando agora. O chefe supremo das Forças Armadas americanas passou esta semana por Israel. Foi chamado de “grande amigo dos israelenses”. As sirenes voltaram a soar. Baterias antimísseis foram armadas em pontos vitais. O exército ensaiou uma mobilização geral.

Quando o míssil padrão era a katiusha, disparado de caminhões, Israel invadiu o Líbano. Aí a TV israelense perguntou a um soldado:

— Você sabe o que veio fazer aqui no Líbano?

— Sim — ele respondeu. — Acabar com as katiushas.

As Katiushas

As Katiushas

— E onde estão as katiushas? — tornou a perguntar o repórter.

— Em Moscou…

Foi cômico, na época. Mas agora a situação é outra: os mísseis são do Irã, e o Irã está ao alcance da aviação israelense.

Duas bikes por minuto na cidade das lambretas

MINOLTA DIGITAL CAMERA

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Pedaladas de Dilma e

ciclofaixas  de Haddad, resgatei  a visita que fiz

à maior fábrica de bicicletas no

mundo, a Giant, em Taipei  — onde, no entanto,

as lambretas  são unanimidade nas ruas.

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Pedalando no salão de entrada da Giant

No salão de entrada da Giant

Taiwan (2011) — Na cidade das lambretas, Taipei, há uma fábrica de bicicletas gigante – a Giant. Mas é raro ver um ciclista pedalando nas ruas. Câmera em prontidão, não flagrei nenhum para ilustrar este post. Difícil: são 11 milhões de lambretas para 22 milhões de taiwaneses. Não existe frota maior por quilômetro quadrado, em todo o mundo. E, no entanto, na Giant, duas bicicletas são produzidas a cada minuto, num total anual de 5,2 milhões, para abastecer 11.125 revendedores em 80 países.

– Onde estão os ciclistas e as ciclofaixas em Taiwan? – perguntei a Zack Cheng, ‘especialista’ da Giant Manufacturing Co., em Tachia Taichung Hsien, nos arredores de Taipei. “Ah, os taiwaneses saem com suas bikes só nos fins de semana, para lazer”, ele explicou.

A vice-presidente executiva Bonnie Tu contou que tem quatro bikes em casa. Aos 62 anos, ela “rejuvenesce quanto mais pedala”. O presidente e fundador da Giant, King Liu, 76 anos, ainda participa de longas maratonas, às vezes com mais de mil quilômetros. Seu projeto é criar um festival de ciclismo taiwanês tão popular quanto o carnaval no Brasil. Já montou um bike hotel: ao acordar, o ciclista recebe sua companheira limpinha e revisada. E partem ilha afora.

Outra ideia veio de Paris e Nova York (em 2011), aqui batizada de You Bike: são 500 bicicletas disponíveis nas estações de metrô. As promoções, tantas, até se atropelam: Bike Day, Cycling Island, Giant Adventure, sem contar os vários tours da ilha, de um a nove dias, concebidos por idade e sexo dos competidores.

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Levantei com o dedo mindinho uma bike de fibra de carbono no amplo salão de entrada da Giant. Mais leve até que o meu laptop. A profusão de modelos confunde. Para cada grande grupo, como Road Bikes (as mais vendidas), Off Road, Cross, Mountain, Hybrid, Cruiser, BMX e Confort, multiplicam-se os subgrupos. Algumas incluem suspensão dianteira e traseira, outras só à frente; as mais pesadas absorvem melhor os choques em buracos; umas combinam alumínio e carbono; e os chineses, grandes consumidores, preferem as feitas de aço. “Cada uma tem uso específico; o mais importante é saber escolher” – diz Zack Cheng, como se fosse algo fácil, de domínio comum.

Pela linha de montagem passam variados tipos de bike prontas para a embalagem, por uma esteira. Ali já recebem o destino final no mundo, colado na caixa de papelão. Caminhões as esperam num grande pátio. Nem tudo se mostra entre milhares de operários, e nem tudo que se vê pode ser fotografado. Não se trata de censura, apenas segredo industrial.

