Um fim de semana trágico paira sobre Israel

(Venice) La distruzione del tempio di Gerusalemme -Francesco Hayez – gallerie Accademia Venice

Ao pôr do sol de sábado terá início o dia destinado à tragédia para os judeus de Israel e do mundo. É o Tishá B’Av, o 9 Av, no calendário lunar hebraico.

Ao longo de séculos, o 9 Av marcou a destruição dos dois templos de Jerusalém, em 586 a.C. e 70 d.C.; a matança de meio milhão de judeus pelos romanos na cidade de Betar, em 135 d.C.; a expulsão dos judeus da Inglaterra (1290), da França (1306) e da Espanha (1942); o início da Primeira Guerra Mundial (1941) e as deportações do Gueto de Varsóvia para o campo de extermínio nazista de Treblinka (1942).

Que nova tragédia pode acontecer no 9 Av deste ano, além da já trágica guerra em Gaza, que chega ao seu 666º dia no sábado?

O professor de História e escritor Yuval Noah Harari previu a destruição metafórica do “terceiro templo” se o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu continuar no poder em Israel. Foi quando ele discursou para manifestantes contra o governo:

“Basta Bibi! (o apelido de Netanyahu). Vocês não estão destruindo apenas o Estado de Israel, mas todo o povo judeu (…) Todas as comunidades judaicas, de Nova York a Sidney, terão de decidir se se mantém fiéis aos valores de ‘amarás o teu próximo como a ti mesmo’, ou se se alinham com o novo judaísmo negro que está sendo criado, o judaísmo dos incendiários de Huwara” (cidade palestina, em Nablus, na Cisjordânia, atacada por colonos judeus, em 2023.)

Então, Harari concluiu: “Não dá para esperar por Tishá B’Av e pela destruição do Templo. A hora de parar o governo Netanyahu é agora”.

A primeira da série de tragédias em 9 Av é contada no Livro de Números, capítulos 13 e 14. O povo de Israel estava acampado à entrada da Terra Prometida, por volta de 1.500 a.C., à espera do relato dos 12 espiões enviados por Moisés para explorar Canaã. Só dois dos espiões, Josué e Calebe, trouxeram um relato positivo. Os outros dez viram habitantes gigantes em cidades fortificadas, o que gerou pânico e descrença. Os israelitas choraram. E então, segundo um texto rabínico, Deus falou:

“Vocês choraram diante de mim sem motivo, eu fixarei para vocês (este dia com um dia de) choro para as gerações”. Era um 9 Av. E os judeus, punidos, peregrinaram pelo deserto durante 40 anos, até o fim da geração que duvidou de Deus.

O profeta Jeremias atribuiu a destruição do Primeiro Templo pelos babilônios aos “pecados do rei, dos líderes da nação e do povo de Judá, bem como à falta de arrependimento”. Por uma interpretação moderna, o Segundo Templo caiu por ações de extremistas, que “nunca veem ou querem ver as consequências de suas ações”. Outra causa para as catástrofes de 9 Av é que “a História não ocorre por acaso; os acontecimentos — mesmo os terríveis — são parte de um plano divino, e têm um significado espiritual”.

As tragédias coincidentes num mesmo dia ao longo do tempo são reais, registradas em documentos históricos, descobertas arqueológicas e relatos cronológicos. A História analisa causas políticas, econômicas e sociais, mas não faz um juízo religioso. As visões histórica e teológica podem se complementar, para muitos estudiosos.

Em 9 Av, 1941, o comandante Heinrich Himmler recebeu a aprovação do Partido Nazista para a Solução Final, que marcou o início do Holocausto. Em 10 Av de 1994, uma bomba explodiu no centro comunitário judaico da AMIA, em Buenos Aires, matando 85 pessoas. Em 1995, o premiê Yitzhak Rabin foi assassinado por um fanático judeu de extrema direita. E em 9 Av de 2005 Israel se retirou de Gaza, abrindo o caminho para a vitória do Hamas em 2006 e a expulsão da Autoridade Palestina (AP) para Ramallah, na Cisjordânia.

Agora, em 2025, o povo judeu está vivendo várias causas para a produção de uma nova catástrofe em Tishá B’Av. O pensador israelense-americano, Doron Weber, fez uma lista em que destaca que o governo de Benjamin Netanyahu minou a coesão militar de Israel; abalou a sua economia; rompeu o tecido social; deu liberdade a colonos judeus para atacar palestinos na Cisjordânia; prejudicou as relações com os EUA e alienou os judeus da diáspora, que estão sofrendo uma onda antissemita no mundo todo. Israel, hoje, é um vilão internacional, um pária, isolado de seus amigos e aliados.

A observância do Tishá B’Av é tão rigorosa, para os judeus, quanto o Yom Kippur, o Dia do Perdão. O jejum começa ao pôr do sol do sábado, e deve ser mantido por 25 horas. Não se pode tomar banho, passar cremes ou óleos no corpo, usar sapatos de couro, ter relações sexuais, trabalhar, cumprimentar pessoas e dar presentes. Nas sinagogas, lê-se o Livro de Lamentações e lembra-se a destruição dos dois templos de Jerusalém, dos quais resta o Muro das Lamentações. Os oito dias que antecedem o 9 Av são de luto, não se come carne nem se toma vinho, não se usa roupa nova e nem se participa de festas.

O Tishá B’Av poderá se tornar um dia alegre, se o Terceiro Templo for construído. No lugar dele, porém, estão hoje as mesquitas de Al-Aksa e do Domo da Rocha, de onde Maomé subiu aos céus num cavalo alado. Jerusalém, ou Al Quds (A Santa, para os muçulmanos), é a cidade disputada para capital por israelenses e palestinos.

No Oriente Médio, Estado e Religião se embaralham. Em muitos países árabes, o islamismo serve como base moral, política e estrutura legal. Em Israel, “um Estado judeu e democrático”, os partidos religiosos têm uma influência muito grande em decisões políticas. Atualmente, dois ministros ultra religiosos e radicais de direita ameaçam derrubar a coligação que sustenta o premiê Netanyahu, que está com um único voto de maioria no Parlamento, se ele aceitar o fim da guerra sem exterminar o Hamas e criar colônias judaicas em Gaza.

Entre religiosos judeus circula os versículos 51-55, do livro de Números, capítulo 33, em que Deus diz a Moisés:

“Quando vocês atravessarem o Jordão para entrar em Canaã, expulsem da frente de vocês todos os habitantes da terra. Destruam todas as imagens esculpidas e todos os ídolos fundidos e derrubem todos os santuários locais deles. Tomem posse da terra e instalem se nela, pois eu dei a vocês a terra para que dela tomem posse. Distribuam a terra por sorteio, de acordo com os seus clãs. Aos clãs maiores, vocês darão uma herança maior; aos menores, uma herança menor. Cada clã receberá a terra que lhe cair por sorte. Distribuam na entre as tribos dos seus antepassados. Se, contudo, vocês não expulsarem os habitantes da terra, aqueles que vocês permitirem ficar se tornarão farpas nos seus olhos e espinhos nas suas costas. Eles causarão problemas para vocês na terra em que vocês irão morar.”

Que o Tisha B’Av de 2025 (ou 5785, no calendário hebraico) passe sem novas tragédias.