De todas as competições internacionais que disputa, numa a Giant se mantém imbatível: é a campeã mundial em faturamento entre as bicicleteiras, com o faturamento de US$ 1,3 bilhão, em 2010. Talvez seja também a maior do mundo. Embora a informação apareça em pesquisas a banco de dados na web, ou em inúmeros artigos em jornais e revistas, na Giant, mesmo, há um certo cuidado em confirmá-la. A referência preferida é a renda anual. Não será exagero nenhum colocá-la também na liderança dos produtores de bicicletas de qualidade. Foi ela que introduziu a Cadex 980 C, a primeira bike de fibra de carbono. Também foi ela que revolucionou a bike estradeira com a Compact Road Design. Com a Suspensão Maestro, ela elevou o nível de performance para competições e off-road. As e-bikes, as bicicletas elétricas, na mira do presidente King Liu desde 2005, hoje são populares. O desafio é calibrar sua potência. Os e-ciclistas abusam, os acidentes aumentam e os fabricantes, cobrados, tendem a dar marcha a ré. Afinal, quem quiser força e velocidade compra uma moto, ou uma lambreta.

A fábrica em Taipei

A fábrica em Taipei

“Bicicleta, como carro, tem seus modelos do ano” – explica a vice-presidente Bonnie Tu. As novidades são lançadas em julho e chegam às lojas em setembro. Para ela, no mercado mundial cabem 100 milhões de bikes. Isso porque ainda não pedala uma maioria calculada em 85% da população. “O que fazemos é tentar atrair os sem-bike para a cultura saudável da bike”. Num recente “Café com a Presidenta”, Dilma Rousseff falou em promover a cultura do ciclismo no Brasil, recomendando a prefeitos a abertura de ciclovias seguras para estudantes de escolas públicas. O projeto prevê 100 mil bikes e 100 mil capacetes para 300 municípios.

A Giant começou em Taiwan, em 1972. A partir de 1986, ganhou o mundo. Foi para a Holanda, Estados Unidos, Japão, Canadá, França, Alemanha, Austrália e a República Popular da China (para não confundir com a República da China, ROC, dos taiwaneses). Hoje está com onze fábricas ou montadoras em vários países, e quer mais. Por que não o Brasil? – perguntei a Bonnie Tu. “Temos um importador… Mas o nosso problema é o altíssimo imposto de importação brasileiro”.

Bem informada, ela citou pelo nome as principais marcas concorrentes que desfilam pelas ciclovias aos domingos. E admitiu: “Não entendemos ainda o potencial brasileiro. Só sabemos que se trata de um mercado importante, muito-muito importante”. A Giant tem a esperança de que os impostos possam baixar, mas não cair como no caso recente dos tabletes, para permitir a produção nacional do iPad, da Apple, pela taiwanesa Foxconn (que, afinal. não ocorreu). “Por enquanto, estamos ajudando o nosso representante a construir a marca. Somos muito pacientes”.

No final, montei uma bike de fibra de carbono (foto no alto). Saí à rua e dei voltas pelo jardim da Giant. No ônibus para o centro de Taipei, fiquei atento ao trânsito e ao cenário de lojas, oficinas e estacionamentos. Lambretas, só lambretas… Nenhuma bicicleta! Qualquer turista, com carteira internacional de motorista, pode alugar uma até 50cc e se perder na multidão. Pode ir sem medo: os acidentes são raros (em uma semana, não vi nenhum), ao contrário da mortandade diária entre os motoboys de São Paulo.

Cadê a bike?

Cadê a bike?

O repórter viajou a convite da Taiwan External Trade Development Council, TAITRA.

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A Capa do Mundo

Aqui estão algumas das capas de jornais do mundo com Blatter por manchete.

Os europeus e brasileiros focaram no Fifalão.

Dos americanos, só mesmo os internacionais, tipo NYT, WP e WSJ.

A seleção da Capa do Mundo foi escalada pelo critério de  prestígio dos jogadores,

mas inclui artilheiros da criatividade, embora sem muitos gols. 

(clique na capa para ampliar)

Pintando o sonho americano

Triplo autorretrato

Triplo autorretrato

tod_rockwell_smBerkshires, MA — O sonho americano é a exibição permanente no Museu Norman Rockwell, em Stockbridge – um sonho que ainda não acabou porque reflete ideais como a bondade, tolerância, democracia e liberdade, mesmo que suas imagens sejam antigas, datadas da metade do século passado.

“Só pintei a vida da maneira como eu gostaria que ela fosse”, explicou o sonhador Norman Rockwell, talvez o mais querido e popular dos pintores americanos. A revista The Saturday Evening Post vendia mais 50 a 70 mil exemplares quando era ele o artista de sua capa. Foram 321 capas em 47 anos, todas retratando típicos valores da vida americana.

Mas o sonhador Rockwell também teve pesadelos. “Por 47 anos eu pintei o melhor possível dos mundos – vovôs, cachorrinhos, coisas assim. Este tipo de material está morto agora, e acho que era tempo”. A ruptura se revelou em série nas capas de outra revista, a Look. Cenas de discriminação racial, como a de uma menininha negra com vestido branco sendo escoltada à escola por policiais, ou da luta pelos direitos civis nos Estados Unidos.

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No Museu Rockwell estão o sonho e o pesadelo nas capas das revistas, mais 570 pinturas e desenhos, e ainda 100 mil itens incluindo cartas e documentos. O próprio ateliê de Stockbridge, a três quilômetros, veio inteirinho para dentro da réplica de sua casa que ficava na Rua Principal, a Route 7. Agora, suas janelas dão vista para o rio Housatonic, numa área de 146 mil m2 coberta de grama que parece ser cortada por manicure, tão certinha.

Rockwell-Norman-LOCSabe aquele menino de 10 anos com óculos de 12 graus e sapato ortopédico? Era ele, Norman Percevel Rockwell, nascido em Upper West Side Manhattan, NY, em 1894. Não tinha nada a ver com esportes, como os amigos, e ficava desenhando. Quando seu pai contava histórias, desenhava num caderno os personagens. Trocou a escola secundária pelas aulas de desenho e pintura da National Academy School, em Nova York. Para ganhar dinheiro, fazia bicos como figurante na Metropolitan Opera. Uma vez contracenou até com o célebre Enrico Caruso. Com 16 anos aviou a primeira encomenda profissional que lhe foi feita: quatro cartões de Natal. Aos 17 anos, ilustrou o primeiro livro. E passou a trabalhar, pelos 50 anos seguintes, na revista de escoteiros Boys Life. Aos 22 anos, a glória: a primeira capa do The Saturday Evening Post, a mais prestigiosa revista da época.

Desde então, Rockwell nunca mais ganhou menos do que US$ 40 mil por ano, mesmo durante a Grande Depressão. Era obcecado pela precisão. E sincero. No livro Minhas Aventuras como Ilustrador, ensinou como fazer um galo posar: “você o sacode para frente e pra trás; quando o deixar, ele ficará tranquilo por 4 a 5 minutos”. Para ilustrar os clássicos de Mark Twain, foi conhecer o cenário das histórias, a cidade de Hannibal, no Missouri. Voltou carregado de roupas de época, que vestia em vizinhos-modelos. Casou-se três vezes, e com a segunda das esposas, Mary Barstow, teve três filhos. Seu primeiro ateliê pegou fogo, em 1943, e nada lhe sobrou das preciosidades que havia acumulado em 28 anos. Do segundo tudo está hoje aqui, em Stockbridge, para onde ele se mudou em 1953 e onde morreu, em 1978, deixando no cavalete pinceladas de uma pintura inacabada.

O maior patrono do museu é o cineasta Steven Spielberg. Ele trouxe a Time Warner para mais esta sua superprodução, que custou US$ 9,2 milhões. Aqui estão os quadros mais famosos, como o Triplo Autorretrato e As Quatro Liberdades, uma série patriótica que arrecadou US$ 139,9 milhões para o esforço de guerra do presidente Roosevelt, e quase todas as capas da revista The Saturday Evening Post. É o panorama histórico de um século, do sonho ao pesadelo americano.